“Você tem a obrigação moral de se levantar quando houver injustiças”, afirma cientista

Francisco Antônio Doria, físico-matemático e filósofo brasileiro, lançou recentemente um livro de memórias. Em Na Casa da Vovó: Tempos da Ditadura [Ed. Revan, 160 p.], o cientista de renome internacional lembra, a partir de lembranças familiares, do tempo de resistência à ditadura.

Por Rafael Tatemoto
Brasil de Fato

doriaeditCom grandes contribuições acadêmicas no campo da Lógica e da Teoria do Caos, além de membro da Academia Brasileira de Filosofia, Doria lembra na obra do período de autoritarismo no Brasil e as maneiras que encontrou para resistir ao regime militar. Mesmo discretamente, o autor soube atuar em favor da democracia. Doria narra lembranças especiais de momentos vivenciados durante a ditadura militar no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970, tempo em que a cidade do Rio de Janeiro passava por fortes mudanças culturais e intelectuais. Ele descreve também o período que viveu como aluno da Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ), onde ele conheceu diversos militantes, entre os quais muitos acabaram se tornando perseguidos políticos.

Confira a entrevista.

Brasil de Fato – Você retrata um período difícil da política a partir de recordações familiares.  Pode dar um exemplo de como a influência da família impactou sua formação política?

Francisco Doria – Toda minha família era metida em política desde o tempo que o Prudente foi presidente da república, sobretudo meu avô e  meu tio avô. Meu avô foi advogado da Revolta dos Dezoito do Forte e depois dos tenentes. Participou do governo Vargas, depois rompeu com Vargas. Meu avô era civil, mas tinha profundas contatos militares. Um dos meus tios participou do Revolta de Aragarças no fim do governo JK, como conto em detalhes no livro. Neste período aparece a ideia de fazer um adendo à constituição, um Ato Adicional à Constituição, fazendo uma ditadura no Brasil e que com certeza foi uma das fontes do AI-5.

A ideia dos golpistas [em 64], militares e civis, era implementar uma ditadura temporária, mas mesmo assim o ambiente familiar era extremamente libertário. Minha mãe tinha uma preocupação grande que eu, entre outras coisas, não fosse racista. Meu primeiro grande amigo era um favelado e negro. Sofri bastante quando ele morreu de pneumonia aos cinco anos. Ele era muito pobre. Foi o meu primeiro contato com a morte. Tive uma educação libertária.

Você coloca que atuou de forma sutil contra a ditadura. O que seria essa forma de atuação?

Foi uma questão de decência humana, chamei-a de noblesse oblige. A ação dos militares torturadores era extremamente condenável. Condenável em termos humanos, não estou nem falando em termos políticos. Quem estava do lado de fora tinha a obrigação moral de ajudar e amenizar as situações. Uma frase que cito no livro e me impressionou muito é a do Prudente de Morais Neto. Ainda temos um fio de legalidade e vamos tentar segurar. Você tem a obrigação moral de se levantar quando houver injustiças e corrigir as coisas. Foi a educação que tive.

O ditadura foi um regime militar e civil. Os militares foram instrumentos de um grupo da oligarquia. Existe um oligarquia no Brasil. Agora, por uma série de fatores está desaparecendo. Quando o regime perdeu o apoio desta oligarquia civil o regime caiu.

Você cita Paulo Francis, um homem de direita, mas extremamente respeitado. Como vê a nova onda de colunistas de direita no país?

Paulo não era de direita. Ele tinha militância de esquerda. Os ditos pensadores de direita são profundamente medíocres. Era delicioso ouvir Roberto Campos debatendo, um teórico brilhante de direita. Tem muita gente boa na direita em termos intelectuais. Não quero citar nenhum nome desta nova onda. É gente sem peso. Os teóricos que aparecem hoje de direita são medíocres. Ninguém tem a importância de um Roberto Campos.

Vivemos uma onda política que inclui até mesmo a volta de pessoas que pedem o retorno de uma “intervenção militar”. Como vê isso? O que diria para alguém que pensa assim?

É gente maluca. Não adianta discutir com pessoas que pensam assim porque irão dizer que no tempo dos militares não existia inflação e isso é mentira. Os militares fizeram uma recessão brutal em 65 e 66 e isso arrebentou com o parque industrial brasileiro. Há também uma turma ligada a grupos de antigos torturadores que tem o receio de mudança na lei de anistia, ou seja, quem fez parte de torturas seria punido.

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