O Papa Francisco se encontrou, na Sala Paulo VI, no Vaticano, na última quinta-feira, com os membros da Comunidade de Vida Cristã (CVX) – Liga Missionária de Estudantes da Itália, cerca de 5.000 pessoas. Das quatro perguntas feitas por participantes na ocasião, publicamos abaixo duas delas e as respostas de improviso do Santo Padre. O diálogo foi publicado no sítio da Rádio Vaticano, 30-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Bartolo – Caríssimo Santo Padre, meu nome é Bartolo e sou sacerdote diocesano há nove anos. Atualmente, a missão que me foi confiada é a de formador de seminaristas e professor no Seminário Campano Inter-Regional de Nápoles, dirigido pelos padres jesuítas, lugar em que, muitas vezes, tomam-se muitas coisas como evidentes: a formação em geral… Há cerca de dez anos, eu colaboro com o padre Massimo Nevola na animação dos campos missionários, em particular em Cuba, proposto a jovens adultos da Liga Missionária de Estudantes. Através dessas experiências, toquei com a mão as feridas do Senhor na pobreza dos homens do nosso tempo, que me puseram em crise e me levaram a buscar mais o Seu rosto. E isso fortaleceu muito a minha vocação presbiteral, que eu sinto cada vez mais como um dom para toda a humanidade e para a Igreja. Gostaria de lhe perguntar, dada a presença de tantas paróquias: que contribuição específica pode oferecer um movimento de inspiração inaciana, como a CVX, para a formação cristã dos agentes de pastoral, e a Liga Missionária de Estudantes, para o envolvimento e a educação para a mundialidade de jovens? Obrigado.
Papa Francisco – O presidente fez memória de um lema inaciano, não? “Contemplativo na ação”. E ser contemplativo na ação não é caminhar pela vida olhando para o céu, porque você vai cair em um buraco [risos], com certeza… E isso é entender o que significa essa contemplação, não? Você disse uma coisa, uma palavra que me chamou a atenção: “Toquei com a mão as feridas do Senhor na pobreza do homem do nosso tempo”.
E eu acho que esse é um dos melhores remédios para uma doença que nos afeta tanto, que é a indiferença. Também o ceticismo: crer que não podemos fazer nada. O padroeiro dos indiferentes e dos céticos é Tomé: e Tomé teve que tocar as feridas. Há um belíssimo discurso, uma belíssima meditação de São Bernardo sobre as chagas do Senhor. Você é padre, pode encontrá-la na terceira semana da Quaresma, nas leituras, nas segundas leituras da terceira semana; não me lembro qual dia. Entrar nas feridas do Senhor: nós servimos a um Senhor chegado de amor; as mãos do nosso Deus são mãos chegadas de amor. E ser capazes de entrar ali…
E Bernardo também continua: “E seja confiante: entra na ferida do seu lado e contemplará o amor daquele coração”. As feridas da humanidade, se você se aproximar ali, se você tocar – e essa é doutrina católica –, você toca o Senhor ferido: isso você vai encontrar em Mateus 25. Não sou herege dizendo isso, hein? Quando você toca as feridas do Senhor, você entende um pouco mais o mistério de Cristo, de Deus encarnado.
Essa é precisamente a mensagem de Inácio, na espiritualidade: uma espiritualidade onde o centro é Jesus Cristo, não as instituições, não as pessoas, não. Jesus Cristo. Mas Cristo encarnado! E quando você faz os Exercícios [Espirituais], ele lhe diz que, vendo o Senhor que sofre, as feridas do Senhor, esforce-se para chorar, para sentir dor! E a espiritualidade Inaciana dá ao movimento de vocês essa estrada, oferece essa estrada: entrar no coração de Deus através das feridas de Jesus Cristo. Cristo ferido nos famintos, nos ignorantes, nos rejeitados, nos idosos sozinhos, nos doentes, nos encarcerados, nos loucos… Ele está ali.
E qual poderia ser o maior erro para um de vocês? Falar de Deus, encontrar Deus, mas um “Deus spray”, um Deus difuso, um Deus no ar… Inácio queria que você encontrasse Jesus Cristo, o Senhor, que ama você e deu a Sua vida por você, ferido pelo seu pecado, pelo meu pecado, por todos… E as feridas do Senhor estão por toda parte. Nisso que você disse está justamente a chave, não? Nós podemos falar tanto de teologia, tanto… coisas boas, hein! Falar de Deus… mas a estrada é se você é capaz de contemplar Jesus Cristo, ler o Evangelho, o que fez Jesus Cristo: é Ele, o Senhor! E se apaixonar por Jesus Cristo e dizer a Jesus Cristo que escolha você para segui-lo, para ser como ele. E isso se faz com a oração e também tocando as feridas do Senhor. Você nunca vai conhecer Jesus Cristo se não tocar as Suas chagas, as Suas feridas. Ele foi ferido por nós. E essa é a estrada, é a estrada que nos oferece a espiritualidade Inaciana a todos nós: o caminho…
Mas eu também vou um pouco mais: você é formador de futuros sacerdotes, não? Por favor… se você vir que um rapaz inteligente, bom, mas que não tem essa experiência de tocar o Senhor, de abraçar o Senhor, de amar o Senhor ferido, aconselhe-o a ir embora para tomar umas belas férias de um, dois anos… e você fará bem a ele. “Mas, padre, nós somos poucos sacerdotes: precisamos deles…”. Por favor, que a ilusão da quantidade não nos engane e nos faça perder de vista a qualidade! Precisamos de sacerdotes que rezam. Mas que rezem Jesus Cristo, que desafiem Jesus Cristo para o seu povo, como Moisés, que tinha a audácia para desafiar Deus e salvar o povo que Deus queria destruir, com aquela coragem diante de Deus: também sacerdotes que tenham a coragem de sofrer, de levar a solidão e dar muito amor. Também para eles vale aquele discurso de Bernardo sobre as chagas do Senhor, não é? Entendido? Obrigado.
