Refletindo sobre a Realidade Educacional do Brasil de hoje, especialmente a paulista.

Pensando na Construção de um modelo educacional compatível às necessidades da população.

I. Introdução

              Se não houvesse educação cada geração teria que começar tudo que a humanidade conquistou, impossibilitando o desenvolvimento. Em cada momento histórico se cria um modelo de sociedade onde são transferidos valores, regras e normas adequados as novas gerações, que desde cedo vão aprendendo as instruções, os conhecimentos e as regras para viverem naquela sociedade. Não há cultura sem qualquer forma de educação. Mesmo as culturas primitivas, ágrafas, que não constituíram programas de ensino com metodologia específica e definida ou com método definido de ensino deixam de transmitir seu idioma, as técnicas de produção e sobrevivência, as tradições culturais, os gostos pela culinária, as crenças e os valores do grupo.

                Como fala Juan Dumont- “Devemos viver no mundo de hoje, se queremos construir o mundo de amanhã. Devemos pensar que esse mundo não começa hoje, mais que tem raízes que devemos conhecer e não cortar” (texto:  As Equipes Docentes e os Educadores de hoje e do amanhã-01/11/2005)

                Há necessidade de uma análise séria e completa da realidade vivida, um diagnóstico bem feito de como essa educação cultural, hoje, está sendo passada pelas famílias, escolas e outras instituições responsáveis. Tem que se verificar o que deve ser mantido, alterado ou suprimido se quiser resposta a essa questão de transmissão cultural e se, os novos valores e pressupostos formativos usados, estão coerentes com aquilo que se quer transmitir aos jovens no Brasil.

               A escola é uma das únicas instituições sociais que garante o presente e o futuro de homens livres e democráticos numa sociedade. Deve considerar que ela é o lugar que permite crianças e jovens aprender e receber a herança da humanidade e a defender-se de ameaças sociais, (como violências, humilhações, mentiras, exploração sexual, fome, preconceitos e discriminações), tornando-se cidadão respeitado e digno.

    II. Atual dilema e problemas da educação

              Estamos vivendo hoje uma crise política no Brasil extremamente séria que se expressa, entre outras coisas, num governo de centro-esquerda, no qual muitos de nós colocamos todas nossas expectativas, esteja participando de políticas econômicas e educacionais bastante contraditórias, tendo que conviver com um Congresso majoritariamente de direita e extrema direita, além de profundamente conservador e corrupto.

                O governo de São Paulo, sob a gestão do governador de extrema direita Tarcísio de Freitas (Republicanos), está implementando o projeto “Novas Escolas” através de uma parceria público-privada (PPP) para construir e “modernizar” 33 unidades escolares, atendendo 35 mil estudantes dos ensinos fundamental e médio (São Paulo [2024). Tarcísio/Feder estão fazendo substituição de livros didáticos – avaliados e aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático – por materiais digitais (slides) de qualidade, no mínimo, duvidosa; utilização de Inteligência Artificial para a confecção dos materiais digitais; plataformização irrestrita da educação por meio do uso compulsório de inúmeros aplicativos e recursos digitais tanto para atividades administrativas quanto para as atividades pedagógicas, afetando profundamente – e negativamente – o processo de ensino-aprendizagem e o controle do trabalho docente. Estão também estimulando a aprovação do programa que institui as escolas cívico-militares no estado, transferindo para quadros da reserva da Polícia Militar as funções administrativas e disciplinares das escolas, sob o argumento de que melhora o desempenho acadêmico dos estudantes. O decreto publicado no último dia 11 de junho deste ano concretiza a iniciativa que já vinha sendo noticiada há tempos e faz parte do pacote de “desestatização”, um dos pilares da gestão de Tarcísio em São Paulo, junto com a política de segurança pública baseada no aval para a violência policial, no punitivismo e no populismo penal.

                      O processo de plataformização que hoje às escolas paulistas do ensino fundamental e médio estão vivenciando é uma tecnologia que não se trata apenas de mudar “o que” e “como” fazemos as coisas, mas também “quem somos”. Trata-se de uma nova privatização de algum bem público do Estado, num ritmo e sem debate público sem precedentes, às vezes até de forma sigilosa. É um conjunto de mudanças que pretende ressignificar o sentido público da escola, deixando a comunidade escolar sem margem de manobra para promover uma escola pública democrática, reflexiva, que ofereça as ferramentas e os conhecimentos para que o estudante questione sua condição social e que é passível de mudanças. Esse processo significa a imposição do uso de plataformas que padroniza o processo pedagógico e que há uma intensificação do controle do trabalho docente. As escolas paulistas receberam este ano um pacote digital coordenado pelo Centro de Mídias (CMSP) com 11 plataformas digitais para uso de professores e estudantes.( conjunto de atividades no formato de questões objetivas que os estudantes recebem diretamente pelo aplicativo para responder nas suas casas no prazo de dois dias após a realização da aula correspondente) Outro exemplo é a plataforma Leia SP. Contém um conjunto de livros, avalia o progresso de leitura pelo tempo que o estudante demora e perguntas obrigatórias, que acompanham cada livro, para serem respondidas pelos alunos. É apresentada ao professor como uma solução digital para que possa fazer um “acompanhamento correto de sua turma”.

