O rosto dos pobres crucificados; Igreja em saída

Somos um povo em marcha, que tem o sonho e a utopia do bem viver numa “terra sem males”, em um mundo de irmãos, na sinodalidade, onde se respira o esperançar do Reino de Deus no aqui e agora da história.

Por: Marlise Ritter

Sabemos, contudo, que a realidade brasileira apresenta inúmeros desafios a serem superados para nos aproximarmos deste sonho da vida em plenitude (Jo 10,10). Não está sendo fácil encarar o acelerado aumento dos preços dos alimentos básicos da mesa do povo brasileiro. A fila dos empobrecidos, marginalizados, excluídos, invisibilizados aumenta a cada dia e não é somente uma consequência da pandemia do coronavírus. As notícias são assustadoras e ficamos estarrecidos em relação a população que está abaixo da linha de pobreza, ou em extrema pobreza, conforme dados publicados pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Cidadania no início de maio deste ano (disponível em: https://clicrdc.com.br/economia/extrema-pobreza-no-oeste-de-sc-e-a-maior-em-7-anos/).

O sistema político, econômico vigente, não consegue dar conta da demanda. Há toda uma construção, confluência de interesses onde a grande maioria da população não é contemplada. Então nos perguntamos: onde chegaremos com tudo isso? É o próprio sistema produzindo uma população de alienados, conformados com a situação? O que podemos fazer para não continuarmos sendo uma massa de manobra? Como ir na contramão deste projeto? Sabemos das consequências desastrosas que isso está gerando na nossa sociedade, na vida das pessoas, no mundo como um todo. Ninguém escolhe ser pobre, estar nesta situação ou chegar neste ponto. Difícil profetizar, denunciar, mas o sistema capitalista voraz produz o resultado que estamos sofrendo, ou seja, os rostos dos crucificados hoje que clamam até aos céus. É o próprio Cristo sendo crucificado hoje, em pleno século XXI, segundo os Bispos em Aparecida (2007):

Nos desempregados e nos trabalhadores vítimas de salários injustos;

Nas pessoas que sofrem as consequências do coronavírus;

Na mulher discriminada e vítima da violência doméstica;

No jovem impedido de estudar;

Na criança, no menor abandonado;

Nas pessoas que sofrem por causa dos desvios de dinheiro público (pela corrupção);

Nos migrantes;

Nos enfermos;

No povo em situação de rua;

Nas lideranças criminalizadas e ameaçadas por causa de seu trabalho na comunidade na defesa da vida, da terra, das águas e dos territórios;

Nas pessoas vítimas do Tráfico Humano: Crianças (tráfico de órgãos), Jovens e Mulheres (tráfico para a exploração sexual), trabalhadores e trabalhadoras (tráfico para o trabalho escravo);

Nas famílias que possuem dependentes do álcool e das drogas;

Nos idosos esquecidos pelos seus familiares;

Nas pessoas que sofrem preconceito por causa da cor da pele, do gênero, da região onde nasceu ou vive e da sua condição social;

Nas vítimas da violência no trânsito.

Nos Povos Indígenas, Ribeirinhos, Pescadores artesanais e Quilombolas ameaçados em suas Terras, Águas e Territórios (Onde está isso).

Neste contexto, revisitamos o Documento de Aparecida que traz o rosto do Cristo no povo sofredor nº 32:

No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo Pai, nesse rosto doente e glorioso, com o olhar da fé podemos ver o rosto humilhado de tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua vocação à liberdade dos filhos de Deus, à plena realização de sua dignidade pessoal e à fraternidade entre todos. A Igreja está a serviço de todos os seres humanos, filhos e filhas de Deus”.

Diante deste cenário, mesmo que tenham se passado mais de 15 anos do Documento de Aparecida, a realidade continua interpelando: “os rostos sofredores que doem em nós” (Doc. Ap. 8.6). Cristo crucificado continua presente hoje, esperando a nossa resposta, de um Laicato vivo, presente na Igreja e na Sociedade, maduro na fé e sensibilizado pela dor dos que sofrem. Um Laicato capaz de sair para as periferias geográficas e existências, para as fronteiras, nos novos areópagos modernos. A família, areópago primordial; o mundo da política; das políticas públicas; do trabalho; da cultura e da educação; das comunicações; o cuidado com a Casa Comum entre outros campos de ação.

O Papa Francisco sugere alguns critérios gerais para ação evangelizadora dos cristãos leigos no mundo: “A ação evangelizadora inclui a opção preferencial pelos pobres, a solidariedade, a defesa da vida humana, especialmente onde ela é negada ou agredida. Defende a dignidade da pessoa humana, o cuidado com a criação, a inclusão social, a justiça e a paz, a liberdade religiosa, o direito de objeção de consciência. O imperativo da encarnação na realidade exige proximidade, diálogo, encontro e compromisso. Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Não se vive melhor fugindo dos outros, negando-se a partilha, fechando-se na comodidade. Isso não é senão um lento suicídio” (Doc. 105 CNBB, nº 248:d).

Como Povo de Deus, Cristãos Leigos e Leigas, batizados/as encontramos em Jesus o exemplo, o testemunho, o Caminho, por onde devemos seguir, iluminados pelo Evangelista São Marcos somos conclamados a viver com compaixão. “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se dela, porque era como ovelhas que não tem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34).

Marlise Ritter
Cristã Leiga, casada, mãe de um filho, cursou Ciências Religiosas, História, Pós-grad. em Administração.
ntegra o CNLB Regional Sul4 e Partilha de Carismas.

Bibliografia:

  1. CELAM. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Edições Paulus, 18ª reimpressão 2019.
  2. https://clicrdc.com.br/economia/extrema-pobreza-no-oeste-de-sc-e-a-maior-em-7-anos/
  3. https://www.cnbb.org.br/cristo-crucificado-ontem-e-hoje/

plugins premium WordPress