Há mais de duas décadas, homens e mulheres pautam as desigualdades sociais de nosso país de modo muito concreto, nas ruas, com o povo. São quase 25 anos em um processo de cidadania pedagógico que provoca-nos a reflexão sobre o significado da Independência de um país. Este é o processo do Grito dos Excluídos que entra em sua 25ª edição em 2019.
Por Karla Maria | Rede Jubileu Sul
Na semana da Pátria, os gritos se avolumam na garganta de gente simples que denúncia os diversos problemas a que os cidadãos brasileiros estão submetidos em detrimento de um sistema que coloca o mercado, o dinheiro em primeiro lugar e não respeita a vida. Não por acaso, o lema deste ano é “Este sistema não Vale! Lutamos por justiça, direitos e liberdade”.
O lema faz uma alusão direta à empresa Vale,mineradora multinacional brasileira e uma das maiores operadoras de logística do país responsável pelo rompimento da Barragem em Brumadinho que culminou em centenas de mortos e desaparecidos, além de severas consequências ainda não identificadas para o ecossistema do rio Paraopeba.
“Não podemos deixar de falar do crime cometido pela mineradora Vale em Brumadinho (MG), no último mês de janeiro. Foi uma tragédia anunciada. Não é possível dissociar este acontecido com o desastre de Mariana, cada um com suas terríveis proporções na vida dos mais pobres e consequências para o meio ambiente”, publicou a coordenação no Grito em seu jornal de número 70.
Michelle Regina Aparecida de Paula Rocha, 33 anos, sabe que essa dissociação é impossível. Moradora da Colônia Santa Isabel, cidade vizinha de Brumadinho, ela contou como tem sido a vida de atingida depois da tragédia durante o 21º Encontro Nacional de Articuladoras e Articuladores do Grito dos Excluídos, que aconteceu entre os dias 12 e 14 de abril, em São Paulo.
“A Vale insiste em falar que foram 300 (pessoas mortas), mas é mentira, tinha um casamento naquela pousada. Sou atingida pelo Rio Paraopebas. Aquilo foi um atentado associado ao 11 de setembro e esse atentado segue diariamente”, disse Michele, que lamenta a morte de uma prima, Sueli Marcos. Funcionária da Vale, Sueli tinha muitas restrições de mobilidade. Não conseguiu fugir da lama. “Ela deixou duas filhas de nove e 19 anos de idade. Imagine que foram encontrados pedaços dela. Como explicar isso pra uma criança? Tem família que perdeu oito pessoas”, denuncia Michele, também membro do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).
O Rio Paraopebas é também chamado de Rio de Lágrimas. Quem conta é Maria* outra atingida por barragens, mas neste caso de Mariana. “Fui ameaçada de morte duas vezes pela Vale. Fui ameaçada por militares. Tentaram me desmoralizar na frente da minha comunidade, mas sou legítima daqui, meus pés estão dentro da lama”.
Maria foi ameaçada por questionar a Vale e ser uma das que parou as linhas do trem, pelas quais escorre toda a produção de minério da região. “A empresa teve um prejuízo de R$ 5 milhões por hora, mas só a partir disso passaram a nos tratar como atingidos. Tiraram meu trabalho e minha dignidade. Sou mulher e pescadora e sustentava meus filhos com o Rio”.
O encontro nacional de articuladores contou com a assessoria de padre Alfredo J. Gonçalves. Para ele, a sociedade busca no conservadorismo uma resposta para a perda de referências que se intensificou com a velocidade das informações e com a relativização da verdade. Avaliou ainda que as expectativas da esquerda no Brasil que levaram Lula ao poder “eram muito maiores do que nossa capacidade de ir para a rua”.
Além de partilhar as denúncias locais, o encontro nacional de articuladores, também foi espaço de construção das atividades que antecedem o dia 7 de Setembro em si. “O Grito dos Excluídos acontece nas ruas do país, graças aos articuladores e animadores, eles que promovem esse processo, isso é militância. O Grito ainda consegue ser espaço de militância e ele faz repercutir os nossos gritos diários, avaliou Ari Alberti, coordenador do Grito Nacional.
Alberti está desde o início no processo do Grito e ele, como poucos, conhece bem a história dessa militância. Segundo a coordenação do Grito, a proposta da atividade surgiu em 1994, a partir do processo da 2ª Semana Social Brasileira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema era Brasil, alternativas e protagonistas, inspirada na Campanha da Fraternidade (CF) de 1995, e lema: A fraternidade e os excluídos.
Esta sintonia com o tema da campanha da igreja católica tem sido uma busca frequente, tendo em vista que a grande maioria de seus articuladores é membro de Pastorais Sociais. Este ano, o Grito ‘Lutamos por justiça, direitos e liberdade’ também se reflete no tema da CF: “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).