Nas primeiras décadas do século XX, havia organizações laicais no Brasil, como as Irmandades, Confrarias e Associações, algumas delas criadas nos séculos anteriores, atuando numa dimensão mais espiritual e/ou de assistência. Dentro do modelo de Igreja vigente, os Bispos criaram a Confederação das Associações Católicas, para articular as várias formas organizativas existentes.
Em 1935, foi oficializada a Ação Católica Geral. Articulada em âmbito nacional, teve presença significativa na realidade eclesial e social naquele período. A abrangência da Ação Católica a tornava uma organização representativa do laicato do Brasil. Com o golpe militar, em 1964, houve perseguições, desaparecimentos e mesmo mortes de militantes da Ação Católica. Enfrentando dificuldades inclusive com segmentos conservadores da própria instituição eclesial, a Ação Católica se diluiu até ser extinta como tal. Posteriormente, algumas frentes se recompuseram com outros nomes, mas o fato é que já não havia a abrangência necessária para representar o laicato em âmbito nacional.
A realização do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 a 1965) “retomou a teologia da Igreja como comunhão na diversidade, povo santo de Deus, peregrino e evangelizador, corpo de Cristo presente e atuante na história dos seres humanos, templo do Espírito Santo” (Cf. CNBB 105, n. 92). A partir daí, nossos Bispos decidiram propor que as Diretrizes e Planos Pastorais fossem elaborados com a participação de representantes de todas as vocações e ministérios, ou seja, dos cristãos bispos, presbíteros, religiosos e religiosas e cristãos leigos e leigas. Ainda não havia sido restaurado o diaconato permanente. Esta proposta não foi aprovada pelo Vaticano, que insistiu que Diretrizes e Planos eram competência do episcopado. Claro que os Bispos obedeceram, mas aos poucos a CNBB foi criando, apoiando e reconhecendo os Organismos representativos das várias vocações e ministérios, em um processo participativo envolvendo os demais Organismos.
A Igreja no Brasil já contava com o Organismo que reunia os Bispos em sua colegialidade, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, fundada em 1952, e com o Organismo de representação e articulação dos Religiosos e Religiosas, a Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB, fundada em 1954. Depois, foram criadas a Comissão Nacional do Clero – CNC, que, após a restauração do Diaconato Permanente, tornou-se Comissão Nacional de Presbíteros – CNP; e a Comissão Nacional de Diáconos – CND, em 1981, após um tempo de consolidação. Em 1971, foi criada a Conferência Nacional dos Institutos Seculares do Brasil – CNISB.
Para completar a organização dos membros do Corpo Místico de Cristo, faltava o organismo que representasse os cristãos leigos e leigas, imensa maioria do Povo de Deus. Assim, na XI Assembleia Geral da CNBB, em 1970, que teve como tema os “Leigos”, os bispos votaram vários encaminhamentos. Entre as questões, estava a seguinte: “Aceita que o Secretariado Nacional do Apostolado Leigo – SNALE, comece já a preparar o funcionamento de um futuro organismo de leigos?”. A maioria manifestou-se favoravelmente, com a seguinte votação: 147 sim, 23 sim com reservas e 3 não (CNBB 1970, p. 23-26). O SNALE deu andamento à proposta aprovada organizando três Encontros Nacionais com dirigentes dos Movimentos e Expressões Laicais existentes na época, em 1972, 1973 e 1974, em que elaboraram um projeto de criação de um organismo dos cristãos leigos e leigas no Brasil.
