Todos sabíamos que o próximo Sínodo dos Bispos abordaria o tema da sinodalidade, o que muitos não imaginavam é a forma como o Papa Francisco decidiu realizá-la, com uma metodologia sem precedentes, pelo menos em instâncias do Vaticano, mas isso não surpreende aqueles que vivem a sua fé na América Latina.
Por: Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1
A sinodalidade não é uma invenção de Francisco, um homem de processos, é algo intrínseco à vida da Igreja, que nasceu naquela primeira comunidade de seguidores e seguidoras de Jesus onde houve a coragem de se sentar, ouvir uns aos outros, discernir e encontrar o caminho a seguir, algo nem sempre fácil para uma Igreja perseguida, onde ser cristão era muitas vezes pago com martírio e sempre com perseguição e exclusão social.
Esta Igreja que escuta, que está interessada no que está acontecendo no mundo, na vida de homens e mulheres de cada momento histórico, foi retomada no Concílio Vaticano II. Assim, uma das Constituições que pode ser considerada fundamental no último Concílio, a que trata da Igreja no mundo de hoje, começa por dizer: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo“.
As palavras de Gaudium et Spes, como todas as contidas nos documentos do Concílio, não ficaram por ouvir na América Latina, que pouco depois se reuniu em Medellín para encontrar uma forma de concretizar no continente as decisões do Concílio. O método de ver (ouvir), julgar (iluminar) e agir foi assumido como o caminho a seguir, estabelecendo assim elementos de uma sinodalidade que, sem ser explicitada em terminologia, foi vivida na prática, na vida das comunidades que fizeram da caminhada sinodal uma realidade, onde, sem a presença constante do clero, as decisões eram tomadas em conjunto, também pelas mulheres, porque as mulheres tiveram sempre um papel decisivo na vida destas comunidades, elas eram ouvidas no processo de tomada de decisões.
Não podemos negar que esta forma de ser Igreja, sinodal, pouco a pouco se desvaneceu e permaneceu em segundo plano. A retomada pode ser datada em Aparecida, um documento construído sobre o batismo, onde é feito um apelo para ser discípulos missionários, uma condição própria de todos os batizados. As ideias de Aparecida irão inundando a vida da Igreja latino-americana, para mais tarde inundar a vida da Igreja universal.
Em 2012 teve lugar o Sínodo sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé Cristã, onde muitos dos bispos latino-americanos levaram as ideias de Aparecida, o que pouco a pouco despertou questões nos outros padres sinodais. Destas reflexões surgirá a exortação pós-sinodal Evangelii Gaudium, já escrita pelo Papa Francisco, o relator geral de Aparecida, onde muitos veem refletidas as reflexões da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, incluindo as que foram postas de lado no Documento final aprovado pelo Vaticano.
Estamos em 2013, e agora, com a chegada do Papa latino-americano, o Papa do fim do mundo, como ele próprio disse nas suas primeiras palavras na sede papal, a dinâmica eclesial está tomado novos rumos. É um Papa que insiste em escutar e que mostra que tem o interesse e o tempo para ouvir, para estar no meio do povo. Nunca esquecerei a procissão no início do Sínodo para a Amazónia, desde o interior da Basílica de São Pedro até à Sala do Sínodo. Ali Francisco estava, no meio do povo, sorrindo, feliz. Se um estranho chegasse, só saberia que era o Papa porque estava vestido de branco, mas ele era apenas mais um.
Esse sínodo pode ser visto como um ensaio geral para o processo de renovação eclesial que começou há mais de 50 anos. A maioria dos que entraram na sala sinodal sabiam o que estava a ser cozinhado, muitos tinham participado num processo de escuta que tinha escrutinado cada canto da Amazónia, descobrindo assim “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje”, como nos disse Gaudium et Spes e Aparecida retoma. E não só isso, ali estavam eles, no meio dos bispos e cardeais, os indígenas e as mulheres, a quem o Papa ouvia com especial atenção sempre que falavam na sala sinodal e nos encontros informais durante os intervalos, nas quais ele continuava ouvindo, como sempre faz.
Esta dinâmica de sinodalidade, de escuta como elemento indispensável para um bom discernimento, tem vindo a enraizar-se na vida da Igreja. Mais uma vez, foi no continente latino-americano onde foi dado mais um passo. Tem sido com a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, como anteriormente com a Conferência Eclesial da Amazônia, experiências sem precedentes, decorrentes do discernimento do primeiro Papa jesuíta, filho do mestre do discernimento.
Francisco não quer elites nem ideologias na Igreja, ele quer ouvir e dialogar com parrésia para encontrar juntos o caminho a seguir. Estamos perante uma Igreja em que todos falam e ouvem, com base na categoria teológica do Povo de Deus. Ouvir as pessoas, mesmo aquelas que sempre estiveram em baixo ou nas margens, já não é algo opcional ou feito para o bem da galeria. É interessante ver como os povos indígenas dizem que no Documento Final do Sínodo e na Querida Amazónia veem o que disseram ao longo do processo de escuta do Sínodo para a Amazónia.
A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe adoptou uma metodologia semelhante à do Sínodo para a Amazônia, algo que foi transferido para a Igreja universal. A Secretaria do Sínodo dos Bispos assumiu esta dinâmica para o próximo Sínodo, que tem como tema “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão“. Quer partir das igrejas particulares, da base, da escuta de todos, sem quaisquer escrúpulos ou restrições. “Um na escuta dos outros, e todos na escuta do Espírito Santo”, a fim de superar qualquer “tentação de uniformidade”, procurando “a unidade na pluralidade”.
A grande reforma está em curso, uma reforma que durará no tempo, porque não é algo que vem da mente iluminada de alguém, é a voz do Povo de Deus, e isso é algo sagrado. Todos serão ouvidos e todos terão de ouvir. Estamos perante um novo tempo, não o tempo da democracia, mas o tempo da sinodalidade, onde a totalidade dos batizados são protagonistas, têm uma palavra a dizer.
Fonte: cnbbnorte1.blogspot.com/