O subfinanciamento do Sistema único de Saúde (SUS) é um dos principais fatores que impedem o cumprimento do princípio que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, estabelecido na Constituição Federal.
I. DAS LUTAS ANTECEDENTES
Além de comprometer a oferta de serviços de qualidade, o subfinanciamento restringe a possibilidade de se promover inclusão social, bem como um modelo de desenvolvimento que reduza as desigualdades socioeconômicas e dinamize a economia nacional.
Em 2013, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) mobilizou e unificou a luta da sociedade brasileira em prol da ampliação do financiamento de um sistema público e de qualidade na atenção à saúde, reunindo mais de 2,2 milhões de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular o Saúde+10 (PLP 321/2013) com a proposta da alocação mínima de 10% das Receitas Correntes Brutas para o orçamento federal do SUS.
Esse projeto de lei não foi aprovado pelo Congresso Nacional, que em seu lugar votou a Emenda Constitucional nº 86/2015 (EC 86/2015), desrespeitando a vontade popular: esse novo critério de apuração da aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) estabeleceu um escalonamento progressivo de percentuais – de 13,2% em 2016 a 15,0% a partir de 2020 – da Receita Corrente Líquida (RCL). O CNS denunciou à época que isso representaria uma redução orçamentária e financeira para o SUS, como ficou comprovado – a despesa empenhada em ASPS representou 14,8% da RCL em 2015.
II. DA PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 01/2015 (PEC 01/2015) QUE AMPLIA OS PERCENTUAIS DE APLICAÇÃO MÍNIMA EM ASPS PARA A PEC 241/2016 QUE REDUZ OS RECURSOS PARA O SUS
O CNS assumiu então a luta pela aprovação da PEC 01/2015, que foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados com os votos da base governista e da oposição em abril de 2016, que amplia o escalonamento progressivo de percentuais da 2 RCL – 14,8% no primeiro ano de vigência a 19,4% a partir do sétimo ano de vigência. Os deputados começavam a reparar o grave erro cometido com a aprovação da EC 86/2015.
Porém, em junho de 2016, a sociedade brasileira foi surpreendida com o encaminhamento pelo governo federal da PEC 241/2016 à Câmara dos Deputados, que trata do “Novo Regime Fiscal”. Em síntese, essa proposta estabelece um “teto” para as despesas primárias (as financeiras, como juros, continuarão sem nenhum limite) nos níveis pagos em 2016 (corrigidos pela variação anual do IPCA) por um período de 20 anos (2017 a 2036).
Para o caso das despesas com saúde, a PEC 241 estabeleceu um piso diferente daquele fixado pela EC 86/2015 a partir de 2017: 13,2% da RCL de 2016 (corrigido pela variação anual do IPCA) – base fixa que será achatada pela queda de arrecadação tributária no contexto da recessão econômica. Trata-se de um pesado estrangulamento financeiro para o SUS:
- inviabiliza o aumento dos percentuais de aplicação em ASPS previstos pela PEC 01/2015 já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados
- (ii) reduz o piso para ASPS em comparação ao da EC 86/2015 que já era insuficiente
- (iii) esse novo piso desvincula a evolução do gasto ao crescimento do PIB nominal e da própria RCL, além de não considerar o crescimento da população e os custos crescentes do setor (magnitude inferior aos valores aplicados nos últimos anos já congelados entre 1,6% e 1,7% do PIB nos últimos anos
- (iv) considerando o teto estipulado para o conjunto das despesas primárias, na prática, o piso se tornará de forma impositiva o teto do gasto.
Se for adotado como referência o padrão de despesas de 2014 (maior da série), pode-se dizer que:
a) o valor a ser empenhado em 2016 não poderia ser inferior a R$ 113,7 bilhões (enquanto a disponibilidade orçamentária segundo o Decreto 8784 é de R$ 106,9 bilhões, portanto, R$ 6,8 bilhões a menos em termos reais);
b) o valor da programação orçamentária de 2017 não poderia ser inferior a R$ 119,2 bilhões1 (enquanto o valor da PLOA 2017 para ASPS incluindo o valor das emendas impositivas será de R$ 110,1 bilhões, portanto, R$ 9,1 bilhões a menos). Portanto, o CNS denuncia as perdas de recursos para o SUS em 2016 e 2017, que serão ainda mais elevadas se a PEC 241/2016 for aprovada pelo Congresso Nacional.
III. Não à PEC 241/2016
O CNS diz “NÃO” à PEC 241/2016, porque a essência dela é o corte de despesas primárias ao arrepio dos atuais direitos constitucionais para fazer valer o superávit primário nos próximos 20 anos, “corte” este expresso pela lógica da correção dos gastos tão somente pela variação anual do IPCA.
Se for aprovada a PEC 241/2016, haverá redução no orçamento do Ministério da Saúde nos próximos anos, desrespeitado o princípio da vedação de retrocesso, conforme fundamentação recente da procuradoria Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a EC 86/2015. Para exemplificar, na redação original encaminhada ao Congresso Nacional, a PEC 241 fixa o mínimo em R$ 98,3 bilhões2 para 2017 (abaixo dos R$ 119,2 bilhões necessários para manter o nível das despesas de 2014 conforme apurado na seção anterior, ou seja, inferior em R$ 20,9 bilhões).