Em novembro de 1975, foi realizada uma Assembleia para a constituição do CNL – Conselho Nacional de Leigos e foi votado um Estatuto experimental. A segunda Assembleia Geral, realizada em julho de 1976, na Casa da Legião de Maria, em Jacarepaguá/RJ, ratificou as deliberações e introduziu algumas modificações no Estatuto experimental e, assim, o CNL ficou definitivamente criado (Cf. 1º Informativo do CNL, 1976).41
O contexto da época indicava a necessidade de um “laicato cristão maduro”, consciente de sua vocação e disposto a uma ação evangelizadora nos diversos espaços da Igreja e do mundo. O Decreto Conciliar Ad Gentes (n. 21) foi motivador: “A Igreja não está verdadeiramente formada, nem vive plenamente, nem é representação perfeita de Cristo entre as pessoas enquanto não exista e trabalhe com a hierarquia um laicato propriamente dito”. Nesse processo, os cristãos leigos e leigas foram reconhecendo a necessidade de se organizarem a partir de sua identidade, vocação, espiritualidade e missão.
Segundo Dom Marcelo Carvalheira, bispo referencial para o Laicato, “sem essa organização em conselhos próprios, fundamentados no mistério da Igreja comunhão e missão e, consequentemente, na teologia dos ministérios, parece-nos impossível enfrentar, hoje, no mundo atual com toda a sua complexidade, o desafio da nova evangelização. Daí ser necessário que não só participem de conselhos mais diversificados e, em si, mais significativos da comunhão eclesial, como os conselhos pastorais, paroquiais ou diocesanos, nos quais se acham também sacerdotes e religiosos (ChL, n. 25-27), mas também, de modo mais específico e com a autonomia que lhes cabe, é preciso que se organizem em conselhos especiais de leigos, nos vários níveis diocesanos, regionais e nacional. Há problemas na evangelização do mundo hoje a que só os cristãos leigos articulados e até organizados oficialmente podem dar resposta, também como Igreja inserida no mundo. Serão organizações análogas aos de outros grupos organizados em conferências, conselhos e comissões” (1989, p.1580-1587).
A partir da década de 1980, o CNL visita os Regionais da CNBB, contemplando não apenas os movimentos eclesiais, mas também as pastorais, CEBs e outras instâncias para organizar o laicato nas bases. Aos poucos vão surgindo e se consolidando os Conselhos Regionais de Leigos – CRL, que articulam os Conselhos Diocesanos de Leigos – CDL e, assim, o CNL passa a ter expressão a partir das bases. Em agosto de 1987, o 1º Encontro Nacional reuniu 500 leigos e leigas de todo o Brasil na casa dos Focolares, Mariápolis Ginetta, em Cotia/SP, para contribuir com o Sínodo Mundial dos Bispos, que seria sobre os Leigos. As resoluções tiradas foram encaminhadas ao Vaticano por Dom Luciano Mendes de Almeida, então presidente da CNBB.42
Em 1989 foi criada a Comissão de Formação, para atuar a serviço da organização do laicato e também articular as experiências existentes nas dioceses e nos regionais. Em seguida, um novo passo foi dado com a formação das Comissões Regionais de Formação.
Na sua X Assembleia, em 1991, o CNL seguiu a tradição da Ação Católica e aprovou a comemoração do Dia do Leigo na Solenidade de Cristo Rei, a cada ano, como momento propício para aprofundamento da identidade, vocação, espiritualidade e missão laicais. São realizados o 2º e o 3°Encontros Nacionais e, em 1997, é revisto o Estatuto do CNL, que passa a se chamar Conselho Nacional de Leigos e Leigas Católicos do Brasil. Em 2004, uma nova revisão estatutária traz várias atualizações, inclusive a nova denominação: Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB. A CNBB homologou esse Estatuto em 2004, que continua vigorando até hoje.
