O Profeta na Escola Pública

Homenagem da Equipe Docente ao Bonifácio Solak um dos fundadores do Movimento e  um dos entusiasta participante do CNLB, partiu para Casa do Pai, nesse Natal. Bonifácio  foi um homem de Fé, sempre lutou pela Educação Pública e pelo Organismo CNLB, como membro efetivo ou como organizador da Entidade onde estivesse.

Amigo Bonifácio!

Trazes contigo a bondade / a compreensão e a alegria / de quem sempre sabe, escutar, partilhar, ensinar.

És esperança no cotidiano da vida. / Sol que acorda o dia, vento que saúda

a natureza viva, solidariedade que iguala as pessoas serenidade que faz

calar o ódio.

Amigo Boni!

Tua fraternidade é como o forte vento do Cosmos, que se fez Palavra,

que se fez carne, que se fez VIDA.

Boni, deixaste em nós tua sabedoria e teu exemplo de vida.

Estamos profundamente gratos por tudo e estarás entre nós sempre.

Tereza Gamba

O Profeta na Escola Pública

Meu primeiro contato com Pe. Michel se deu em 1984. Eu fora convidado por amigos professores da Universidade Federal do Paraná a participar de um encontro para tomar conhecimento do que se pode fazer como cristão na escola pública e conhecer um movimento que ajudaria nisto. Na época eu exercia a função de diretor de escola estadual num bairro de Curitiba. Aceitei o convite, mais por curiosidade que por compromisso.

Chegando ao local de reunião em Brasília, e apresentado ao Pe. Michel, minha primeira impressão foi que eu estava dando o primeiro passo para um compromisso importante; senti medo. O próprio Michel tomou iniciativa de me dirigir perguntas que antes ninguém me fizera. Não se tratava de eu fazer um relatório do que fazia como diretor de escola pública nem de mostrar o que eu sabia sobre o exercício de cargo público; mas de eu dizer qual era o meu compromisso com os alunos, com os pais, com os professores. Isto me fez pensar. Quem seria este padre francês provocando-me a que eu dissesse coisas da minha profissão, da minha vida? Para que ele queria saber? Lembro-me que um dos questionamentos era sobre minha possível atuação no exercício da autoridade escolar. Senti que suas perguntas iam fundo e me fizeram descobrir onde eu estava sendo autoritário. Mas não só ele perguntava; outros participantes, que eu nem conhecia, mostravam a mesma curiosidade. Também outra professora de São Paulo, igualmente diretora de escola, passava pelos mesmos questionamentos. Este foi o meu primeiro choque. Viera pensando em ouvir algo que me fosse para me enriquecer no campo pedagógico; no entanto, mais me fizeram falar que ouvir; e não se tratava de conhecimentos teóricos; sempre dirigiam o foco para a prática, não a dos outros, a minha.

Só mais tarde, após muitas reuniões com equipistas, é que fui entender que se tratava de um método próprio destas reuniões. Na segunda fase é que vieram elementos “teóricos” para “iluminar”, de modo crítico, as nossas práticas concretas. Finalmente, numa terceira fase, é que se perguntava o que eu iria fazer a partir daquela reunião; foi quando senti o peso de um compromisso, da responsabilidade de meus atos. Mas, Pe. Michel me chamou à parte para me demonstrar seu apoio, desde que assumisse o compromisso.

Voltando a Curitiba, entrei em contato com os que me haviam convidado; em poucos dias fizemos convites a professores de nosso conhecimento e recebemos Pe. Michel no Colégio Estadual do Paraná; eram cerca de 80 participantes. Novamente percebi que Pe. Michel não se interessou muito pela minha teoria; forçava a conversa para tirar de nós qual era a nossa prática.

Empolgado com o entusiasmo demonstrado por aquele padre francês, dando tanta importância à educação pública, aos poucos, por leituras e testemunhos de quem esteve com ele, fui descobrindo mais sobre o Pe. Michel. Ele dizia que Cristo preferia os mais pobres; estes nós iríamos encontrar na escola pública e não nas escolas católicas; concluí, então, que ele era diferente da maioria dos católicos que eu conhecia. Hoje eu sei que se chama profeta quem age contra a correnteza, contra a maioria, quando em busca de um mundo melhor. Michel era um profeta. Na época não entendi este seu lado.

Hoje faço questão de contar algumas características deste profeta da escola pública que descobri, seja nos poucos momentos em que convivi com ele, seja ouvindo e lendo o que outros dele falaram e escreveram.

Constatando o estado de abandono da educação do povo pelo estado francês, como cristão que era, Michel encontrou um caminho para dar ânimo aos professores e valorizar o seu trabalho já tão depreciado. Em pequenos grupos, que os denominou de Equipes Docentes,

refletia com eles, para descobrir a situação das crianças, das suas famílias e da escola que estava ali. Iluminados pelos ensinamentos do Evangelho, propunham-se a uma prática de renovação da sociedade. Esta pedagogia e a descoberta de metas claras produziram resultados na educação pública francesa.

