Juventudes e pandemia: expectativas, medos, conquistas

Falar sobre juventudes exigiria um artigo de muito mais páginas para expor em mosaico o rosto da juventude brasileira, que é formada por tantos recortes de classe, gênero, raça e etnia.

Por: Caroline Mattos de Oliveira

O termo no plural foi adotado para reafirmar que ser jovem não é igual para todas as pessoas que têm de 15 a 29 anos. Por si só, a citação da faixa etária já nos relembra como a juventude se trata de um período extenso da vida, permeado pela adolescência e início da vida adulta. Ser jovem é sinônimo de pluralidade. 

Por esse motivo, acho justo identificar o lugar do qual enxergo o mundo: sou uma jovem da Pastoral da Juventude. Sabendo disso, ao ler esse artigo, tantas outras vozes jovens podem somar e ecoar os aspectos que não fui capaz de incluir nestes parágrafos, pois é desse chão e horizonte que estou refletindo sobre a influência da pandemia nas nossas vidas.

            Arrisco dizer que é uma certeza quase absoluta entre nós de que a pandemia deu ‘zoom’ em todos os problemas estruturais do nosso país e do mundo. Estamos todos à flor da pele, expostos, nús, diante da selvageria do sistema capitalista, que se reinventa e se apropria incessantemente nos massacrando em nome da desigualdade. Não só os jovens, mas especialmente os jovens, estão imersos nas crises da nossa sociedade com sensação de afogamento. São muitas crises e a pandemia coroou todas elas. 

            Reformas, taxa de desemprego, queda da renda, congelamento de gastos em políticas públicas, ajustes fiscais…desde 2016 que a vida vem mudando, paradoxalmente de forma tão sorrateira e tão explícita. Os jovens que tiveram na sua infância ou adolescência mais acesso a melhorias de vida, estão vendo dia a dia isso se esvair. Aqueles que nem chegaram a essas melhorias, permanecem vendo uma vida digna a quilômetros de distância. Mas, até aqui, antes da pandemia, víamos e sentíamos tudo isso ainda podendo correr e lutar por uma vida melhor. Aumentaram as distâncias, enrijeceram-se as forças que nos puxam, mas seguíamos correndo e lutando em ritmo acelerado e se sentindo em movimento.

Correria, luta e movimento são as palavras das juventudes, todas elas. Por isso, podemos dizer que a pandemia foi para nós jovens como um grave acidente de carro. Vínhamos em alta velocidade, de repente avistamos um obstáculo e tivemos que meter o pé no freio, com tudo, bruscamente. Não tem como viver uma experiência dessa e não ficar gravemente ferido, externa e internamente. É o tipo de situação em que após o impacto a cabeça fica rodando e por um longo período se rememora o que houve, se tenta entender como se chegou ali. 

Pois é! chegamos aqui acelerados por um ritmo de vida que a sociedade impõe, onde nosso tempo é conduzido como um boneco de marionetes e nossa saúde mental paga o preço. Muitos estímulos, cobranças, expectativas, estudos, cursos, articulações, reuniões, trabalhos formais, informais, agendas lotadas, velocidade, excessos…algo que pode nos cegar quanto ao sentido da vida. Mas as juventudes, teimosamente, lutam por esse sentido. Ter parado (mais ou menos) com essa rotina insana pode ter trazido essa contribuição de recuperar algum espaço de reflexão e autoconhecimento, mas não consigo chamar essa experiência de conquista, até mesmo porque uma grande parcela da população jovem não teve acesso a essa parada. 

Não é de agora que as juventudes estão enxergando o rumo que nosso mundo está tomando, mas essa experiência encarnada das consequências do modo de vida dessa sociedade fundada num ciclo de morte, atingindo massivamente a população, traz uma outra dimensão da realidade. Traz a falta de perspectiva de um futuro com vida digna e acredito que esse é um dos pontos principais para as juventudes no momento em que estamos.

            Como projetar a vida num contexto sem garantia mínima de sobrevivência? Como sonhar o futuro em um hoje instável e ameaçador?   Na JMJ de 2019, que aconteceu no Panamá, o Papa Francisco falou na vigília com os jovens: “É impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. […] Sem instrução, é difícil sonhar um futuro; sem trabalho, é muito difícil sonhar o futuro; sem família nem comunidade, é quase impossível sonhar o futuro.”

         Essa emergência não só amedronta como é fator determinante para a saúde mental de todos. De onde pode vir a esperança nesse momento distópico? No meu exercício de pensar essa questão me lembrei das ocupações que aconteceram também lá em 2016. Era um ano também tão ameaçador (guardadas as proporções), mas que vivenciamos esse lampejo protagonizado pelos jovens. Experiência de luta, de coletividade, de protagonismo, de propósito, de ação. 

Fazer memória e reconhecimento desse caminho de crises que estamos vivendo pode nos ajudar a encontrar na história sinais, pistas, que nos conectem e reconectem com o fundamental, e nos impeça de ficar entregues a essa tragédia que estamos vivendo. A expectativa de uma vida digna e plena só virá com nosso esforço de sairmos de nós mesmos, das nossas “casas”, e nos ocuparmos de agir em conjunto mirando um novo amanhã.

Caroline Mattos de Oliveira,  psicóloga, coordenadora Diocesana da PJ Guarulhos

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