Em junho de 1999, a Assembleia realizada em Belo Horizonte/MG propôs um encaminhamento para que o Conselho passasse a ser uma Conferência. Nesse processo para ser “Conferência – Organismo”, foi realizada a 1ª “Conferência-Evento” dos Cristãos Leigos e Leigas, em Fortaleza/CE, em novembro de 2001. Este evento foi precedido por conferências diocesanas e regionais apoiadas em documento de estudo próprio. O regimento, em seu Artigo 2º, definiu como seria o processo de construção da Conferência: “Ser amplo processo de discussão sobre a identidade, vocação, missão, organização e representatividade dos leigos e leigas católicos do Brasil, na Igreja e na sociedade; promover uma profunda análise da realidade brasileira, sob a ótica da Palavra Encarnada, à luz do Magistério da Igreja, com os subsídios das Ciências Humanas; elaborar Diretrizes da Ação dos leigos e leigas católicos do Brasil; estabelecer diretrizes e condições para a organização dos leigos e leigas católicos do Brasil como Conferência-Organismo”.
Porém, o Pontifício Conselho para os Leigos, em Roma, não aprovou a criação da Conferência para o Laicato do Brasil, justificando que seria um organismo paralelo à CNBB. Foi um equívoco de entendimento, porque a Conferência pretendia ser um organismo constituído a pleno título como sujeito, para favorecer a autonomia laical e, assim, somar-se mais eficazmente à comunhão eclesial. Sabe-se que a comu43
nhão acontece entre sujeitos eclesiais, sem relação de submissão, mas de sinodalidade.
O CNLB prossegue como Conselho Nacional do Laicato do Brasil, consolidando-se em meio a dificuldades e desafios: o autoritarismo da ditadura militar, no início da organização laical; a repressão aos cristãos leigos mais engajados no campo social; a censura que dificultava as convocações para reuniões e assembleias e o envio dos boletins informativos; as divergências internas, de caráter político e ideológico; a falta de recursos financeiros; a resistência de setores conservadores da Igreja.
Alguns desses desafios permanecem ainda hoje, que podem ser melhorados com a consciência dos cristãos leigos e leigas sobre a necessidade desse Organismo, o apoio de setores do clero, a busca de recursos financeiros e a articulação a partir das bases.
Apesar das dificuldades e desafios, o CNLB tem sido fiel ao seu sonho primeiro: articular o laicato em vista da missão que lhe é própria, representando os cristãos leigos e leigas no trabalho conjunto com a CNBB e os demais Organismos do Povo de Deus. Ressalta-se a formação que sempre propiciou aos seus membros, a representatividade junto à CNBB e aos demais Organismos, tendo assento e voz nas reuniões do Conselho Episcopal de Pastoral, do Conselho Permanente e nas Assembleias Gerais da CNBB, nas Assembleias Nacionais dos Organismos do Povo de Deus e o trabalho conjunto em projetos e atividades.
Destaca-se também o ensejo de estar presente nas realidades da Igreja e da sociedade, proporcionando para isso encontros, assembleias, fóruns, seminários, textos, debates, manifestações, participações em documentos eclesiais, lives, sempre na perspectiva de fundamentar a vivência do cristão leigo/leiga como “sujeito eclesial e social”.
Dos simples boletins e informativos até as revistas e cartilhas, agenda formativa, site, redes sociais e outras, o CNLB vem adquirindo visibilidade como expressão nacional, concretizando o sonho nascido há 50 anos de ser instrumento de profecia e de esperança nessa realidade em crise, buscando “revelar e expandir o Reino de Deus na história”.44
Em tempos de processo sinodal, em que se discute a “sinodalidade na e da Igreja”, o CNLB traz de volta a ideia de ser uma Conferência e assim iniciar um novo ciclo de sua preciosa existência. Esse passo é resultado de um processo de amadurecimento e fortalecimento da sua própria identidade e missão. Caminhando com as belezas e desafios de cada tempo, com postura profética e servidora, o CNLB chega ao seu jubileu dos 50 anos como expressão nacional para a Igreja e para a sociedade. Para isso, buscar abrir caminhos, criar atalhos, desviar de pedras e continuar forte, porque criou raiz; capaz, porque tem um laicato maduro e comprometido; ousado, porque não desistiu diante dos desafios; e profético, porque se revela sonho de Deus para o Reino.