Durante a elaboração da cartilha “CEBs caminhando com Jesus de Nazaré”, preparada pelo Grupo de Trabalho de Formação da Ampliada Nacional das CEBs em 2020, a ideia era deixá-la disponível apenas em meio eletrônico. O Iser Assessoria promoveu a impressão de 5.400 exemplares para serem distribuídos pelos 19 Regionais em que as CEBs estão organizadas.
Por: Solange dos Santos Rodrigues
Para fazer uma distribuição mais justa, considerando que os regionais têm números de dioceses bem diferenciados, Marilza Schuina, membro do GT, realizou um levantamento junto aos/às articuladores/as de cada Regional, para saber o número de dioceses que, de algum modo, contavam com alguma forma de articulação de CEBs. O levantamento chegou ao número de 238 dioceses, dentre as 270 (arqui)dioceses e prelazias brasileiras. Um número bastante expressivo, correspondendo a 88% do total. É preciso refletir sobre o que este dado quer dizer.
Mas antes vamos recordar um pouco da história. Quando as Comunidades Eclesiais de Base surgiram no Brasil, primeiramente elas foram consideradas como um mecanismo de descentralização das paróquias, muito extensas e com um grande número de fiéis. Deveriam, deste modo, promover uma relação de maior proximidade entre pessoas que viviam nas mesmas imediações. É assim que elas foram propostas no Plano de Emergência aprovado pela CNBB em 1962, ainda sem receberem a designação de CEBs, que só surgiria mais tarde.
Em sintonia com as inovações introduzidas pelo Concílio Vaticano II, as comunidades nascentes foram incorporando as ideias e as práticas efetivas da participação de cristãos leigos e leigas nas atividades de evangelização e de celebração da fé; de comunhão de todo o Povo de Deus, por meio da organização de conselhos em vários níveis; e de compromisso com a realidade social. Aos poucos os agentes de pastoral começaram a promover encontros de comunidades vizinhas, para formação, para troca de experiências, para convivência, para fortalecer o sentido de ser Igreja local – encontros das comunidades de uma área, de uma paróquia, ou da diocese. Com isso, a experiência ultrapassou a mera descentralização de paróquias, com o intuito de constituir verdadeiras redes de comunidades, mesmo que esta nomenclatura não fosse utilizada na época.
Nas conclusões da Conferência de Medellín, ocorrida em 1968, as CEBs são apresentadas como “o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também pelo culto que é sua expressão. É ela, portanto, célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e desenvolvimento” (Medellín, documento 15, 10). E mais adiante os bispos afirmam que a paróquia deveria se tornar “um conjunto pastoral vivificador e unificador das comunidades de base” (Medellín, documento 15,15). Esta compreensão ultrapassou a noção de descentralização paroquial e inseriu as CEBs na própria estrutura da Igreja, numa eclesiologia bem afinada com a do Concílio. Isso se refletiu na designação dada aos encontros das CEBs de diversas dioceses brasileiras, iniciados em 1975, chamados de ‘intereclesiais’, encontros entre igrejas particulares.
A história das CEBs já se estende por cerca de 60 anos, e não se pode resumi-la em poucas linhas. Ao longo deste tempo elas foram se espalhando pelo país, adquiriram reconhecimento social, participam da estrutura organizativa da CNBB, têm passado por diversas transformações, relacionadas às diferentes conjunturas sociais e eclesiais das últimas décadas. Em muitas dioceses e paróquias elas perderam apoio, com o revigoramento do clericalismo e com a emergência de perspectivas pastorais que privilegiam outras formas de organização eclesial. Tudo isso resulta em diversas compreensões e práticas de articulação existentes na atualidade.
Voltando ao ponto de partida deste texto, pode-se descrever várias situações diferentes que resultaram no dado da existência de articulações de CEBs em 238 dioceses. Uma delas é que as dioceses do Regional – ou algumas delas – tenham CEBs e que, de algum modo, participem da articulação regional. No outro extremo, pode significar que ao menos uma comunidade de uma determinada diocese – ou as comunidades de uma paróquia – se identifique como CEB e participe da articulação regional. Também pode ser que a diocese mantenha uma comissão de CEBs, até com assento nos conselho diocesano, mas sem uma efetiva articulação com as bases. E, pelo fato de existir formalmente, membros da comissão façam parte da articulação regional. Outra situação conhecida é que determinados grupos de uma diocese que se identificam com a eclesiologia das CEBs se organizem apenas nas vésperas de um Intereclesial e se aproximem da articulação regional para obter vagas na delegação para o encontro. Tantas outras situações poderiam ser descritas nas nossas realidades locais. Resta saber o que cada informante, ou cada Regional, entende por “articulação” e, mais ainda, define o que são CEBs… Aqui entramos no terreno das definições.
Por agora, vou mencionar alguns instrumentos que têm sido usados nas articulações regionais: há Ampliadas Regionais, que se estruturam de forma representativa ao molde da Ampliada Nacional, com reuniões periódicas, encontros de assessores/as, promoção de seminários regionais de estudo; encontros regionais de CEBs; participação nas assembleias dos Regionais da CNBB, com representação das CEBs ao lado de pastorais, movimentos e outros organismos. Já nas articulações diocesanas, existem conselhos e assembleias em nível paroquial e diocesano, com maior ou menor representação e participação efetiva das CEBs; comissões ou equipes diocesanas de CEBs. Em muitos destes espaços as CEBs são vistas como uma pastoral ou grupo existente na igreja, entre outros. Muitas dessas situações são consequência destes tempos em que na maioria das dioceses as CEBs perderam centralidade na organização pastoral, e subsistem comunidades isoladas ou bem pouco articuladas. Neste caso estamos bem distante da concepção de Medellín, das CEBs como célula inicial de estruturação eclesial. E tudo isto tem impacto na fragilização das articulações diocesanas, regionais e nacional, mesmo antes dos tempos de pandemia.
Fica para nós, que assumimos esta compreensão da Igreja como rede de comunidades eclesiais de base, o desafio de aprofundar o conhecimento desta problemática, buscando compreender que critérios foram utilizados por cada articulador/a regional, ou por seus/suas informantes em cada diocese, para dizer o número de dioceses que possuem articulação de CEBs. E, o mais importante, buscar formas de reforçar a articulação das CEBs, para que elas possam cumprir efetivamente sua missão evangelizadora.
A outra questão referida anteriormente, no terreno das definições, sobre o que tem sido considerado como Comunidade Eclesial de Base, é muito mais complexa e fundamental. E merece estudos, pesquisa, reflexão coletiva. Será que retornamos ao tempo em que as CEBs eram tão somente uma forma de descentralização das paróquias, sem alterar a estrutura eclesial?