Religião, Laicidade e Democracia

Realizou-se de modo remoto o 33º congresso da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Soter. O congresso reuniu mais de 700 participantes que, ao final de quatro dias de estudos e debates, publicou a nota que aqui comentamos. Sem rodeios desnecessários, ela chama a atenção das Igrejas cristãs para a fidelidade à sua vocação profética.

Por: Pedro Ribeiro de Oliveira

Para avaliar a importância dessa manifestação, convém lembrar que os membros da Soter são professores ou professoras e estudantes de Institutos Teológicos e Cursos de Ciência/s da Religião, em sua grande maioria com título de mestrado ou doutorado. Sua formação superior em Teologia e ciências afins os obriga a buscar uma visão cristã da realidade em que vivemos, pois só assim a Fé cristã se atualiza e ganha efetividade no mundo atual. É diante desse imperativo intelectual que deve ser lida a nota difundida ao final do congresso.

Nela manifestam sua “preocupação e repúdio em relação à deterioração da democracia no Brasil.” Citam então “a violência policial, o aprofundamento da desigualdade social e da fome, a destruição ambiental, a agressão aos povos indígenas, o racismo estrutural, o sexismo e o crescimento do feminicídio” como sinais dessa perda de teor democrático em nosso País.

Dedicam especial atenção ao negacionismo, que “foi e é responsável por grande parte do número de mortos pela atual pandemia da COVID-19, que já ceifou mais de 530 mil vidas no Brasil. Este mesmo negacionismo agravou a crise econômica, levando a um enorme contingente de pessoas desempregadas e ao aumento da fome e da miséria”. Essa constatação obriga a Soter a usar palavras duras contra as Igrejas que se desviam de sua função profética e – pior – associam-se aos poderosos, em vez de ouvir os clamores de quem sofre.

Diante dessa realidade, fica claro que nem todas as Igrejas cristãs têm exercido seu papel “profético, crítico e libertador. Ao contrário, alguns grupos têm instrumentalizado a Religião, negado o caráter laico do Estado e promovido, ou reforçado, a deterioração de nossa democracia em nome de Deus, inclusive afirmando e praticando a intolerância religiosa”.

Essa instrumentalização da Religião a serviço de um governo viola o preceito de laicidade do Estado democrático e acaba por prejudicar as Igrejas que se deixam instrumentalizar. Ao receberem privilégios como isenções fiscais descabidas, elas recuam naquilo que lhes dá legitimidade, inclusive aos olhos de não-crentes: a defesa da Vida, da Ética e dos Direitos Humanos. Por essa razão, a nota coloca em destaque a função social da Religião: “Urge reafirmar que as Religiões devem estar a serviço da vida e não da morte.”

Recuperando a história recente do Cristianismo no Brasil, a Soter lembra que “em nosso país ele foi fundamental, juntamente com outras Tradições Religiosas, na luta pelos direitos humanos e pela redemocratização do Estado e da Sociedade”.

Por isso, a nota termina com um apelo profético: “Conclamamos hoje todas as lideranças religiosas a se colocarem na defesa incondicional da plena democracia, dos direitos humanos e da justiça social.”

Esta é a função socialmente construtiva da Teologia e das Ciências da Religião: perceber os apelos e clamores do mundo em que se vive e, inspiradas pela Palavra de Deus, propor caminhos de vida, e vida em abundância.

Pedro Ribeiro de Oliveira – Membro da Coordenação Executiva

Foto e texto: https://fepolitica.org.br/

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