                   O professor não tem nenhuma autonomia na definição dos conteúdos nem na organização de suas aulas, diminuindo ou anulando o espaço de participação, de consulta e reflexão, danificando a construção do pensamento crítico dos estudantes. Através delas é possível a verificação diária pela direção da escola, pela diretoria de ensino e pela Secretaria de Educação da frequência dos alunos e do uso das plataformas na escola em tempo real, intensificando o controle do trabalho docente e da aprendizagem dos estudantes, modelado pela Secretaria. Os diretores são obrigados a assistir pelo menos uma aula por semana de cada disciplina e registrar um relatório no sistema. Significa uma reconfiguração da gestão educacional que se baseia na gestão de dados, como principal e única fonte de informação e controle, que diferentes autores têm chamado de capitalismo de vigilância, capitalismo de plataformas.  Na realidade o que se pretende é a transferência direta de recursos públicos para a iniciativa privada- programa de parceria de Investimentos de Estado (PPI-SP) envolvendo um investimento de R$2,1 bilhões, prevendo construção, adequação e manutenção predial das escolas públicas, com a promessa da metade delas serem entregues em 02 anos e o restante até janeiro de 2027.

    III. Sugestão de proposta alternativa

                   Diante desses graves problemas que nossa escola pública paulista na atualidade está vivendo, penso que nós professores do Movimento Equipes Docentes do Brasil, com nosso carisma e determinação, podemos mobilizar professores e simpatizantes da causa para retomada de uma escola pública de qualidade que venha cumprir verdadeiramente suas funções sociais. Temos que nos fundamentar nos valores humanos historicamente comprovados que garantam a democratização da educação com a estruturação e organização de escolas públicas que possibilitem a melhor forma de aprendizado da população de idade escolar no Brasil principalmente aquelas mais desfavorecida economicamente. Temos que considerar a Escola pública como instituição laica, pertencente a todo o povo do País, com religiões ou seitas diversas. Temos de considerar os serviços públicos, principalmente a escola pública e o SUS (Serviço de Saúde Único) no Brasil, como as instituições especiais capazes de assegurar educação e saúde ás classes desfavorecidas, dentro do espírito de igualdade, da verdadeira liberdade e da fraternidade ou solidariedade que devemos valorizar.  Temos que saber viver os valores de Cristo principalmente, entre e com os pobres e oprimidos. Como leigos temos que propor a elaboração em cada escola pública de projetos educativos que venham atender as necessidades prioritárias de sua clientela. Nossa atuação política deve estar pautada em um modelo de sociedade que respeite os direitos da pessoa humana e que esteja a serviço das classes populares.  Não podemos deixar que transformem nossas escolas em escolas cívicas-militares, ou privatizem gestões escolares, com o único objetivo de fornecer privilégios aos compadres de grupos políticos que dominam o poder, que pretendem enriquecer acumulando verbas do Estado (como propõe essa direita política do Estado de São Paulo, espelhando-se na direita Estado do Paraná). Temos que lutar para não mais sermos povo racista, vencido, apático e colonizado. Mas sim, povo civilizado que sabe o que quer e por que quer ser cidadão brasileiro. Temos que ampliar adesões e comprovar a validade das propostas construídas pelas comunidades escolares.

                      Precisamos para isso, agora, analisar a conjuntura dessa quadra da história brasileira e compreender o papel das forças progressistas, democráticas e da esquerda radical no confronto direto a essa ofensiva ultraliberal da extrema-direita. Como convocou Franz Fanon: “cada geração tem que descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la” (Fanon, 2022, pág. 207. Temos que fazer um enfrentamento que começa no nível mais basal da realidade, desfascistizando as relações cotidianas e criando todas as barreiras necessárias para o avanço das políticas privatizantes.

       Podemos, propor etapas ou níveis de trabalho conjunto:

               1) Num nível político= ação conjunta de preparação, organização e propostas de ação, visando atingir os objetivos acima propostos, que serão estabelecidos, pelos participantes do trabalho, após discussão, seleção e definição de metas e estratégias que se pretendem alcançar.

