Declaração Universal sobre bioética e Direitos Humanos – Parte 2

No Brasil o termo Bioética começou a ser utilizado na década de 90 e ganhou grande importância graças a intensa participação e apoio de brasileiros na elaboração da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO.

Por: Sueli Aparecida Bellato

Apesar da Bioética ter tido sua abordagem no Brasil tardiamente, ou seja, somente na década de 90, de lá para cá teve um avanço extraordinário no país. Em 2005, o Poder Executivo enviou um projeto de lei (Lei nº 6.032/05) com a finalidade de criar o Conselho Nacional da Bioética. No mesmo ano, a UNESCO promoveu diversas discussões a fim de formular a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, no qual o Brasil teve ativa participação na elaboração e aprovação da referida Declaração, que se comprometeu a implantá-la efetivamente em seu território.

Ao professor Volnei Garrafa, professor da UNB e membro da UNESCO, é devido o reconhecimento pela significativa liderança na construção da referida Declaração que teve o texto original restritivo defendido pelos representantes dos países ricos e posteriormente ampliado para incorporar os campos sanitário, social e ambiental, conforme as postulações dos representantes dos países em desenvolvimento. 

É o próprio professor Volnei Garrafa, em apresentação da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, a afirmação que o texto aprovado por unanimidade pelos 191 países participantes da 33ª. Sessão da Conferencia Geral da UNESCO . em 19 de outubro de 2005,  deveu-se ao apoio inestimável de todas as demais delegações latinoamericanas presentes, secundadas pelos países africanos e pela Índia, sendo o teor final da Declaração considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento.

Desde seu preâmbulo, a DUBDH valoriza a liberdade da ciência e da pesquisa e o bemestar de indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e da humanidade como um todo. O texto se fundamenta na observância da dignidade humana, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Nele, há forte apelo à proteção dos mais vulneráveis e ao respeito à autonomia dos indivíduos.

É notório no texto da Declaração a ampliação da extensão dos preconizados quatro pilares da Bioética, o da Autonomia, da Beneficência, da Não-Maleficência e o da Justiça,  para o reconhecimento da necessidade de observância da dignidade humana, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.. 

A exemplo de Norberto Bobbio que reclama a efetividade dos direitos humanos (2004, p.23) destacando a necessidade de proteção em lugar de apenas justifica-los,  também a Declaração Bioética requer para sua efetividade maior divulgação para que uma vez conhecida logre ser efetivada. 

Em entrevista a IHU on line, a pesquisadora Anna Quintanas  afirmou que, ao nascer da preocupação de cuidar da vida, a qual “é percebida como ameaçada não apenas pelas novas tecnologias, mas também pelo aumento da população mundial e dos efeitos da produção industrial sobre a vida humana e a do ecossistema, (…) não se pode tratar dos problemas éticos produzidos em torno do ‘bios’ sem ter presente o marco (bio)político em que estes se dão, um marco que é presidido pela ideia da produtividade em todos os níveis”

A bioética integra aquele campo que Bobbio denominou de a quarta geração dos direitos humanos fundamentais: tais direitos surgem da evolução tecnológica da humanidade. 

O progresso da ciência trouxe ao ser humano inúmeros benefícios, no entanto, trouxe também intervenções que podem afetar significativamente a espécie humana como um todo. Desta forma, é necessária uma análise crítica que leve em consideração os riscos e as possibilidades desses avanços para os direitos fundamentais. Dentro desse contexto é necessário que o direito atue de forma autônoma e democrática.

Daí a importância da Bioética como garantia aos direitos humanos, tendo em vista que, a Bioética traz ao ser humano a compreensão de como somos e como o mundo vive, além de auxiliar o Direito a resolver várias questões atinentes aos avanços tecnológicos. Com a crescente importância da Bioética na vida e no Direito, o Brasil percebeu que não poderia ficar estagnado no tempo e não aderir ao tema. Desta forma, apesar da Bioética ter tido sua abordagem no Brasil tardiamente, ou seja, somente na década de 90, de lá para cá teve um avanço extraordinário no país.

Em 2005, o Poder Executivo enviou um projeto de lei (Lei nº 6.032/05) com a finalidade de criar o Conselho Nacional da Bioética. No mesmo ano, a UNESCO promoveu diversas discussões a fim de formular a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, no qual o Brasil teve ativa participação na elaboração e aprovação da referida Declaração, que se comprometeu a implantá-la efetivamente em seu território. Segundo Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf “as nações desenvolvidas defendiam um documento que restringisse a Bioética aos tópicos biomédico e biotecnológicos.

O Brasil teve papel decisivo na ampliação do texto para os campos sanitário, social e ambiental. …. A homologação da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos foi verdadeiramente um divisor de águas no campo da Bioética. Nesse sentido Volnei Garrafa considera que “O teor da Declaração muda profundamente a agenda da Bioética do século XXI, democratizandoa e tornando-a mais aplicada e comprometida com as populações vulneráveis, as mais necessitadas.

O Brasil e a América Latina mostraram ao mundo uma participação acadêmica, atualizada e ao mesmo tempo militante nos temas da Bioética, com resultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração, mais um instrumento à disposição da democracia no sentido do aperfeiçoamento da cidadania e dos direitos humanos universais. Pelo fato do Brasil ter sido bem atuante na elaboração do referido documento, coube a ele divulgar, aprofundar, discutir e implantar este documento dentre seus poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A participação direta ou indireta do Brasil, desde as intensas e polêmicas discussões até a fase de construção e homologação da Declaração em 19 de outubro de 2005, demonstram que o Brasil cumpriu bem seu papel inclusive na divulgação do referido documento.

