De esperança em esperança, meu olhar sobre o segundo dia da Assembleia Eclesial

Hoje, o dia de reflexão na Assembleia Eclesial foi forte e positivo, provocativo, em algumas partes. No dia de ontem, olhamos para as esperanças e dores do continente, uma realidade já sofrida, mas que agora se percebe mais castigada pelas consequências da pandemia e pelos retrocessos sociais e políticos que enfrentamos, o que faz aumentar as diferenças e desigualdades.

Por: Cesar Kuzma

Hoje, porém, fomos interpelados a olhar a nossa prática pastoral e o nosso compromisso social e comunitário, o nosso modo de ser Igreja e de ver como que estas urgências nos chamam a uma postura diferente. Um convite do Espírito que nos exige respostas e atitude de prontidão. Começamos com a palestra do amigo Agenor Brighenti, da PUCPR, que falou da nova proposta pensada por Francisco, com destaque aos quatro sonhos apresentados na Encíclica Querida Amazônia. Esta palestra nos mobilizou nos grupos de reflexão, onde pessoas de várias partes e de vários países, de diferentes vocações e ministérios se unem, escutam e falam de suas propostas. Foram três horas de discussão que nos fizeram elencar (em cada grupo) cinco desafios mais urgentes. No meu grupo, elencamos:

1) promover e acompanhar a realidade dos jovens (e aqui com várias descrições e horizontes que tocam as juventudes);

2) reconhecer, favorecer e promover a importância de leigos e leigas no todo da Igreja, com grande destaque a questão da mulher. E aqui não se trata de insistir na luta entre clero e leigos, já que esta luta sustenta o clericalismo. Isso deve ser superado e os leigos devem avançar para uma nova forma de ser e atuar;

3) aprofundar uma verdadeira interrogação sobre as estruturas eclesiais, que são altamente clericalizadas e num processo distante do caminho de sinodalidade. Não se coloca vinho novo em odres velhos, dissemos no grupo. A proposta de Francisco é nova e as estruturas que temos não respondem a este novo modelo, devem ser transformadas em um profundo processo de conversão pastoral.

4) Transformar desde as bases, desde baixo, com atenção para as grandes urgências políticas e sociais que reclamam um olhar atento e necessário, e aqui elencamos várias urgências…;

5) Criar experiências de sinodalidade, com liberdade para novos espaços e nova articulação. Cada um destes pontos foi elencado deste o documento de discernimento, que recolheu escutas de todo o continente. Eles foram debatidos e aprofundados em um texto entregue à secretaria da Assembleia. É evidente que nem todas as vozes fazem eco para o mesmo lado, mas há uma intenção de convergência para as grandes pautas. O caminho sinodal não é um caminho de iguais, mas é antes a disposição e a abertura para caminhar com o outro/outra. Na diversidade se faz a unidade, numa Igreja poliédrica, como insiste Francisco e já foi apontado na Assembleia.

Contudo, gostaria de destacar a parte da noite desta terça-feira, dia 23/11. Primeiramente, os testemunhos e aqui aponto o vigor missionário de D. Esmeraldo Barreto de Farias, um grande amigo, bispo brasileiro, firme nas lutas de comunidades carentes. Atualmente, ele é bispo de Araçuaí (MG). Mas o ponto que a mim mais me emocionou e empolgou, devo dizer, foram 3 falas que ocorreram na sequência: da Irmã María Suyapa, de Honduras; do Pe. Venanzio Mwangi, keniano e missionário na Colômbia; e da Irmã Laura Vicuña, do Brasil.

A fala da Ir. María Suyapa trouxe toda uma questão histórica e cultural da presença africana nas nossas américas e de uma história e cultura à qual somos devedores. Falou da sabedoria dos ancestrais, uma sabedoria ignorada na cultura ocidental e, muitas vezes, ignorada e desprezada no caminhar da própria Igreja. Ela falou dos povos indígenas originários e da riqueza de uma cultura que foi explorada e roubada e que não é possível ser Igreja ignorando esta realidade vivida e sofrida. A Irmã María Suyapa é uma defensora da causa das mulheres e acusa a exclusão das mulheres negras na Igreja. Ela defende a força da pastoral afro e acusa o desafio de ser uma igreja que respeite as culturas e etnias, e que inclua o diferente.

Depois da sua fala, tivemos a apresentação do Pe. Vinanzio Mwangi. Queniano, missionário consolata na Colômbia, é outro defensor da causa negra e de sua pastoral. Em sua fala, ele valorizou a causa indígena, mas insistiu que também os negros devem ser incluídos na história de nossos povos. Foi uma fala forte, de impacto, porque se percebe na sua fala uma vivência, uma espiritualidade encarnada, uma realidade assumida e sentida no horizonte da fé. Ele falou da difícil realidade do povo negro na América Latina e no Caribe e destacou a sua invisibilidade na pastoral, como não são considerados, e como também a realidade social, que tem um traço histórico, também não é tratada. E aí ele citou o Brasil, numa fala que achei bem colocada e forte. Ele disse: O Brasil foi um dos países que mais “arrastou” os negros africanos para o seu país, escravizou e explorou. Hoje, disse ele, só no Brasil temos mais 50% da população negra, não visibilizada na pastoral e invisibilizada na sociedade. E ele insiste: esta realidade deveria nos questionar no fazer teológico e no fazer pastoral. Como ser Igreja a partir desta realidade?

E por fim, tivemos a fala da Irmã Laura Vicuña, que trabalha na região de Rondônia e é inserida na pastoral indígena. Irmã Laura é uma voz profética em defesa dos povos originários da Amazônia e faz frente aos projetos de morte que ocupam a região. Ela disse que os povos indígenas são sementes teimosas, que insistem na vida e na defesa de sua ancestralidade, de sua territorialidade e de sua cultura. Ela trouxe testemunhos de mulheres indígenas e ressaltou o importante trabalho social que é desenvolvido.

Estas 3 últimas falas geraram dezenas de comentários nos diversos grupos envolvidos com a Assembleia, ao mesmo tempo que devem ter trazido incômodos, de outro lado. Mas faz parte do processo. No dizer da Irmã Laura, as sementes são incômodas, e, mesmo pequenas, insistem em nascer e produzem vida. As realidades concretas devem interpelar a nossa posição de fé, a teologia, portanto, e a prática pastoral, devem seguir por aí. São tocadas. Da mesma forma a força histórica de nossos povos, de nossa cultura, de nosso povo sofrido e explorado, mas que, ainda assim, transborda em canto e esperança.

Os desafios são muitos, o processo se faz caminhando, um dia de cada vez, de esperança em esperança.

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