“A Amazônia tem sofrido muitos revezes nos desmatamento de suas florestas nos últimos anos”. A afirmação é da ecóloga Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil).
Ela participou do lançamento, na última segunda-feira, 27 de julho, do lançamento da campanha “Amazoniza-te” e também foi perita convidada do Sínodo de 2019, convocado pelo Papa Francisco, que tratou especialmente da atuação da Igreja no bioma. Sobre o tema, o Papa Francisco lançou a exortação “Querida Amazônia” na qual apresentou os seus quatro sonhos (social, cultural, ecológico e eclesial) para a região.
A pesquisadora falou com o portal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre os outros dois eixos em torno dos quais vão se articular as ações da campanha: a aceleração da destruição do Bioma pelo aumento descontrolado do desmatamento, das queimadas, a invasão de territórios indígenas e das Comunidades Tradicionais e a violação sistemática da legislação de proteção ambiental e desmonte dos órgãos públicos, com atuação intencional do governo para desregulamentar e ampliar – de forma ilegal – a atuação das mineradoras, agronegócio, madeireiras e pecuaristas na região.
Segundo ela, esse desmatamento é feito em extensos trechos de floresta por meio do corte raso, seguido da queima. “O objetivo é transformar a floresta em pasto para a criação de gado ou em monoculturas de alto valor de mercado. Nós já temos na Amazônia cerca de 20% de área desmatada, o que corresponde a 803 mil quilômetros quadrados”, alertou.
Com a atual crise socioambiental pela qual passa a região Amazônica, que articula um conjunto de práticas predatórias baseadas na ideia de que os recursos são inesgotáveis e de que o mato não tem valor, a pesquisadora do museu paraense disse que os cientistas estão apontando para o que chamam de uma situação de “não retorno” com um desmatamento que avança para quase 25% da floresta. A partir daí, segundo os pesquisadores, pode haver um processo de savanização e empobrecimento da biodiversidade que jamais poderá ser recuperado.
Arco do desmatamento
O desmatamento na Amazônia é concentrado numa faixa já conhecida como “Arco do Desmatamento” que vai do leste do Pará até o Acre passando por Mato Grosso e por Rondônia, conforme imagem do mapa ao lado, informou. “O desmatamento da Amazônia vem sendo feito de forma gradual. Até a década de 1970, o desmatamento da floresta era inferior a 1% do total de área verde. Com a política de ocupação do bioma a partir dos anos 70 e 80 esse quadro se agravou. Até meados dos anos 2000, por exemplo, o desmatamento já estava elevado. O ano de 2004 registra uma alta taxa de desmatamento de 27 mil quilômetros quadros”, informou.
A pesquisadora disse que com uma política de comando e controle esse índice diminuiu e alcançou, em 2012, 471 mil quilômetros quadrados. A partir de 2013, segundo a pesquisadora, registra-se uma tendência de alta desmatamento. O ano de 2019, com 10.129 mil quilômetros quadrados, concentra a maior taxa de desmatamento da década na Amazônia, e atinge 20% do bioma. “Este ano, segundo o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), já contabilizou 8.508 quilômetros quadrados, associados aos alertas de desmatamentos feitos entre janeiro e junho passado”, esclareceu.
Segundo ela, isto já está preocupando e já há a previsão de que a intensificação do desmatamento, observado este ano, deve resultar diretamente em mais eventos de queimadas na Amazônia 2020. “A geografia do desmatamento é muito diversificada e diversa, abrangendo várias regiões do bioma, especialmente o Arco do Desmatamento. Podemos falar em 59 municípios que integram este arco onde ocorrem as maiores taxas e também a maior concentração de conflitos de campo. A Comissão Pastoral da Terra, conforme seus levantamentos dos conflitos no campo em torno da terra e da água sistematizados e publicados anualmente, demonstra que metade dos conflitos na região ocorreram nestes municípios”, disse.
Desmonte de políticas ambientais e de proteção de povos tradicionais
Em 2019, o maior número de conflitos e violência contra os trabalhadores do campo, conforme dados da CPT, concentra-se na Amazônia Legal. 84% dos assassinatos ocorreram nestes 59 municípios. Os conflitos impactam grupos indígenas, quilombolas, assentados, ribeirinhos, sem terra, agricultores familiares. A CPT vem atribuindo o avanço da violência no campo em parte por conta do discurso do Governo Federal contra os quilombolas, os indígenas e comunidades tradicionais, assim como ações governamentais que levam à fragilização dos órgãos que são responsáveis pela garantia e proteção dos direitos destes povos.
A ecóloga aponta que verifica-se uma ação sistemática de desestruturação das políticas de proteção ambiental, fragilizando a atuação do Estado na proteção ao meio ambiente. “Os efeitos desta fragilização são imediatos e claramente percebidos no aumento do desmatamento, no avanço de atividades econômicas ilegais sobre as áreas de floresta na Amazônia, incluindo as terras indígenas e unidades de conservação, protegidas pela Constituição Federal de 1988. Esta desregulamentação de medidas proibitivas e o desmonte da fiscalização tem sito permanente”, disse.
Futuro da Amazônia: urgências e medidas imediatas
A assessora da Repam-Brasil defende que para um cenário de sustentabilidade é preciso um forte sistema de Governança Territorial e Social com bases institucionais sólidas. “Então, de imediato é urgente cobrar o fortalecimento dos órgãos responsáveis pela gestão ambiental e pela proteção e garantia dos direitos dos povos tradicionais que sofrem com muitas ameaças”, apontou.
Ela defende que é necessário pensar sobre o futuro do Amazônia, se há um futuro possível, que seja sustentável? “Se a gente se atentar para os novos projetos, um conjunto de obras de infraestrutura planejados para a Amazônia, como portos, rodovias e hidrelétricas, a gente percebe que o padrão de desenvolvimento que está sendo adotado é tão predatório quanto o implementado na década de 1970”, disse.
A pesquisadora aponta que as obras de infraestrutura previstas entram em conflito com as unidades de conservação em terras indígenas. Segundo ela, 61% do total das unidades de conservação registram incidência de processos minerários, 57% delas têm trechos rodoviários dentro de seus limites e também há usinas hidrelétricas sendo planejadas ou em construção que entram em conflito com esses povos e as unidades de conservação.
Como urgências para conter os revezes que a legislação ambiental vem sofrendo, a pesquisadora aponta que é necessário o fortalecimento dos órgãos responsáveis pela gestão ambiental e proteção e garantia dos direitos dos povos indígenas e tradicionais. Ela também defendeu ser importante um fortalecimento da ciência na Amazônia com aumento efetivo de recursos humanos e orçamentários e de infraestrutura laboratorial. São urgentes também, segundo Ima, a demarcação das terras indígenas e territórios quilombolas pendentes de regulação, a proteção de todos os povos e comunidades indígenas contra a exploração e apropriação ilegal de suas terras, o monitoramento e o controle efetivo das expansão de cultivos em detrimento da derrubada de floresta e da exploração ilegal de madeira.
Saiba mais sobre a campanha “Amazoniza-te” organizada pela CNBB e um conjunto de organizações no hot site: www.amazonizate.org