Desta forma, ainda que a Bioética tenha sido implantada no Brasil tardiamente (década de 90), isto é, surgiu formalmente com a criação da revista Bioética do Conselho Federal de Medicina (1993), seu desenvolvimento dentro do nosso território foi surpreendentemente rápido, tendo em vista numerosas publicações científicas e variada programação de atividades apresentadas nos congressos periódicos, o que demonstra que o Brasil tem dado justa importância ao tema, tão crescente nos dias atuais.

Os Direitos Humanos, o Biodireito e a Bioética possuem o condão de evitar que, direitos do ser humano sejam violados em nome da ciência. Assim, para Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf “é fundamental o estabelecimento de limites éticos e operacionais bem definidos para que as pesquisas científicas possam progredir sem danificar o meio ambiente, sem ultrapassar as barreiras da dignidade, sem comprometer o futuro das espécies, suplantando assim os interesses individuais em prol dos interesses da coletividade, evitando desta forma uma nova maneira de sujeição do homem pelo homem. 

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco, no texto em português, apresenta os seguintes elementos semióticos:  1º – Âmbito Norma Estados nacionais Orientação normativa –  2º – Objetivos Norma Estados nacionais Orientação normativa –  3º – Dignidade humana e direitos humanos Norma Agentes bioéticos Bem-estar do indivíduo e interesse da ciência –  4º – Efeitos benéficos e efeitos nocivos Norma Agentes bioéticos Efeitos dos avanços científicos – continua… 5º – Autonomia e responsabilidade individual Comunidade mundial Comunidade mundial – Conceituação de autonomia 

6º – Consentimento Norma Agentes bioéticos Tratamentos clínicos e pesquisas 7º – Pessoas incapazes de exprimir seu consentimento Norma Agentes bioéticos Incapacidade de exprimir consentimento 8º – Respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal Norma Agentes bioéticos Respeito à integridade e vulnerabilidade humana –  9ª Vida privada e confidencialidade Norma Agentes bioéticos Confidencialidade  10 – Igualdade, justiça e equidade Comunidade mundial Comunidade mundial – Conceituação de igualdade, justiça e equidade  11 – Não discriminação e não estigmatização Comunidade mundial Comunidade mundial – Conceituação de não estigmatização e não discriminação 

12 – Respeito pela diversidade cultural e pelo pluralismo Comunidade mundial Comunidade mundial – Conceituação de diversidade e pluralismo  13 – Solidariedade e cooperação Norma Estado nacional Estímulo à cooperação internacional –  14 – Responsabilidade social e saúde Norma Agentes bioéticos Responsabilidade social – 15 – Partilha dos benefícios Norma Agentes bioéticos Compartilhamento de benefícios resultantes de pesquisas científicas –  16 – Proteção das gerações futuras Norma Agentes bioéticos Repercussões genéticas –  17 – Proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade Comunidade mundial Comunidade mundial – Conceituação de proteção à biodiversidade 

18 – Tomada de decisões e tratamento das questões bioéticas Norma Agentes bioéticos Tratamento de questões bioéticas –  19 – Comitês de ética Norma Agentes bioéticos Manutenção de comitês de ética  20 – Avaliação e gestão dos riscos Norma Agentes bioéticos Promoção da gestão de risco –  21 – Práticas transnacionais Norma Agentes bioéticos Promoção de práticas transnacionais –  22 – Papel dos Estados Norma Estados nacionais Aplicabilidade normativa –  23 – Educação, formação e informação em matéria de bioética Norma Estados nacionais Divulgação e fomento normativo – 

24 – Cooperação internacional Norma Estados nacionais Integração da comunidade bioética –  25 – Atividades de acompanhamento da Unesco Norma Estados nacionais Participação da Unesco –  26 – Interdependência e complementaridade entre os princípios Norma Estados nacionais Orientação interpretativa –  27 – Limites à aplicação dos princípios Norma Estados nacionais Aplicação normativa –  28 – Exclusão de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana Norma Estados nacionais Restrição normativa 1 

Assim, em certo sentido, a Declaração Bioética e Direitos Humanos antecipa a afirmação da Encíclica Laudato Si que “tudo na Criação está interligado e que todos somos responsáveis pela Casa Comum e por seus moradores. Os Tratados e Acordos.  A despeito do Brasil ser signatário da Declaração Bioética as ações governamentais que temos assistido durante a pandemia da covid,  como adoção de medicamentos sem comprovação cientifica,  por ex..  afronta a obrigação do Brasil aos artigos 1, 3, 4, 6, alínea a , 14, alíneas a e b 16, 20, 22, alínea a, da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. 

A democracia é condição para efetivação de todos os direitos, especialmente os direitos humanos.  

Sueli Aparecida Bellato, religiosa da Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho  Mestra pelo Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos/UNB   

1 www.Van Rens Selaer Botterscielo.br/j/bioet/a/NbnPCrvcfGKfrCCk37gKrFF/?format=pdf&lang=pt#:~:text=A%20Declar ação%20Universal%20sobre%20Bioéfica,e%20enfatizar%20a%20justiça%20soc

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