Gramática e sintaxe do ministério eclesial. Spiritus Domini como “mudança de paradigma”

A pequena variação textual proposta pelo motu proprio Spiritus Domini, do Papa Francisco, é uma mudança de paradigma. A mulher entra oficialmente, com todos os crismas, no espaço público da autoridade eclesial.

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 13-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

A tarefa da teologia – como diz uma longa tradição e como foi recentemente sintetizado pelo Papa Francisco no famoso discurso ao Colégio dos Escritores da revista La Civiltà Cattolica (disponível aqui) – é um serviço eclesial que se alimenta de três “I’s”: inquietaçãoincompletude e imaginação.

Obviamente, o magistério da cátedra pastoral se alimenta, de modos diferenciados, do trabalho teológico. Ele o assume, o estuda, o tolera e às vezes o contraste. Por sua vez, o magistério da cátedra teológica, que elabora a tradição no sentido mais completo e mais livre, encontra-se interagindo com o magistério episcopal e papal de forma ora mais pacata, ora mais conflituosa.

No entanto, permanece a grande diferença entre a “imediata eficácia” do magistério episcopal e a “eficácia mediada” do magistério teológico. Nesse sentido, continuar no caminho aberto pelas proposições do magistério é uma parte do trabalho que a teologia faz “por ofício”. Não tem caráter eventual, mas sim necessário.

Neste caso, gostaria de me deter na releitura de dois textos, que nos dias 10 e 11 de janeiro de 2021 – há menos de um mês – o Papa Francisco assinou sobre o tema dos “ministérios instituídos” e que representam, para a teologia católica do ministério eclesial, uma passagem que não é um exagero definir como uma “virada”. Estamos diante de uma “mudança de paradigma”, sobre cujos efeitos temos dificuldade em exercitar a adequada imaginação.

Como sempre, até mesmo de Cristóvão Colombo se poderia dizer: foi um erro, ele queria ir para a Índia e fracassou. Também sobre esses dois textos recentes pôde-se ler: nada de novo, limitamo-nos a registrar aquilo que se faz há 50 anos, estamos sempre atrasados, uma coisa ridícula…

Na realidade, nesses dois textos, encontramos, pela primeira vez expressado de modo oficial na longa história da Igreja Católica antiga, medieval, moderna e contemporânea, a superação de uma “reserva masculina do ministério eclesial” que foi considerada, por muitos séculos, como um elemento que pertencia à “substância do próprio ministério”. Essa passagem tem um valor em si mesma, que supera uma “evidência clássica”, assumindo uma nova visão.

Por isso, gostaria de apresentar os pontos de novidade dos dois textos e evidenciar como aparecem oficialmente formas argumentativas cuja fecundidade não será fácil de deter no futuro.

a) O motu proprio Spiritus Domini

Com uma técnica não rara, o primeiro documento, diretamente operacional, é bastante breve e se limita a fazer, com a autoridade de um motu proprio, uma modificação do Código de Direito Canônico (cân. 230), do qual se extingue a “reserva masculina” estabelecida para aqueles que eram chamados, antes de 1972, de “ordens menores” e que, desde então, são chamados de “ministérios instituídos”. É evidente que essa “virada” – que põe fim à exclusividade masculina para o acesso ao leitorado e ao acolitado – se baseia na grande “mudança de paradigma” que, primeiro, o Concílio Vaticano II havia realizado no plano das “ordens maiores”, e que a carta Ministeria quaedam de Paulo VI, depois, realizou no plano das “ordens menores”. Resumindo sinteticamente essas duas passagens:

– O Concílio relê as ordens maiores de modo muito articulado: ele recupera o episcopado dentro do sacramento da ordem como seu ápice; exclui o subdiaconato; supera a distinção estrutural entre potestas ordinis e potestas iurisdictionis.

– Com a Ministeria quaedam, não só se reduzem a duas as ordens menores (de quatro ou cinco que eram), mas elas também são desencorpadas do sacramento da ordem e incardinadas sob o sacramento do batismo. Não são mais “graus inferiores” do ministério ordenado, mas sim “articulações oficiais” dos carismas dos batizados.

