Ambientalistas encaram a encíclica Laudato Si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum, apresentada quinta, 18, pelo papa Francisco, como um “presente” que deve alavancar ainda mais as discussões de todo o mundo sobre a urgência da preservação da natureza. A 298º encíclica da História da Igreja Católica é a primeira que traz o questão ambiental em seu cerne. Papa Francisco dividiu a carta em uma introdução, seis capítulos e duas orações finais – 192 páginas, no total.
A reportagem é de Edison Veiga, publicada pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 19-06-2015.
“O documento é um presente para a humanidade, independentemente da denominação de fé”, diz Carlos Nomoto, secretário-geral do WWF-Brasil. “No âmbito científico, já está comprovado de que a ação do homem sobre a natureza é que está provocando as mudanças climáticas atuais; as grandes empresas já perceberam que precisam adotar uma estratégia que cuide do meio ambiente; e os governos já entenderam que é mais barato cuidar da natureza do que arcar com as consequências, em todos os quesitos. A encíclica do papa Francisco vem complementar esses três aspectos, trazendo embasamentos éticos e morais.”
“Recebemos de forma positiva a clareza e a franqueza da encíclica sobre a necessidade de ação política internacional diante das mudanças climáticas, que faz prevalecer interesses específicos em detrimento do bem comum. As palavras do papa devem servir para afastar os governantes de seu comportamento apático”, acredita Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil. “Temos a fé e a ciência do mesmo lado e os governantes devem seguir o exemplo, chegar aos acordos que precisamos e colocá-los em prática. No Brasil, isto significa acabar com o desmatamento e investir em energias renováveis, como a solar.”
Radicalismo
Carta encíclica é como são chamadas as circulares papais, documentos enviados pelo sumo pontífice da Igreja Católica aos bispos do mundo todo e, por extensão, a todos os fiéis. O termo foi introduzido pelo papa Bento XIV, cujo pontificado durou de 1740 a 1758. Nesses documentos, os papas costumam tratar, de forma doutrinal, de todos os temas. Embora não sejam consideradas “definições infalíveis”, as encíclicas merecem respeito e submissão – ou seja, ninguém na Igreja Católica pode escrever algo em contrário ao ensinamento desse tipo de documento.
Já eram fortes os indícios que em sua primeira encíclica solo – Lumen Fidei, de julho de 2013, havia sido iniciada porBento XVI – Francisco abordaria a questão ambiental. Na última segunda, um último rascunho do documento, em italiano, vazou – foi antecipado pela revista italiana L’Espresso. Foram observadas apenas três mudanças, todas mínimas, entre a versão publicada anteriormente e a oficialmente divulgada ontem: há na hifenização de algumas palavras, uma nota de rodapé trocada de lugar e a substituição de “Senhor” por “Deus” em um trecho.
“Confesso que me surpreendi com o posicionamento radical de Francisco acerca do tema ambiental”, comenta o jurista, diplomata e economista Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. “Imaginava um teor mais moderado. Embora a linguagem seja moderada, o discurso é muito radical, em sua essência. Francisco afirma que se não houver uma mudança total no sistema de organização da economia, da sociedade e da distribuição, o problema ambiental não terá solução. E ele repete uma ideia que não é nova dentro da Igreja, mas é radicalíssima: a necessidade de criação de uma alta autoridade internacional, uma espécie de governo supranacional.”
Ricupero lembra, entretanto, que não se pode esperar uma solução prática de um documento papal. “É próprio de uma autoridade religiosa ter esse lado profético. Ou seja: não é algo que vai ser plenamente acatado, mas sim uma advertência para os perigos que o mundo corre, portanto tem um impacto grande mas apresenta um nível de exigência além do que as pessoas podem aceitar”, analisa.
Ele diz ainda que o que mais impressionou no documento papal foi a ideia do “decrescimento” como algo necessário. “É uma postura diferente da Organização das Nações Unidas e mesmo muitos ambientalistas não chegam tão longe. Afirmar que deve ser necessário que sociedades muito avançadas aceitem a ideia do decrescimento, essa ‘volta para trás’ é uma das ideias mais radicais que já vi dentro do movimento”, acrescenta Ricupero.