Mas Michel dirigia seus olhos mais longe. Participando de reuniões do Concílio Vaticano II, em contato com bispos de todo o mundo, não concordou como a situação de miséria da educação pública, principalmente na América Latina. “Os bispos me convidaram a partilhar com os professores da América Latina a rica experiência que eu havia conquistado durante os 23 anos com os professores das escolas públicas da França.” Então, comprometeu-se a levar o seu jeito de ver a escola pública a estes países e formar grupos de educadores, Equipes Docentes. “Em janeiro de 1965, desembarquei no México”, escreveu ele. Lá estudou a língua e a cultura. Relatou em suas cartas; “Percorrendo durante 8 meses deste ano, esta América Latina, eu pude descobrir o novo mundo (…) renasci para a existência humana e para o ministério sacerdotal.” Foi assim que Michel dizia para expressar que ele dedicava o seu sacerdócio ao acompanhamento dos professores da educação pública; foi mesmo uma visão profética; ainda hoje é difícil encontrar sacerdotes que optem por estar entre os professores da escola pública.

Michel referia-se à conjuntura latino-americana com as seguintes palavras: “Eu comunguei intensamente com as esperanças que, nos anos de 1965 e os seguintes, elevavam os espíritos e os corações em direção a um futuro de libertação; em seguida comunguei com as decepções e sofrimentos do que viram se afastarem e, possivelmente desaparecerem estas esperanças tão promissoras.” Michel sofreu com os membros das equipes docentes tudo o que impedia um processo de ajuda ao povo, mas que lhe deram “confiança e afeição que permitiram compreender e amar a América Latina.” Durante mais de dez anos, por determinação de governos ditatoriais, não vinha visitar as equipes docentes, principalmente no Brasil; no entanto, sempre escrevia cartas muito significativas que, mais tarde, compuseram o livro Cris e combats de L’Eglise em Amerique Latine. Foi a equipista Maria Thereza Romanó que leu este livro do Pe. Michel e me passou estes dados sobre o carinho de resultados na educação pública francesa.

Juan Dumont que conviveu com ele, quase desde o início das Equipes Docentes, assim escreveu: “era capaz de dedicar horas e dias para refletir com três ou quatro normalistas perdidos no interior, convencendo-os de que era um grande presente ser professor do povo em uma escola pública e que ser sal e fermento no mundo da educação era o nosso papel de cristãos”.

Ele sempre repetia esta oração, conforme informou Heléne Prouet: “Meu Deus, te ofereço a minha vida pelos professores, pela Igreja e pelo Mundo”.

Numa de suas cartas, escrevia “o que caracteriza as equipes é a sua capacidade de abarcar cinco dimensões de nossa vida e nossos compromissos: a dimensão educativa – que é a base nas equipes docentes -, a sindical do magistério, a familiar, a política e a da comunidade de Fé e de Igreja”.

Mesmo doente – com Mal de Parkinson – dedicava momentos importantes de sua vida aos professores, seja pessoalmente ou por meio de seus escritos, principalmente cartas. Os dois últimos anos foram de extremo sofrimento, por não conseguir falar, logo ele que tanto usara da palavra para animar os professores.

Juan Dumont conta sobre os últimos dias de Michel nesta terra: “Diálogo y Cooperación tinha seu Secretariado no quarto andar da torre da Igreja do Espírito Santo, em Paris; o Padre morava em seu quarto no sexto andar, rodeado de anotações, de livros e de lembranças da América Latina. Sentado, silencioso, às vezes com um lenço sobre a cabeça, escondendo os olhos… Uma enfermeira israelita, Chantal, ia duas vezes por dia; um

estudante africano, muçulmano, Sidy, cuidava dele à noite; às vezes passava uma equipista da Tailândia, Valai, oferecendo-lhe um pouco de sua paz… Assim, Michel foi universal, ecumênico até na sua doença! Michel, o homem forte, o fundador do movimento, o peregrino tomado pela paixão do magistério e de sua evangelização. O Paulo moderno, o profeta, o homem de Igreja e, ao mesmo tempo, questionador na Igreja. O assessor exigente, convidando-nos, obrigando-nos” a caminhar, a anunciar a Boa Nova no mundo da educação. O construtor de leigos comprometidos, competentes… Michel o forte Michel POBRE…”

Michel Duclercq, o viajante incansável fez a sua última viagem, a sua ressurreição, no dia 8 de agosto de 1988, para a casa do Pai.

O dia 8 de agosto de todos os anos é o Dia Internacional das Equipes Docentes dos quatro continentes. Nesta data, nós equipistas, revivemos nossa gratidão e homenagem a este professor de professores que nos amou e confiou em nós com grande esperança, convencido do sentido de nossa ação no Projeto de Deus. Porém, como diz Juan Dumont, referindo-se aos equipistas: “Não queremos ser conservadores de museus, mas filhas e filhos de profetas… PROFETAS!… E em comunidades cristãs de educadores PROFETAS…” O movimento das Equipes Docentes continua a serviço dos mais pobres.

Bonifácio Solak

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