‘Plasmar a Igreja com rosto indígena’

A pauta de realização do Sínodo para a Amazônia, em 2017, percorreu becos e ruas em caminhos além do mapa oficial até ser concretizada na grande reunião de outubro de 2019 na cidade do Vaticano. Os encontros nas cidades e em comunidades pan-amazônicas constituíram-se em um histórico movimento de escuta cujos relatos ainda hoje palpitam e pedem providências.

Por: Ivânia Vieira

O acervo produzido pela série de reuniões pré-sinodais ocorridas no Brasil e em outros países amazônicos é um valioso compêndio atualizado das realidades do mundo pan-amazônico. Nele, em primeira pessoa, são narrados os dramas, dilemas, as denúncias, reivindicações e os empreendimentos criativos confeccionados por essas populações submetidas a processos históricos de espoliação e rejeição à existência digna. É possível que os sistematizadores dos documentos, envolvidos na árdua tarefa de compilar as diferentes contribuições que cada reunião gerava, não tenham tido o tempo necessário à degustação do material resultante da escuta realizada e compreender o quão profundas são as falas.

Na atualidade da América Latina, na Região Pan-Amazônica e no Brasil, retomar os documentos representa ensaios de memorização das lutas dos povos dessa parte do mundo pela garantia de direitos humanos e dos direitos conquistados hoje sob ameaça de revogação. À Igreja viva, clero e leigos, se colocou nessas andanças como ouvinte e observadora atenciosa dos relatos e das realidades daquelas e daqueles reconhecidos como ‘povo de Deus’ e com eles está comprometida e ressignificada.

A caminhada e a escuta não encerraram com o sínodo. Continua e pede a encarnação dos compromissos assumidos pela Igreja no antes, no durante e nesse depois da assembleia sinodal. Há quatro anos, por ocasião do lançamento, pelo visionário Papa Francisco, do projeto do Sínodo para Amazônia, os indicadores socioeconômicos e políticos eram outros. Estão substancialmente agravados tanto pela eleição de governos autoritários, dos ataques aos povos e às florestas, no agravamento das condições climáticas quanto pela pandemia da Covid-19. As desigualdades sociais e econômicas somadas às condutas antidemocráticas de vários governos, como o do Brasil, atuaram e atuam na expansão da violência, na produção da miséria e da fome em larga escala.

Rever alguns dos compromissos assumidos no Sínodo, colocá-los em destaque e revitalizar as ações em torno deles é emergencial. Nesse posicionamento está a possibilidade de agir em sintonia com a rede de esperança, criada na vivência sinodal, e de ser instrumento para acalmar os que estão em aflição, acuados pelo desemprego, pela falta de renda, a fome literal, pelas doenças e sem acesso ao tratamento, por aqueles que lidam, cotidianamente, com as ameaças de morte, pelos que estão sendo expropriados de suas terras.

Mulheres, povos indígenas, povo preto, as juventudes fizeram ressoar as histórias de vida na Amazônia e na Pan-Amazônia. Que essas histórias feitas de dor, lágrimas e de alegria, sejam corpo, alma e coração dos que fazem a Igreja ser andarilha, ouvir, ver, sentir as e os colocados como pessoas invisíveis. É o outro e fundamental jeito de ser evangelizador e evangelizadora. Como pede o Papa Francisco, é preciso encarar a missão de “plasmar uma Igreja com rosto amazônico e com rosto indígena”.        

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*Jornalista e Profª na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (FIC-UFAM), membro-fundadora do Fórum de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas (FMAC).   ­­­­­­­

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