Comunidade: o local da resistência ao pensamento único

Uma oportunidade única

A convocação da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe é uma oportunidade única para os cristãos que vivem nesta região do Planeta.

Por: Alfredo dos Santos Junior e Yara Rita dos Santos[1]

Ao invés de, como tradicionalmente tem ocorrido, convocar uma Conferência para Bispos e Teólogos, o Papa Francisco abre um canal de escuta para todo o Povo de Deus, no melhor espírito da sinodalidade, o “caminhar juntos”. O Papa deixou clara esta intenção quando disse em sua mensagem de 24 de Janeiro de 2021: “Quero estar convosco neste momento… é a primeira vez que isto se faz. Acompanho-vos com as minhas orações e bons votos, avançai com coragem! ”

De fato, vontade e coragem, são dois elementos essenciais nesta caminhada: vontade para atender de forma sincera à convocação do Papa e coragem para empreender uma reflexão – pessoal e coletiva – sobre temas, ao mesmo tempo, importantes e desafiadores que marcam a vida de todos no mundo, nos dias de hoje.

Neste sentido, nos é proposto que a reflexão a ser realizada tenha como guia um conjunto de vinte temas – dez de caráter mais geral que tratam da realidade sociocultural e dez mais voltados à realidade da igreja católica – que marcam a vida de todos e se constituem em verdadeiros desafios para mulheres e homens de boa vontade.

Neste artigo, queremos refletir de forma especial, sobre um destes temas apresentado no “Documento para o Caminho” como: “Um modelo econômico e social que se volta contra os seres humanos”.

Muito mais que um modelo econômico

Estamos habituados a pensar no modelo econômico hoje predominante, conhecido como capitalismo neoliberal, exatamente desta forma: um modelo econômico, mas na verdade ele vai muito além: ele se tornou um modo de viver.

O neoliberalismo invadiu todos os setores da vida ao colocar o mercado, esta entidade difusa, como o grande organizador da vida em todas as suas dimensões e, ao eleger a competição como o grande valor que deve orientar a nossa convivência. Este modo de ser está presente em todos os setores: na política, na cultura, na educação, influenciando diretamente a maneira como enxergamos os outros, como nos relacionamos com eles, como compreendemos a realidade do nosso entorno.

Ele contaminou o Estado, fazendo com que os agentes públicos deixem de agir em conjunto para também competirem por recursos. Os países competem em um mundo cada vez mais sem fronteiras, procurando aumentar sua fatia de ganhos no mercado global. Nem mesmo as organizações da sociedade civil – as OSCs – são poupadas. Necessitando buscar recursos para sobreviver e continuar a desenvolver suas atividades, incorporam o “espírito empresarial” e passam a se comportar também como concorrentes, fechando-se em si mesmas e esquecendo que as grandes forças da sociedade civil são o agir conjunto, a integração, a cooperação e que trabalhando isoladas perdem grande parte de sua força em influenciar os destinos do país.

A adoção da concorrência como regra maior de convivência age como destruidora de qualquer solidariedade, provocando uma fragmentação social que leva ao egoísmo que tem nos tornado cada vez mais indiferentes ao sofrimento humano, ao descarte dos vulneráveis e à aceitação das desigualdades que só fazem se acentuar.

Somos levados a crer que este estado de coisas é inevitável, que é o resultado natural de um processo histórico ou, para aqueles que creem, “da vontade de Deus”.

Mas, não é assim. O que aí está, foi construído por mãos humanas e tudo que é assim construído pode ser desfeito.

O pensamento único

A grande força que este modelo utiliza é o que podemos chamar de pensamento único. Este se caracteriza, em primeiro lugar, por buscar convencer, como acima dissemos, que a forma como as coisas estão organizadas é a única possível, que vivemos no melhor dos mundos, que estamos no caminho do progresso e que a ciência e a tecnologia, ao seu tempo, darão as respostas adequadas a todos os nossos problemas.

Para manter esta crença – e sobretudo fazer com que a roda da economia continue girando a todo vapor – é preciso convencer a todos a pensar igual, querer igual, desejar ter e consumir, aceitando que este é o único caminho para a felicidade.

O pensamento único destrói a capacidade de crítica, de ver além das aparências e de acreditar que um mundo diferente é, sim, possível.

A comunidade como local de resistência

Se este pensamento único, que busca se impor a tudo e a todos tem tanto poder, como é possível resistir a ele?

Resposta: fortalecendo a comunidade.

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É na comunidade que vivemos e agimos. Nossa primeira comunidade é a família, em que recebemos as primeiras manifestações de amor, apoio e aceitação e começamos a compreender o que são valores e a sua importância.

Depois temos a comunidade à qual pertence nosso grupo familiar, onde ampliamos o nosso círculo de relacionamento, descobrimos a força da diversidade, o sentido da amizade e passamos a cultivar a solidariedade.

Depois destes dois círculos, passamos a viver em outras comunidades, igrejas, associações e movimentos. Estes são diferentes, pois, ao contrário da família e do seu entorno, aos quais pertencemos de forma natural, a estes novos grupos passamos a pertencer por adesão: escolhemos nos juntar a eles, participar de suas atividades, conviver com outros que optaram por, também, fazer parte deles. Ou seja, aderimos porque acreditamos nos valores que orientam a vida de tais comunidades e sustentam suas atividades, o seu agir.

Local de aceitação e valorização da diversidade, de construção da amizade e da prática da solidariedade, da cooperação ao invés da competição e da concorrência, a comunidade é a resposta mais eficaz ao perigo do pensamento único, o local onde este pensamento experimenta a maior dificuldade em penetrar e lançar raízes.

Mas, podemos perguntar: será esta força comunitária capaz de fazer frente a um processo de escala global, patrocinado por quem detém o poder econômico, que coopta o poder político, que coloniza a cultura e a educação? É possível fazer frente a tal poder?

Sim, é possível, mas para tanto será preciso que utilizemos as maiores forças da sociedade civil: o seu poder de articulação, de mobilização e de agir conjuntamente.

As comunidades nascem locais e agem localmente, mas, podem, pela articulação e trabalho em rede, formar círculos maiores: nas cidades, nos Estados, nas regiões e, se quisermos e formos firmes, em escala planetária. Afinal como nos ensina a “Laudato Si”, tudo está interligado e nós fazemos parte de uma única família, a humanidade, e habitamos a mesma casa comum.

Os mesmos recursos planetários de comunicação que são usados para nos convencer da necessidade do modelo atual neoliberal de vida podem ser utilizados para mostrar que não, que existe, sim, a possibilidade de construirmos uma realidade mais justa, menos desigual, que valorize a diversidade, que coloque a solidariedade e cooperação no lugar da competição e no uso irracional dos recursos de nosso planeta.

Para tanto, vamos ter que abandonar visões mais simplistas e agir de forma pensada e estratégica. Pode dar mais trabalho, levar mais tempo, exigir mais paciência, esforço e perseverança, mas é uma aventura que vale a pena!

[1] Alfredo dos Santos Junior é formado em Administração, com especialização em Recursos Humanos e Mestrado em Filosofia. Yara Rita dos Santos é formada em Psicologia, com Pós Graduação em Gestão de Recursos Humanos e Mestrado em Filosofia. Ambos integram o Grupo de Coordenação da Escola de Fé e Política Waldemar Rossi.

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