Diante da evidente queda de recursos para o SUS denunciada pelo CNS e por demais instituições e movimentos que defendem a saúde pública universal e gratuita, houve um recuo do governo manifestado no anúncio do Sr. Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Sr. Deputado relator da PEC 241/2016 na Câmara dos Deputados, Darcisio Perondi (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-10/meirelles-diz-que-pontos-fundamentais-da-pec-dos-gastos-serao-mantidos Acesso em 04/10/2016): valerá para a saúde em 2017 a aplicação mínima de 13,7% da RCL3 nos termos definidos atualmente pela EC 86/2015, que corresponde a R$ 103,9 bilhões, isto é, também abaixo dos R$ 119,2 bilhões (diferença cai para R$ 15,3 bilhões).
A partir de 2018, segundo o anúncio das autoridades, esse mínimo será corrigido pela variação do IPCA medida em junho de cada ano, ou seja, a redução de recursos se aprofundaria a partir de 2018 e até 2036. Mas, nesse anúncio das autoridades, nada foi comentado em relação ao texto já aprovado do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017 (PLDO 2017), que estabelece para o próximo ano, além do mínimo de 13,7% da RCL da EC 86/2015, um outro valor de referência para o financiamento do SUS: o valor empenhado em 2016 corrigido pela variação do IPCA, que foi definido no citado anúncio das autoridades em 7,2%; considerando que serão empenhados em ASPS pelo Ministério da Saúde em 2016 os R$ 106,9 bilhões que foram disponibilizados no Decreto 8784, o valor de 2017 não poderia ser inferior a R$ 114,6 bilhões, o que representaria uma diferença de recursos para o SUS bem menor em comparação aos R$ 119,2 bilhões apurados anteriormente para manutenção dos níveis de 2014 (ou seja, haveria uma perda de R$ 4,6 bilhões). O que pode representar o silêncio das autoridades: esconder que esse dispositivo será revogado se a PEC 241/2016 for aprovada ainda este ano e, com isso, que a perda já em 2017 para o SUS seria mesmo os R$ 15,3 bilhões?
Mais uma vez o CNS denuncia que a mudança constitucional na regra de cálculo da aplicação em ASPS trará perdas para o SUS, mas desta vez muito maiores que antes, inclusive porque o “teto” geral de despesas reduzirá as despesas sociais com sérias implicações para as condições de saúde da população.
O Congresso Nacional está diante de uma oportunidade histórica de reparar o erro cometido quando da aprovação da EC 86/2015: basta votar contra a PEC 241/2016, mas para o isso o CNS precisa mobilizar a sociedade contra esse ataque à Constituição de 1988 e aos direitos sociais.
Para o governo, o principal problema fiscal do Brasil é a vinculação constitucional, que garante a aplicação mínima para a saúde e educação: além de não ser verdade, representa uma ameaça ao bem-estar das famílias e dos trabalhadores, para priorizar o pagamento de juros e amortização da dívida pública.
Uma coisa é debater um ajuste fiscal que patrocine justiça distributiva; outra coisa muito diferente é aceitar algum tipo de “remendo” na PEC 241/2016: não podemos, tampouco devemos aceitar propostas que apenas tentem revisá-la. Afinal, o “teto” de despesas representará a deterioração das condições de vida da população, o que significa deterioração das condições de saúde da população pelo conceito da Organização Mundial de Saúde. É uma ilusão acreditar que alguma mudança na PEC 241 poderá ser benéfica para a seguridade social, assim como não será certamente para a saúde e a educação – essa “fragmentação” inexiste. Se não lutarmos firmemente contra a aprovação da PEC 241/2016, perderemos os direitos de cidadania pressupostos na Constituição de 1988.
Há alternativas de modo a preservar o interesse da maioria dos duzentos milhões de brasileiros – que teriam seus direitos suprimidos com a aprovação da PEC 241/2016. Por exemplo: rever a renúncia fiscal (gastos tributários), que está projetada acima de R$ 300 bilhões para os próximos anos; rever a legislação do IR, para criar faixas de rendimentos superiores às atuais com alíquotas mais elevadas (de modo a tributar os que estão no topo da pirâmide social); rever a estrutura tributária, para que se reduza a incidência sobre produção e consumo e aumente a incidência sobre patrimônio, renda e riqueza; rever a isenção da tributação das remessas de lucros e dividendos, criar uma tributação sobre as grandes transações financeiras e sobre as grandes fortunas, bem como aumentar a tributação sobre tabaco, álcool, motocicletas entre outras iniciativas possíveis.
Da mesma forma, o CNS defende que, conjuntamente, sejam adotadas medidas para aumentar a qualidade do gasto público em geral, e da saúde em particular, com a adoção de mecanismos de gestão mais eficientes que, em última instância, requerem recursos para a modernização tecnológica para esse fim de modo a dar conta de um país com dimensão continental e fortes desigualdades regionais. No caso do SUS, é preciso também garantir que os recursos adicionais sejam destinados para a mudança do modelo de atenção, para que a atenção primária seja a ordenadora do cuidado, e para a valorização dos servidores públicos da saúde, que refletirão na qualidade do atendimento às necessidades de saúde da população.
Desta forma, o CNS entende que a PEC 241/2016, se aprovada, aprofundará a atual política econômica recessiva, gerando desemprego, queda de renda e sucateamento das políticas sociais. Portanto defendemos uma mudança da orientação desta política para a promoção do crescimento e da inclusão social, reforçando o papel dos gastos públicos em saúde para impulsionar o desenvolvimento e para reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Não à Recessão e ao Desemprego!
Não À PEC 241/2016 que levará ao Desmonte do SUS e à Redução de Direitos Sociais!
O CNS defende uma nova Política Econômica e uma outra forma de solução das contas públicas que respeite a Constituição-Cidadã!
Brasília 04 de outubro de 2016
RONALD FERREIRA DOS SANTOS
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
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