É PRECISO MUDANÇAS ESTRUTURAIS: SEGURANÇA PÚBLICA, SISTEMA PRISIONAL E DIREITOS HUMANOS. O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) tem 35 anos de existência. É uma rede nacional de grupos, entidades, coletivos, instituições e pessoas que protegem, defendem e promovem os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e ambientais de todos e todas brasileiros.
Mais de 130 brasileiros foram mortos, apenas na primeira quinzena desse ano. Todos sobre a custódia do Estado. Um quadro de barbárie, sem nenhum respeito à vida humana.
As discussões sobre sistema prisional, segurança pública e garantia dos direitos das pessoas em privação de liberdade constituem um dos eixos principais de atuação da rede MNDH.
A partir das experiências e reflexões que acumulamos em nossa atuação na defesa da vida e da dignidade humana queremos nos manifestar sobre a crise e os massacres que vem ocorrendo nesse início de 2017:
- O horror do sistema prisional brasileiro não é uma condição recente, nem desconhecida pelo poder público. As organizações de direitos humanos e também os organismos do Estado brasileiro (como o Conselho Nacional de Justiça) há tempos registram e denunciam a precariedade das prisões nacionais, que chegaram a ser comparadas com masmorras medievais por um ministro do STF.
- O Brasil executa uma política de encarceramento em massa de jovens, pobres e pretos. Mais de 600 mil brasileiros estão presos. Somos o quarto país que mais prende em todo o mundo, atrás apenas para EUA, Rússia e China. Nos últimos 10 anos, dobramos o número de pessoas encarceradas.
- Mas os presos provisórios são 40% do total. Ou seja, pessoas presas em flagrante, geralmente por delitos menores como furtos ou porte de pequenas quantidades de droga – a maioria sem condições de pagar um advogado – são enterradas nos presídios, sem data para sair.
- A absoluta maioria dos presos é de jovens negros e pobres. A atuação das Polícias Militares, do Ministério Público e dos juízes se pauta por um viés racista e punitivista. Juízes conservadores encarceram jovens pobres que cometeram pequenos delitos, superlotando nossas cadeias – engrossando as fileiras do crime organizado.
- A lei de drogas de 2006 abriu caminho para prisões em massa “por tráfico”. Desde sua aprovação até 2013 o número de prisões relacionadas às drogas passou de cerca de 31 para 138 mil.
- O Brasil é um dos países com a maior taxa de homicídios do mundo, mais ou menos 60 mil assassinatos por ano. 90% dos mortos são homens. 77% são negros e cerca de 55% são jovens. Trata-se de um extermínio com alvo bem definido.
- As polícias não investigam os homicídios. Pelo contrário. Nossas PMs são responsáveis por parte desses assassinatos. As polícias brasileiras são as que mais matam em todo o mundo.
- A falência do sistema prisional, o crescimento do crime organizado, o encarceramento em massa, o assassinato dos nossos jovens negros e o alto índice de homicídios são fatos relacionados que devem ser enfrentados conjuntamente.
- Faliu a política de “guerra às drogas”. Trata-se, na verdade, de uma estrutura racista, de criminalização e extermínio dos pobres/ pretos. O mundo todo está revendo a forma de lidar com essa questão.
- É inadiável a desmilitarização das polícias e a reforma estrutural na segurança pública. Não podemos mais conviver com um modelo arcaico que vem da ditadura militar e só gera violência e corrupção.
- Ao mesmo tempo, é preciso iniciar imediatamente o debate para reformular a legislação sobre drogas. A descriminalização e a progressiva legalização, articulada com uma forte política de redução de danos pode desmantelar o crime organizado, diminuir a violência urbana – e o índice de homicídios – além de solucionar a crise do sistema prisional.
Nesse sentido, o MNDH defende um olhar panorâmico para enfrentar a crise do sistema prisional e o crescimento do crime organizado. Obviamente, são necessárias medidas imediatas e aumento do investimento no sistema, melhorando as condições das prisões existentes.
Contudo, sem mudanças estruturais na legislação sobre drogas e no sistema de segurança pública, continuaremos “enxugando gelo”.
Denunciamos, portanto, as medidas demagógicas e inócuas, anunciadas por Alexandre Moraes, Ministro da Justiça desse governo ilegítimo, que, entre outras estultices, afirmou que pretende “erradicar” a maconha em toda América Latina.
Além disso, nos opomos frontalmente à proposta de intervenção das Forças Armadas no sistema prisional. É um precedente perigoso, pois nem de longe essa é a função do Exército, que também não tem as condições ou o preparo para intervir nessa crise.
Pura demagogia, mais um factoide irresponsável de Temer.
Não precisamos de mais prisões. Pelo contrário: a construção de novos presídios reforça o furor por encarcerar.
O povo brasileiro precisa é de mais politicas públicas. De educação pública de qualidade, de saúde universal e gratuita, de empregos, moradias, salários decentes.
A desigualdade social, a pobreza, a miséria, a precariedade dos serviços públicos, a “guerra às drogas”, o racismo institucional são as verdadeiras raízes da violência e do crime organizado.
IMEDIATAMENTE, para enfrentar a crise, defendemos:
– que o STF e o CNJ liderem um movimento na direção do desencarceramento, pautando juízes e promotores públicos;
– um mutirão nacional para equacionar a situação dos 40% de presos provisórios, e, ao mesmo tempo, checar a situação de todos presos, modernizando e efetivando a execução penal, garantindo a progressão das penas;
– a substituição da pena de prisão por penas alternativas em todos os casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça;
– a universalização das audiências de custódia, permitindo a redução das prisões e combatendo a tortura e arbitrariedade das polícias;
– a contratação de 10 mil defensores públicos, garantindo o acesso universal à justiça, em todo os estados, protegendo os direitos dos pobres, jovens, mulheres, negros, vulneráveis; O momento é propício para um debate aprofundado e qualificado. A barbárie não vencerá.
Acreditamos em uma sociedade solidária, justa, que assegure os direitos de todas mulheres e homens, com igualdade e respeito à diversidade.
MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
17 de janeiro de 2017