Gianni – Santo Padre, eu sou Gianni, venho da CVX de Aquila. Estamos empenhados há mais de 30 anos no voluntariado, no associacionismo e na política. Então, no nosso compromisso na vida social, gostaríamos que cada um – especialmente quem é mais jovem entre nós – compreenda que, para além do bem privado, muito frequentemente predominante, existe um interesse geral que pertence à comunidade inteira. Santo Padre, que discernimento pode vir a nós da espiritualidade inaciana para nos ajudar a manter viva a relação entre a fé em Jesus Cristo e a responsabilidade para agir sempre para a construção de uma sociedade mais justa e solidária? Obrigado.
Papa Francisco – Eu acho que essa pergunta que você fez seria muito mais bem respondida pelo padre Bartolomeo Sorge do que por mim – eu não sei se ele está aqui: não, não o vi… Ele foi um dos bons, não é? Ele é um jesuíta que abriu a estrada nesse campo da política. Mas ouvimos: “Nós devemos fundar um partido católico!”: essa não é a estrada. A Igreja é a comunidade dos cristãos que adora o Pai, que vai na estrada do Filho e recebe o dom do Espírito Santo. Não é um partido político. “Não, não digamos partido, mas um partido apenas de católicos”: não serve e não terá capacidades convocatórias, porque fará aquilo para o qual não foi chamado. “Mas um católico pode fazer política?” – “Deve!” – “Mas um católico pode se envolver na política?” – “Deve!”.
O Bem-Aventurado Paulo VI, se não me engano, disse que a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. “Mas, padre, fazer política não é fácil, porque neste mundo corrupto… e no fim você não pode seguir em frente…”: o que você quer me dizer? Que fazer política é um pouco martirial? Sim. Ah, sim: é uma espécie de martírio. É um martírio cotidiano: buscar o bem comum, sem deixar se corromper. Buscar o bem comum, pensando nas estradas mais úteis para isso, os meios mais úteis. Buscar o bem comum, trabalhando nas pequenas coisas, pequeninas, aos poucos… mas se faz. Fazer política é importante: a pequena política e a grande política.
Na Igreja, há tantos católicos que fizeram uma política não suja, boa; que também ajudaram na paz nos países. Pensem nos católicos aqui na Itália do pós-guerra – alguns: pensem em De Gasperi. Pensem na França: Schumann, que tem a causa de beatificação… É possível tornar-se santo fazendo política. E eu não quero nomear mais: valem dois exemplos, daqueles que querem seguir em frente no bem comum. Fazer política é martirial: realmente, um trabalho martirial, porque é preciso avançar todos os dias com esse ideal, todos os dias, com esse ideal de construir o bem comum. E também levar a cruz de tantos fracassos e também carregar a cruz de tantos pecados. Porque, no mundo, é difícil fazer o bem no meio da sociedade sem se sujar um pouco as mãos ou o coração: mas, por isso, vá pedir perdão, peça perdão e continue a fazê-lo. Mas que isso não desencoraje você. “Não, padre, eu não faço política, porque não quero pecar” – “Mas você não faz o bem! Vá em frente, peça ao Senhor que ajude você a não pecar, mas, se você sujar as mãos, peça perdão e continue em frente.” Mas fazer, fazer…
E justamente lutar por uma sociedade mais justa e solidária. Qual é a solução que hoje nos oferece este mundo globalizado para a política? Simples: no centro, o dinheiro. Não o homem e a mulher: não. O dinheiro. O deus dinheiro. Isso, no centro. Depois, todos ao serviço do deus dinheiro. Mas, para isso, aquilo que não serve ao deus dinheiro é descartado. E aquilo que nos oferece hoje o mundo globalizado é a cultura do descarte: aquilo que não serve se descarta. Descartam-se as crianças, porque não se fazem crianças ou porque se matam as crianças antes de nascer; descartam-se os idosos porque… os idosos não servem. Mas agora que falta o trabalho vão encontrar os avós para que a pensão nos ajude, não? Eles são necessários conjunturalmente, não? Mas se descartam, abandonam-se os idosos. E agora o trabalho deve diminuir, porque o deus dinheiro não pode fazer tudo, e descartam-se os jovens: aqui, na Itália, dos jovens com 25 anos ou menos – não quero errar, corrijam-me, hein! –, 40-41% estão sem trabalho. Descarta-se… Mas esse é o caminho da destruição. Eu, católico, olho da sacada? Não se pode olhar da sacada! Misturem-se ali! Dê o melhor: se o Senhor chama você para essa vocação, vá ali, faça política: fará você sofrer, talvez fará você pecar, mas o Senhor está contigo. Peça perdão e siga em frente. Mas não deixemos que essa cultura do descarte, descarte a todos nós! Ela também descarta a Criação, porque a Criação é destruída cada dia mais. Não se esqueçam daquilo que disse o Bem-Aventurado Paulo VI: a política é uma das formas mais altas da caridade. Não sei se respondi…