Pensei em mil formas de iniciar essa reflexão, e todas elas me remetem para a Palavra e para o tema do Amor. João, em seu Evangelho nos diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus…” Sim, a Palavra que corta, rasga, remenda e restaura. O amor que cura, movimenta, alimenta e dinamiza.
Por: Renata de Souza Silva
A expressão “Descer os pobres da cruz” nos lembra que antes, Cristo foi elevado a ela por meio de sua paixão, de sua entrega. Em total despojamento, Ele oferece um projeto de salvação que envolve a todos, desprovido de exclusividades, de privilégios, de fundamentalismos, num abraçar das dores alheias, de todas as humanidades, de nossas fragilidades. Jesus, ao ser erguido na cruz faz a experiência da escuridão coletiva que abarca todas as dores, na qual vivem todos os pobres: os que tem fome de pão, os que tem fome de conhecimento, os injustiçados, os miseráveis, os migrantes, os analfabetos, os drogados, os marginalizados, os que não tem terra, os que não possuem teto, os enfermos, os que tem o rosto transfigurado e distante dos padrões impostos pelos contextos históricos que caracterizam cada época.
Descer os pobres da cruz, antes de mais nada é uma atitude imperativa, de urgência, um convite que prioriza a vida, que nos coloca a caminho para o encontro com o outro, o diferente, o renegado, o esfomeado, o despossuído, o diverso. Descer no sentido adverso da palavra, descer para elevar-se na mesma medida da Paixão de Deus por nós, no estado em que nos encontramos.
Essa descida que também é elevar-se é feita em espírito de comunidade, de Missão, é Eclesia que desce para se colocar a caminho em coletividade, que se revela em serviço e exala o cheiro de todas as gentes, que se faz romeira porque não se apequena no imobilismo dos bancos aquecidos dos templos, mas caminha a partir de um Jesus histórico que andou no meio de nós e nos deixou um caminho a ser trilhado. Nesse caminho, o único olhar vertical possível é para Deus, todos os outros olhares são de horizontalidade e nos levam de encontro a toda humanidade, um caminhar que fala e constrói relações de paz, de compreensão, de diálogo e sensibilidade para com os pobres e para a preservação dessa riqueza fantástica que é a criação e a vida de tudo e todos que estão ameaçados. Nesse “descer os pobres da cruz” quem fala sozinho, é facilmente calado. Quem caminha em missão, compreende as duas questões determinantes para o mundo em que vivemos, a inclusão dos pobres e a possibilidade de construir diálogos.
No sermão da Montanha, Jesus nos ensina “Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o reino dos céus. Bem-aventurados vós que tendes fome, porque serão saciados.” O Papa Francisco nos lembra e convida a vivermos o Evangelho da Misericórdia que nos coloca como desafio fundamental a necessidade de escutar o clamor dos pobres, por os pobres no centro de nosso caminho, cooperando com as forças orgânicas da sociedade para enfrentarmos os problemas e as causas estruturais da pobreza. Tirar os pobres da cruz, exige de cada um de nós atitudes de solidariedade maduras nos gestos cotidianos que vão ao encontro de todos os necessitados em suas variadas naturezas.
Retirar os pobres da cruz, é também exercermos a nossa missão profética, no sentido de que se faz necessário questionar todos os sistemas que ameaçam a dignidade da pessoa humana e atuarmos tendo como critério fundamental a promoção da vida em todos os seus aspectos, em todos os espaços, garantindo a legitimidade nas ações de todos os homens e mulheres que comprometidos em garantir visibilidade para os diferentes corpos se constituem como sujeitos.
A missão de descer os pobres da cruz exige a capacidade de retirar de cada um de nós o que nos apequena, o que nos diminui, o que nos engessa e paralisa e nos colocarmos em movimento, tornando-nos capazes de sonhar, de arriscar criativamente novos caminhos para uma Igreja que se pretende serva, destruindo o que é arcaico e abrindo veredas para o novo.
Antes de descer os pobres da cruz, é preciso se deixar enamorar, apaixonar-se pela missão, e compartilhar da mesma paixão de Jesus. Parafraseando o grande poeta chileno, Pablo Neruda, é preciso ouvir o apelo seguinte “Na minha Pátria tem um monte, na minha Pátria tem um rio. Vem comigo…E quem são os que sofrem? Não sei, porém me chamam e nem dizem “sofremos”, Teu povo abandonado entre o monte e o rio, com dores e com fome, não quer lutar sozinho, te está esperando, amigo…A luta será dura, a vida será dura, mas tu virás comigo”