Saúde de ontem e de hoje: uma evolução ou revolução de fatos

Quando criança, era a última escolhida para as partidas esportivas, era baixinha, gordinha e desprovida de agilidade física. Mas mesmo assim, ficava pulando e gritando: ME ESCOLHE! E isso não era nem de longe bullying.

Por Emanoela Maria Rodrigues de Sousa

Isso só era a dinâmica que sem estranheza nenhuma acontecia na infância de crianças que sabiam de fato e direito o que podiam fazer para ser feliz. Porque mesmo sendo a última pessoa a ser escolhida, a gente pegava na bola… Pegava na bola ou pelo menos tentava fazer alguma acrobacia inusitada para que esbarrássemos na bola do jogo. Ora dava certo e o passe finalizava em ponto, ora não dava nada certo e o adversário comemorava. Um mundo onde a saúde de crianças que não usavam máscaras, que enchiam as mãos de poeira, mesmas mãos que pegava aquele pão com ovo suculento e levava a boca, tirando os cabelos do rosto que teimavam em atrapalhar a degustação.

Éramos crianças de pé no chão, de peito no vento, de piolhos nos cabelos. Éramos especiais, exponenciais poços de germes, bactérias, vírus, parasitas, de toda a microbiota que podíamos esbarrar na vida. Só não me lembro porque não vivíamos em corredores de hospitais, aguardando exames sofisticados, medicamentos caros e atestados que abonassem as faltas escolares. Por mais que eu procure teorias ambientalistas, miasmáticas ou super fantásticas, não me convenço do fato de que a minha velha infância do século passado não era recheada de teorias conspiratórias, de políticas reacionais a vacinas, de ideias negacionistas da história natural da doença e do processo de qualidade de vida.

Na minha infância, nós tínhamos medo do HIV, vírus que erroneamente achávamos ser coisa de gay… ignorantes sempre… até mesmo agora. Depois veio o medo do ebola, gripe suína, aviária… Preocupação com lavar a mão, preocupação em cobrir a boca durante tosse e espirro. Aí já não podia mais correr lá fora, jogar bola. Não se pulava mais, gritando ME ESCOLHE. Ficamos em casa jogando Mário Bros. Um carinha baixinho que entrava e saia dos esgotos, comia cogumelos para crescer e o final do jogo era apenas para salvar a princesa. Agora como saímos do Mário Bros e paramos no Free Fire?

Como deixamos a estratégia de comer cogumelos e salvar a princesa, para brincarmos de matar gente, roubar coisas e finalizar missão que não sejam de salvamento? Outra incógnita no meu limitado raciocínio evolutivo.

Hoje as palavras são reativas em redes sociais, na vida entre pares e nos pensamentos mais confusos. Palavras e pensamentos reacionais que seguem manadas. Ressalvo que reação não requer comprometimento com reflexão.

Reagir é tão instintivo como a teoria da sobrevivência. Seguir o grupo, sem pensar nos passos, sem propósitos de pensar no objetivo, porquês e finalidade dos passos futuros. Só lemos os comentários e mandamos o nosso, baseado na reação que mais nos chama a atenção.

Parar e pensar parece estar obstante. Ler um texto inteiro, um livro, um artigo, comparar referenciais bibliográficos talvez só se o professor mandar. Não existe mais curiosidade, não saímos mais a procura de curiosidades científicas, apenas abrimos o Google.

Pesquisa lá. Alguns descritores, ou sua pergunta filosófica escrita em alguns caracteres, aperta um enter, em segundos milhões de links, sites, textos, figuras, imagens. Assim que a pesquisa é realizada.

Nada de livros em prateleiras, nada de pedir silencio quando os gritos de emoção saiam da nossa boca e a voz vencia as barreiras das estantes assustando os que na biblioteca apenas liam em mesas seus livros empoeirados.

Hoje algo de cerca de 900g a 1,5 kg (notebook) que carregados em mochilas ou menor ainda que carregamos em mãos, bolsos e bolsas (telefone celular) substitui qualquer emoção em carregar um livro, sentir o cheiro das páginas, ver as marcas dos dedos dos outros, dos pingos de café ou keatchup que algum desastrado deixará enquanto lia.

Hoje nos meus mais profundos medos ainda me intriga a concorrência que a internet impõe aos profissionais de saúde. Quando os diagnósticos e necessidades de cuidados em saúde são descritos em telas frias, como horóscopos.

Leio inúmeros relatos de fatos, achados em telas que substituem raciocínios clínicos e profissionais. As leituras de bulas, nunca mais, ir a consultórios com perguntas e dúvidas, nunca mais. Hoje os pacientes adentram as portas dos hospitais e clínicas com discursos prontos, diagnósticos baseados em pesquisas e navegação, receitas prontas que foram usadas por milhões de outros usuários da rede.

A ciência moldada por empirismo e leituras rápidas, fotos bem trabalhadas em aplicativos destinados a encantar com seus filtros. O complexo desfecho de um cenário patológico inspirado por modismo de culto ao corpo, saúde em pó, capsulas e óleos. Soluções estéreis, tecnologicamente formuladas para infundir saúde a curto prazo, longevidade efervescente e beleza ardente.

Os corpos escupidos em dor, suor e muita fórmula industrializada. Nas dúzias e dúzias de ovos (quimicamente produzidos), nas carnes bovinas (quimicamente estimuladas), nas batatas e mais batatas que coitadas são a esperança de resultados rápidos.

Eu a algum tempo parei de tentar explicar que o peso do livro é mais adequado e que a leitura de grandes clássicos produz mais raciocínio do que a leitura de comentários em redes sociais ou pdf.

Hoje me entorpeço de ar puro, quando o encontro, e sigo. Porque realmente, hoje, continuo querendo ser escolhida por último para entrar nessa brincadeira da vida consumida em redes sociais, teorias da conspiração, criacionismo medíocre de aspectos da mídia em rede sociais. Continuo querendo ler os versos, as prosas, as teorias dos caras lá do outro século.

Não quero saúde em telas frias, não quero saúde em fórmulas mágicas, não quero saúde descrita por amadores em textos incoerentes. Talvez seja a hora de ligar para a vovó e pedir a receita do lambedor, do chá e aprender como se faz de fato a oração que une as famílias e reconecta de verdade as pessoas.

Talvez esteja na hora de olhar mais para si, para os seus e tentar encontrar um modelo novo de saúde, sem pressa, sem imediatismo, sem modernismo, sem tecnicismo, sem ctrl+c/ctrl+v.

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