Dia da trabalhadora e do trabalhador rural: retorno à agroecologia e muita história para contar

Os trabalhadores e as trabalhadoras rurais, responsáveis por mais de setenta por cento dos alimentos consumidos pelo povo brasileiro, mereciam um destaque bem maior no dia dedicado a eles e a elas, 25 de julho. Geralmente, o destaque dado pela grande mídia, costuma ser a bênção de carros e de caminhões, em comemoração a São Cristóvão, padroeiro dos motoristas.

Por: João Inácio Wenzel

A revolução agrícola começou há doze mil anos com a domesticação de algumas plantas e animais. Isso possibilitou que mais pessoas pudessem viver num território menor, mas tornou a sua vida mais dura, e empobreceu a sua dieta que antes era variada e bem mais rica em nutrientes. Eles sabiam que frutas colher em que época do ano e em que local, seguindo seu mapa mental. Conheciam também o movimento migratório dos animais silvestres.

Hoje, mais de 90% das calorias consumidas no mundo são oriundas de algumas plantas domesticadas por nossos ancestrais entre 9500 e 3500 a.C., como trigo, cevada, milho, arroz, batata e mandioca. Os cientistas se perguntam: quem domesticou quem? Foi o ser humano que domesticou o trigo e o boi, ou foi o trigo e o boi que domesticaram o ser humano? O fato é que as pessoas que vivem da agricultura ficaram cada vez mais presos à sua roça e aos seus animais domésticos, ao passo que o trigo e o boi conquistou o mundo.

Se ficarmos diante da televisão, o que mais vemos são ursos, leões, girafas, pinguins… que nos podem dar a falsa impressão de que ainda reinam no planeta. Mas se pegarmos a estrada pelo mundo afora, o que mais vemos são fazendas sem fim de gado, soja, milho e a algodão, e alguns animais silvestres atropelados à beira da estrada. Nessas terras, há mais boi do que gente: 213 milhões de cabeças de gado ocupam dois terços das terras agriculturáveis no Brasil. E quantas onças pintadas ainda sobrevivem? Ninguém sabe ao certo. No bioma da mata atlântica, algumas centenas, e no bioma da Amazônia alguns milhares.

A extinção de espécies da fauna e da flora teve um avanço acelerado nos últimos 50 anos com a assim chamada “revolução verde”. Significou o avanço da agricultura sobre milhões de hectares de florestas, substituídos por monoculturas de grande extensão e a substituição da adubação orgânica por insumos químicos e agrotóxicos. Até o nome mudou. A agricultura virou agronegócio. O agricultor, produtor. Com propaganda capciosa querem nos convencer que “agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, mas, na verdade, é tudo menos agricultura. A cultura foi subtraída da agricultura e substituída pelo negócio. A monocultura da soja, do milho e do algodão… são commodities, meras mercadorias vendidas na bolsa de valores. Assim, também, os bois e as vacas, os porcos e a galinhas não são mais reconhecidas como animais que tem hábitos sociais, que brincam, desenvolvem habilidades. São meras mercadorias destinadas à alimentação humano, sem nenhum direito a subjetividade.

As consequências são terríveis: perda dos ecossistemas, perda do solo fértil lavado pela erosão, assoreamento dos rios e contaminação das águas com resíduos de fertilizantes químicos e agrotóxicos. As plantas e insetos criam resistências à ação dos venenos. Ruim para os produtores, ótimo para os vendedores de venenos quem oferecem novos produtos, mais fortes e mais caros. Cresce o tamanho das propriedades e cresce a dependência dos produtores, cada vez mais amarrados à indústria agroquímica dominada por grandes corporações.

Não são somente as plantas o os insetos que resistem a esse modelo agrícola devastador. Os consumidores e as consumidoras também. O mercado de orgânicos cresce em torno de 20% ao ano. As grandes corporações reagem de olho nesses novos nichos, oferecendo novos pacotes tecnológicos de produtos biológicos. A natureza agradece, pois deixa de ser agredida com venenos, mas os consumidores pagam o preço e os agricultores e agricultoras continuam dependentes dos pacotes tecnológicos. No entanto, não precisa ser assim. E não é. As camponesas e os camponeses, com o apoio de pesquisadores e pesquisadoras ligados às universidades públicas, estão recuperando a verdadeira cultura da agricultura. Desenvolvem um sistema de produção abundante e saudável, que, ao mesmo tempo, recuperam o solo e os ecossistemas. E o melhor, sem depender dos pacotes tecnológicos das grandes corporações. Eles se fundamentam na sabedoria de nossos ancestrais, associada aos conhecimentos científicos de ponta, tendo a natureza como aliada. Aprendem que a relação das plantas entre si são relações de cooperação e não de competição, como costumam ser as relações capitalistas entre os humanos.

Aprendem que não existem plantas daninhas, mas que as plantas espontâneas são plantas indicadoras da qualidade do solo e, ao mesmo tempo, plantas saneadoras. Aprendem que o solo não pode ficar nu. Precisa estar coberto com plantas ou com matéria orgânica obtida pelo roçado e poda das árvores. Aprendem a cultivar os micro-organismos tão necessários para o desenvolvimento das plantas, a fazer o seu próprio adubo, chamado aqui no Paraná de adubo da independência; a fazer o seu próprio biofertilizante, caríssimo no mercado, simples e barato quando feito com os recursos da própria propriedade. Aprendem a atrair insetos amigos que fazem o controle de “pragas”. Aprendem que o segredo está no solo. Como dizia a engenheira agrônoma brasileira nascida na Áustria, Ana Maria Primavesi: “solo doente, planta doente, povo doente; solo saudável, plantas saudáveis e pessoas saludáveis”.

Há aqueles e aquelas que dão um passo ainda maior: desenvolvem a agricultura em meio a sistemas agroflorestais: árvores nativas, árvores para madeira comercial, árvores frutíferas, milho, arroz, feijão, plantas alimentícias não convencionais (PANCS) e todos os tipos de hortaliças. Os agricultores e as agricultoras não se sentem mais conquistadoras que subjugam a natureza, mas parte integrante do meio ambiente, com um papel primordial de recuperar os ecossistemas. Desse modo, se dá uma nova simbiose entre a fauna, a flora e as pessoas reconectas à verdadeira agri-cultura. Vale à pena comemorar isso no dia da agricultora e do agricultor.

Referências bibliográficas:

HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. -48. Ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2019

MARCUSO, Stefano. Revolução das plantas: um novo modelo para o futuro; São Paulo: Ubu editora, 2019

PRIMAVESI, Ana. Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais. 7ª ed. São Paulo (SP): Nobel, 1984.

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