             2) Num nível Documental= produzir, na medida em que vai estudando, conteúdos significativos, sabendo ouvir, refletir e registrar sobre aquilo que diz respeito ao assunto, acrescentando tudo o que está descobrindo nas pesquisas ou nas leituras e recolhendo depoimentos de cada um, como protagonista que está fazendo material e reflexão da prática e das teorias pedagógicas sobre os assuntos pertinentes ao trabalho a ser executado; selecionando notícias, artigos, documentos que venham ajudar na reflexão e solução dos propósitos estabelecidos.

            3) Num nível de Divulgação: que o resultado dos trabalhos de pesquisa conseguido esteja disponível a todos participantes e conhecidos por outros grupos que estejam trabalhando na procura de melhoria da educação, conscientizando os participantes e toda a população do País do que foi detectado e definido como tarefa a ser atingidas pelas mudanças:

      a)     explicar os motivos ou razão do por quês das ações assumidas;

      b)     preparar os programas ou propostas de novos agir dos sujeitos, de forma a poder recuperar ou construir fatos, elementos, instrumentais fundamentais e novos ao processo de busca de solução=estabelecendo metas de ação;

      c)        procurar envolver o maior número de professores, engajando-os na busca de saídas para os impasses que estão impedindo mudanças necessárias a uma educação de qualidade para os jovens brasileiros.

      4) Começar a luta propriamente dita- com denúncias, panfletagens e ações concretas.

      IV.   Participação no processo, no desenvolvimento e na avaliação.

               Um grupo como nosso- Equipes Docentes- com sua filosofia de vida e experiência “do que deve” e “como pode ser” feito, precisa-se disponibilizar e colaborar num trabalho conjunto de educadores conscientes em fazer o melhor para sua comunidade. Enquanto professores do Movimento Equipes Docentes do Brasil vamos destacar valores humanos fundamentais, que deverão nortear toda a ação grupal.  Temos que considerar a Escola pública como instituição laica, pertencente a todo o povo do País, compatíveis com religiões ou seitas diversas. Considerar os serviços públicos, principalmente da escola pública e do SUS (Serviço de Saúde Único) no Brasil, como aqueles prioritários para assegurar a educação e a saúde das classes desfavorecidas, dentro do espírito de igualdade, da verdadeira liberdade e da fraternidade e/ou solidariedade.  Temos que ter consciência de que não seremos cristãos se não soubermos viver os valores de Cristo principalmente, entre e com os pobres e oprimidos. Como leigos temos que propor a elaboração em cada escola pública de projetos educativos adequados as peculiaridades locais que venham atender as necessidades prioritárias de sua clientela, tornando sua escola verdadeiramente pública, cumpridora de sua essencialidade. Nossa atuação política deve estar pautada em um modelo de sociedade que respeite os direitos da pessoa humana e que esteja a serviço das classes populares. Considerando o não atendimento dos esforços conjuntos, dado tendências autoritárias que impeçam o trabalho conjunto há de bolar novas formas de agrupamento social que lutem pela superação do autoritarismo, pela defesa da vida e do bem–estar da comunidade.

                 Uma escola pública de qualidade, tem que ser socialmente referenciada para todos (as), com autonomia e gestão democrática que visem objetivos humanos coletivos e não propostas ideologizadas de um grupo privilegiado da sociedade. Além de Conselhos de Escola deliberativos e participação da comunidade, deve haver um projeto de qualidade para a juventude, bem como inclusão de creches, pré-escolas, grêmios estudantis, política salarial e valorização dos profissionais. Há de se respeitar os direitos de todos os servidores (funcionários, professores, pais e alunos), com contratação justa, garantia nos empregos e concursos públicos que impeça nepotismo e apadrinhamento. Deve ter cuidado com a saúde, possibilitando a facilitação de visitas de médicos e enfermagens (quando se fizer necessários) e o fornecimento de merenda escolar de qualidade nutritiva para alunos, professores e funcionários de modo que as condições de trabalho e de estudo sejam dignas para toda a comunidade escolar.

                 Dada as condições atuais de nossas escolas públicas no Brasil para construir este padrão apontado e fazê-las funcionar do modo como a desejamos, tem que se romper com essa série de obstáculos desafiadores:   privatização, transformações em modelos cívicos-militares, gestionamentos administrativos, uso de apostilas online, etc. (modelos que estão sendo implementados pelas gestão do governo Tarcisio/ Felder em São Paulo, agora).  É de fundamental importância as concretizações destas alterações. Temos que lutar pela formação de nossa juventude, torná-la seres humanos críticos, realistas, solidários, com capacidade de perceber e de agir favoravelmente, mudando no seu cotidiano todos aqueles fatores que poderão estar prejudicando a vida da coletividade. Temos que sensibilizar o professorado, principalmente o da escola pública, para se engajar nesse projeto.

