O Brasil entre a Cultura de Paz e o belicismo

Por Roberto Mistrorigo Barbosa

A partir do próximo dia 13 de abril o Brasil pode entrar em uma era inédita de violência, com aumento de assassinatos, suicídios, feminicídios e todo tipo de crime perpetrado com a utilização de armas de fogo.

Isso porque passam a vigorar os decretos 10627, 10628, 10629 e 10630, de 12 de fevereiro de 2020, de autoria do presidente Jair Bolsonaro, que, entre outras coisas, aumentam a possibilidade das pessoas em possuir armas de fogo de quatro para seis, permitem que atiradores registrados tenham até 60 armas e caçadores possuam até 30. Nesses últimos dois casos (caçadores e atiradores) ainda é facultado que extrapolem esse limite se houver autorização do Exército.

Além disso, as medidas autorizam desportistas comprar até duas mil munições para armas de uso restrito e até cinco mil para uso permitido de armas registradas em seus respectivos nomes. Para policiais, magistrados, membros do Ministério Público e agentes prisionais, há ainda a autorização para a compra de duas armas de uso restrito.

Os decretos assinados pelo presidente da República fazem parte de suas promessas de campanha, o que torna a situação ainda mais delicada. Ou seja, é possível inferir disso que a sociedade brasileira optou por eleger alguém determinado a produzir ainda mais violência; muito acima do que os brasileiros já experimentam há séculos.

Ao que tudo indica, ainda prevalece em parte da população uma espécie de instinto belicista, que busca a resolução dos conflitos através da força bruta em vez do diálogo, onde raiva e ciúmes são preponderantes em relação a uma conduta racional, perpassando inclusive a linguagem que ilustra valentia a exemplo de frases como “dou um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada para não sair” ou “se alguém mexer com meu filho é porque não sabe do que sou capaz”.

Sob o risco de se tornar um País parecido com um barril de pólvora prestes a explodir, é urgente que essa cultura da guerra seja invertida e que se dê a chance para um Cultura de Paz, substituindo o medo e a ameaça pela compreensão, por meio de um exercício constante de construção de alternativas pacíficas.

A expansão da liberação de armas de fogo e munições nunca trouxe mais segurança à população. Pelo contrário, esse tipo de atitude vai de encontro a políticas de prevenção da violência.

Em um país onde há uma das maiores concentrações de renda do mundo, liberar ainda mais armas para civis pode contaminar todo o país com a violência já experimentada principalmente nas periferias de grandes centros urbanos.

Segundo apuração do jornal O Globo, via Lei de Acesso à Informação junto ao Exército e à Polícia Federal (PF), em uma parceria com os Institutos Igarapé e Sou da Paz, “dois anos depois do primeiro decreto do presidente Jair Bolsonaro rumo à expansão do armamento da população, o país tem mais de 1 milhão e 100 mil armas legais nas mãos de cidadãos —65% mais do que o acervo ativo de dezembro de 2018, que era de 697 mil (…) O aumento mais expressivo, de 72%, se deu no registro da Polícia Federal, que contempla as licenças para pessoas físicas. O número passou de 346 mil armas de fogo, em 2018, para 595 mil, no fim de 2020 (…) Nos casos de armamentos registrados pelo Exército, que atendem aos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), a elevação, no mesmo período, foi de 58%: passou de 351 mil para 556 mil. Tanto em um quanto no outro órgão, o salto não é explicado apenas pelas novas armas de fogo, mas também por registros expirados que foram renovados”.

É apropriado dizer que a pacificação começa intimamente, mas isso deve extrapolar para o social. Atuar de mãos dadas para reverberar a paz e a justiça social é determinante para que a violência diminua até o ponto de se tornar residual. Isso só é possível se a humanidade se tornar a cada dia mais lúcida, fazendo com que a paz que brota nos corações das pessoas controle nossa vida em comunidade para a construção de uma sociedade mais igual e solidária.

Contudo, também é preciso salientar que os movimentos que buscam a pacificação do País estão sofrendo revezes nos últimos tempos e encontram muitas dificuldades para se opor a onda armamentista. Nesse sentido, parlamentares da oposição ao governo federal apresentaram decretos legislativos para suspender os efeitos dos decretos presidenciais até a análise dos mesmos pelo Senado e Câmara, no entanto, uma manobra do senador Marcos do Val (Podemos) – aliado de Bolsonaro – retirou as propostas da pauta, o que na prática significa que as medidas do Planalto devem entrar em vigor no próximo dia 13.

Os institutos “Igarapé” e “Sou da Paz” divulgaram nota conjunta em que pedem que “o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal exerçam seu papel constitucional e invalidem os atos normativos que favorecem o descontrole de armas e munições no país, colocando em risco a segurança e a democracia do Brasil”.

É o momento de união em torno da Paz. Estamos sob fogo intenso, e essa expressão, infelizmente, não é apenas figura de linguagem.

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