Trata-se de uma releitura poderosa, sistemática e praticamente muito ousada, cujos efeitos vão lentamente ganhando corpo e tomando forma. Mas, naquela reforma, que também havia repensado profundamente a tradição, a “reserva masculina” em todos os graus do ministério – instituído ou ordenado – permanecia digna de veneração e, portanto, não superada.

b) A carta que acompanha o Spiritus Domini

Em uma carta, datada do dia seguinte, o Papa Francisco expõe as argumentações que levaram ao procedimento do dia anterior. E, no texto, encontra-se uma apaixonada releitura da tradição ministerial da Igreja, que, na história, sem nunca se desviar da fidelidade à palavra recebida do Senhor, interpreta de maneira diferente as formas da autoridade e o exercício dos “ofícios” para a vida da Igreja. A “interpretação que a Igreja dá de si mesma” faz parte da sua tradição. E assim, sem que haja infidelidade, é possível que algumas formas sejam substituídas por outras: isto também não é “superação”, mas “realização” da tradição.

No plano hermenêutico, o texto trabalha com fineza sobre a pretensa “reserva masculina”, em vista de uma compreensão mais ampla. Passa-se de uma visão mais estrita a uma visão mais ampla do ministério fundado no batismo, na crisma e na eucaristia.

No centro da carta, está uma frase que tem um valor decisivo: “Uma vez que o Sacramento da Ordem estava reservado apenas aos homens, isto também se aplicava às ordens menores”. No plano teológico, trata-se de uma “descrição” daquilo que, “durante séculos”, foi considerado vinculante e, diríamos, substancial. Mas, se examinarmos do ponto de vista sistemático, as novidades com que estamos lidando hoje são pelo menos três:

– as ordens menores não são mais tais, mas, de fato, são ministérios instituídos, que descendem da iniciação cristã, não do sacramento da ordem;

– a reserva aos homens hoje não diz respeito ao “sacramento da ordem”, mas à “ordenação sacerdotal”, ou seja, o grau do episcopado e do presbiterado, não ao do diaconato;

– a relação entre ministérios ordenados e ministérios instituídos não é paralela à evidência da reserva masculina: o grau do diaconato, embora sendo interno aos “ministérios ordenados”, não é coberto pela reserva citada na carta e remonta à Ordinatio sacerdotalis de 1994.

Isso significa que, entre a distinção interna ao ministério feita por Paulo VI em 1972 e as palavras de João Paulo II sobre o sacerdócio, não há uma completa sobreposição. O exercício da palavra de autoridade na Igreja não está reservado apenas aos batizados do sexo masculino. Aquilo que foi venerável, como a reserva, não é “de substância” para o exercício do ministério. E essa, de fato, é uma verdadeira mudança de paradigma.

c) As palavras definitivas e as novas evidências

A sociologia ou a fisiologia, assim como a geografia ou a física, também têm as suas “novas evidências”. A antiga prática de “ordenar” ao leitorado e ao acolitado apenas homens havia encontrado ao longo da história diversas argumentações. A mulher não é dotada de autoridade; a mulher, ao gerar, é puramente passiva; a mulher não deve se aproximar das coisas sagradas porque, pelo menos uma vez por mês, é impura. Um universo de cultura sociológica, fisiológica, biológica fez sentir a sua autoridade também entre os teólogos. Alguns deles continuam frequentando esses preconceitos, como se fossem palavra de Deus.

É muito singular observar como essas visões tiveram a força de convencer até os mais sábios dos homens do passado: Tertuliano foi um mestre muito ouvido sobre a proibição de batizar e de ensinar da mulher, e, quando Tomás de Aquino teve a força de corrigi-lo, teve que recorrer a uma evidência não teológica, mas sociológica. Usando a sua “arte de distinguir”, o Doutor Angélico formalizou um “espaço de autoridade feminina” rigorosamente privado. Podia-se reconhecer autoridade à mulher, mas apenas residual e nunca em público. Essa argumentação, que antes não existia, resistiu até o século XIX.

Assim, um século depois, pouco antes da sua morte, João XXIII, na Pacem in terris, podia reconhecer na “entrada da mulher no espaço público” um dos “sinais dos tempos” da nossa época. Por isso, a pequena variação textual proposta pelo Spiritus Domini é uma mudança de paradigma. A mulher entra oficialmente, com todos os crismas, no espaço público da autoridade eclesial.

Certamente, não serão as distinções sistemáticas antigas ou recentes que poderão impedir a esse início todo o seu desenvolvimento pastoral e eclesial. A reserva masculina, que foi considerada essencial ao exercício de toda autoridade eclesial, não é mais, como tal, uma garantia para a tradição. Esse é um ponto sem volta; para refletir sobre ele, não basta uma “teologia de autoridade”, mesmo que preciosa, mas é preciso que a teologia ponha em campo toda a sua autoridade, sem medo e com muita paciência.

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