                    Temos como Equipistas Docentes estar sempre alertando os demais companheiros educadores da necessidade de “desopacizar o mundo” e de continuar a colocar em prática a fala e os ensinamentos de Paulo Freire. Temos que ousar mais, denunciar mais, provocar reações emocionais mais fortes em alunos e professores diante da realidade nefasta que vive a educação, principalmente pública no Brasil. A nova geração de professores deve exigir uma boa formação, tendo em vista que recai sobre seus ombros a má qualidade de ensino e a responsabilidade sobre o próprio desenvolvimento do País. Deve suprir as deficiências pedagógicas existentes com novas tecnologias e conhecimentos.

                  A sociedade brasileira precisa valorizar mais seus educadores e propor uma política educacional séria, adequada à realidade nacional, que realmente atenda suas necessidades, sem medo de custos financeiros e inseguranças nas utopias e sonhos, que vise responsabilidade, eficiência, eficácia e satisfação a todos. Temos que priorizar a vida e os direitos cósmicos em oposição à morte   e a opressão, ou seja, lutar   contra tudo aquilo que vier obstaculizar a vida em sua plenitude. Temos que reafirmar uma eco pedagogia valorizando as mudanças, não só nas condições de vida humana, mas principalmente nas relações:

      – entre homem consigo mesmo: aquisição de novas visões de mundo;

      – entre homem com outros homens: respeito às diferenças humanas e culturais e superação das desigualdades sociais e

       – entre homem e natureza: repondo partes essenciais que pedem socorro – das plantas, das faunas e dos animais- impedindo e/ou dificultando o mal uso do solo, dos rios, dos mares e oceanos. Não permitindo que a natureza continue a ser meio para acumulação de capital.

               Se as escolas hoje no Brasil, principalmente no Estado do Paraná e de São Paulo têm impostos aos professores(as) e estudantes uma avalanche de plataformas tecnológicas sem qualquer diálogo ou reflexão crítica sobre o impacto no ensino-aprendizagem e nas condições de trabalho da categoria, temos que fazer recuar essas pretensões. As novas tecnologias podem ser usadas como ferramentas de apoio ao trabalho pedagógico, mas a escola não pode girar em torno delas. Precisamos resgatar a gestão democrática e a autonomia dos(as) educadores(as) em sala de aula. Entre os pontos negativos o risco de distração, a falta de interação humana e de acessibilidade, estão em destaques. Precisamos ajudar a superar esses problemas.

                 Ao invés de aprimorar a aprendizagem, as plataformas, impostas  pelas autoridades políticas educacionais estão piorando todo o processo educacional; a pressão para que se mantenha uma alta constância de uso alimenta práticas pedagógicas vazias, porém cheias de resultados verdes, bonitos e que caminham para reforçar um imaginário de que o professor é desnecessário, afinal os números altos (independentemente de como sejam produzidos) vão começar a indicar um desempenho melhor através do uso de telas. Portanto-  o fantasma da privatização da educação pública, que há anos nos assombra, vai ganhando contornos mais vivos e tenebrosos pois, mais do que privatizar, parece que o projeto é robotizar o ensino.

      V. Conclusão

                  Por fim, é importante dizer o óbvio: nenhum profissional comprometido com uma educação de qualidade é contra as “novas tecnologias”. Pelo contrário! Todos querem que os alunos tenham realmente um letramento digital, que saibam fazer diferentes tipos de pesquisas, que saibam usar inteligência artificial com pensamento crítico, que trabalhem para obter experiências conscientes e cidadãs dos usos de jogos, redes sociais, sites de entretenimento, etc. E neste aspecto as plataformas do governo não ajudam em nada.

                É preciso ficar em prontidão quanto a esse uso exagerado e, muitas vezes indevidos, da internet e das redes sociais pelas escolas. Se estão prejudicando temos que, coletivamente, solicitar dos autores esclarecimentos sobre seus objetivos e se, provarem realmente negatividade no processo educacional, solicitar sua suspensão. Não podemos esquecer verdades já ditas (escritas) que precisam ser valorizadas e compreendidas como as palavras de Paulo Freire: “é necessário educar com sentido, com participação, priorizando a cidadania, a criatividade, o brilho nos olhos, os vínculos e a politização. Sem isso, qualquer tecnologia que se venda como nova produzirá efeitos assustadoramente ultrapassados”.        

      Itu, 31/10 2024      

      POR: Nehy da Silva Martini

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