O laicato na igreja: Um gigante adormecido e domesticado

Esta série de artigos sobre o laicato quer fazer eco da celebração dos 30 anos da publicação da Exortação Christifideles Laici, pelo Papa João Paulo II, em 1988, sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo.  Serão dez artigos dedicados à situação (três artigos), à vocação (quatro artigos) e à missão (três artigos) do laicato na Igreja e no mundo. Comecemos pela abordagem da situação do laicato na Igreja, hoje.

Por: Agenor Brighenti

O laicato: um gigante

O Concílio Vaticano II, ao lembrar que pelo Batismo começamos a ser cristãos, reafirmou a “base laical” da Igreja. Todos os ministérios, inclusive os ordenados, brotam do Batismo. Existe um único gênero de cristãos, os batizados. Todos na Igreja, portanto, são ou foram leigos ou leigas. Os que não são leigos, como os ministros ordenados e os integrantes da vida consagrada, são uma ínfima minoria em comparação com o gigantesco número de leigos na Igreja. No Brasil, há em média um padre para 12 mil leigos. Entre as Igrejas evangélicas, há um pastor para 100 fiéis. 

A Igreja católica, nas últimas décadas, perdeu muita gente das periferias e dos setores mais populares, lá aonde as Comunidades Eclesiais de Base estavam muito mais presentes do que hoje. Os padres também já gostaram mais de trabalhar entre os mais pobres. Igualmente tem diminuído a participação na Igreja dos que têm melhorado de vida, agora mais ciosos do tempo livre e amantes do lazer, levando a uma “crise do compromisso comunitário”, como frisou o Papa Francisco na Evangelii Gaudium. Mas, graças a Deus e à generosidade de tantos, há bastante gente engajada nas comunidades eclesiais, participando das liturgias, assumindo serviços de pastoral ou estudando em escolas de formação. No santo Povo de Deus, há muita gente santa. O laicato é a maior riqueza da Igreja, com um potencial evangelizador imensurável, mas ainda não suficientemente valorizado e reconhecido.

Um gigante adormecido

As estatísticas mostram, infelizmente, que dessa “massa” de leigos e leigas, apenas uns 10% são católicos “praticantes” regulares. Outros 10% tem participação esporádica. E a imensa maioria, uns 80%, se dizem católicos “não praticantes”, terra de missão de muitas Igrejas, sobretudo, neopentecostais. Nos últimos tempos, se tentou “acordar” essa gente toda, mas sem muito perguntar a razão de sua apatia e da sangria silenciosa de nossas comunidades. Já se fez missão centrípeta, saindo para fora da Igreja, batendo de porta em porta, para trazer de volta as pessoas para dentro dela. Mas aí o Papa Francisco, com Aparecida, lembrou que proselitismo não é cristianismo.  Já se tentou também promover animados eventos de massa, já se ocupou meios de comunicação social, entrou-se na disputa do mercado exacerbando a dimensão terapêutica da religião, já nos metemos a telepregadores a exemplo de pastores televangelistas, agrandou-se o tamanho de alguns templos, apostou-se nos padres-cantores… e o gigante parece não se sentir convencido a despertar. O número de católicos continua diminuindo e muito rapidamente.

Um gigante domesticado 

Diz Aparecida, que os católicos que saem de nossas comunidades, não estão querendo deixar a Igreja, estão buscando sinceramente a Deus. E quantos e quantas que saem e vão bater em portas erradas. Vai-se de “conversão” em “conversão”, mas depois da decepção com a terceira Igreja, saem de todas. Cresce o número de cristãos sem Igreja, que continuam crendo no Evangelho, mas não veem como vivê-lo no tipo de Igreja que somos hoje. Na Europa são em número maior, mas segundo o último censo, no Brasil, já são 8%, quase o mesmo tanto dos participantes em nossas comunidades, os que vivem a “religião sem religião”. Querem chegar a Deus, mas esbarram numa instituição auto-referencial, que eclipsa a Deus; se defrontam com o muro de doutrinas petrificadas e normas rígidas, à margem dos grandes sofrimentos do povo; enfim, se veem numa massa massificante, anônimos e sem acesso a Deus. 

É que, cada vez mais, as pessoas querem ser sujeito, poder dizer as coisas e serem ouvidas; querem ser respeitadas em sua subjetividade, fazer uma real experiência de Deus sem emocionalismos e fundamentalismos; querem se sentir acolhidas em comunidades de tamanho humano e, não poucos, como gostariam de uma Igreja profética, servidora dos mais pobres, mais simples e despojada, investindo mais em templos vivos que de barro. Bem ao estilo do Papa Francisco, que envia a Igreja para as periferias, mas com a advertência de não “domesticar as fronteiras”. E o que mais domestica o laicato é o clericalismo, que o Papa diz não ter nada a ver com cristianismo. Clericalismo de padres e diáconos, que voltou com força, mas também de leigos e leigas clericalizados. Para Aparecida, a volta do clericalismo é uma prova que, em relação à renovação do Vaticano II, estamos indo para trás. Resgatar o Vaticano II é a esperança de um laicato vivo e atuante, na Igreja e no mundo. 

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