Cooperativismo: uma experiência tão antiga, tão atual e tão necessária, em tempos de desemprego e de pandemia da covid-19

Por: Carlucia Maria

O cooperativismo “é uma forma de organização do processo de trabalho em moldes autogestionários aos variados ramos de atividade, aos trabalhadores qualificados ou profissionais liberais, como engenheiros, médicos, arquitetos, etc., ou, ainda, pode vincular-se ou não aos movimentos sociais e sindicais” (PAGOTTO, 2009, P. 87). Relações de trabalho, produção, comercialização e consumo que têm como marco referencial a Revolução Industrial e as condições de trabalho e de vida dos novos trabalhadores na indústria nascente.

O advento da indústria manufatureira motivou a migração de trabalhadores, até então agricultores, para os centros urbanos. Os novos operários da indústria fabril em efervescência encontraram no espaço urbano, condições de trabalho e de vida marcadas pela precariedade, sobretudo no que se refere às condições de saúde, habitação, educação, alimentação. O trabalho era predominantemente realizado por mulheres e crianças. A exploração não tinha limites legais, cujas condições e exigências se tornavam campo fértil para agitações e manifestações de trabalhadores insatisfeitos, devido aos baixos salários, as longas jornadas de trabalho, elevada mortalidade e ausência de direitos,

As cooperativas inicialmente surgiram da organização dos trabalhadores militantes no movimento operário e sindical do século XVIII e XIX inspirados no socialismo utópico. De acordo com Lima (2002), Silva (2009) e Silva (2014), essas experiências estão associadas a períodos de depressão ou transformações econômicas, nas quais os trabalhadores referenciados na experiência da Comuna de Paris se sentiam motivados pela utopia de um novo modelo de sociedade. Robert Owen na Escócia e posteriormente, na Irlanda, Charles Fourier, na França e seus adeptos acreditavam na possibilidade de extinção do trabalho remunerado, pois as famílias viveriam em comunidades, em permanente cooperação. Um ideário posteriormente seguido por Saint Simon (1770-1825) e Philippe Buchez (1796-1865) que propunham cooperativas de produção industrial organizadas por pequenos artesãos e sem a benevolência da burguesia ou do Estado. Já Louis Blanc (1812-1882) propunha as “oficinas sociais” que apoiadas pelo Estado contemplariam o operariado da grande indústria da época.

E assim, em 1844, surge na Inglaterra, a cooperativa de Rochdale, com o objetivo de atender a população atingida pelas condições desumanas do trabalho fabril. Estas iniciativas tinham como meta “uma sociedade socialista baseada na democracia econômica e uma ideologia tendo no igualitarismo sua base fundamental” (BHOWMIK, 2002, p. 373). O pensamento associativista e a prática cooperativista dos pioneiros de Rochdale têm como inspiração um conjunto de valores, tais como: autonomia, democracia participativa, igualdade, equidade e solidariedade.

A expansão na Europa e nos Estados Unidos, possibilitou que os princípios cooperativos pouco a pouco se tornassem referência mundial e para os adeptos do movimento cooperativista nascente, seu caráter inovador demarcava um novo modelo societário não somente em relação às empresas capitalistas, mas também em relação às formas tradicionais de troca e relações interpessoais. Esta concepção de acordo com Bhowmik (2002), reafirma que os princípios cooperativos têm na cooperação seu fundamento básico, os quais vão além da promoção de interesses, pois reafirmam benefícios mútuos, obrigações sociais e princípios de cooperação.

Outra experiência importante é a de Mandragón, uma federação de cooperativas que tem sua origem em 1956 no País Basco, na Espanha. Em 2014, o Complexo de Mandragón tinha 74.117 cooperados[1]. Mandragón conta com aproximadamente 103 cooperativas e cerca de 30.000 trabalhadores, que não obstante o seu caráter multinacional, conseguem garantir a dimensão cooperativa. No entanto, vale destacar aqui, que ao longo da história, os princípios cooperativos têm sido interpretados sob diferentes ângulos e perspectivas, a partir de diferentes contextos. Atualmente, os sete os princípios norteadores do cooperativismo, sendo os seguintes: adesão livre e voluntária; controle democrático; participação; autonomia e independência; educação, treinamento e informação; cooperação; e preocupação com a comunidade.

No Brasil, as origens do cooperativismo remetem a uma discussão controversa. Autores como Melo (2012) dentre outros, fazem referência às experiências dos jesuítas no Brasil Colônia e argumentam que “tais experiências podem ser caracterizadas como pioneiras, no que tange à cultura de cooperação” (MELO, 2012, p. 82). Nesta controvérsia há também aqueles que entendem que o cooperativismo no Brasil tem seu marco inicial com a imigração europeia, a partir da segunda metade do século XIX, uma vez que muitos trabalhadores imigrantes que aqui chegaram, pertenciam em seu país de origem, a diversas associações de trabalhadores e, portanto, trouxeram consigo valores cooperativos, os quais não se restringiam apenas às comunidades estrangeiras aqui instaladas. Outros autores, porém, afirmam que, a maioria das cooperativas surgiram a partir dos anos 1950, nem sempre ligadas ao movimento operário e sindical.

Na atualidade, de acordo com Pagotto (2009), é perceptível as distinções entre cooperativismo e “novo cooperativismo”, ou seja, o cooperativismo tradicional empresarial, no qual, as empresas cooperativas se organizam em diferentes campos. No ramo empresarial, podemos citar as cooperativas agropecuárias, cooperativas de crédito, cooperativas educacionais, cooperativas de produção, de consumo, saúde, cooperativas do setor habitacional, mineral e de serviços. No que se refere ao novo cooperativismo, temos o cooperativismo popular e solidário.

O cooperativismo popular solidário surge nos anos 1990 e além dos princípios do cooperativismo, tem a autogestão e a solidariedade como princípios norteadores. Novas formas de organização do trabalho, que conta com a parceria do poder público, entidades de apoio e fomento, sindicatos e universidades. As cooperativas populares realizam o trabalho de produção e comercialização em redes, enquanto estratégia de fortalecimento de sua organização e nessas experiências podemos citar as iniciativas da agricultura familiar, as cooperativas de catadores e catadoras de materiais recicláveis, e um conjunto de iniciativas da economia popular solidária. E você conhece alguma experiência de cooperativismo? O que você tem a dizer sobre essas iniciativas?

Referências

BHOWMIK, S. As cooperativas e a emancipação dos marginalizados: estudo de caso de duas cidades na Índia. In: SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002, p.369 – 400.

LIMA, J. C. As artimanhas da flexibilização: o trabalho terceirizado em cooperativas de produção. São Paulo: Terceira Margem, 2002. p.160.

MELO, A. B. Cooperativismo e trabalho autogestionário: entre o real e o possível. Curitiba: Appris, 2012. p. 183.

PAGOTTO, C. Cooperativismo Popular-Solidário: Estratégias de Trabalho sob a Flexibilização de Direitos. PLURAL – Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v. 16, n. 1, pp. 81-91, 2009

SILVA, C. M. Experiências de economia popular solidária na região metropolitana de Belo Horizonte: observações, percepções e papéis de agentes mediadores e de atores sociais. 2009. 189f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.

SILVA, C. M. Trabalho, cidadania e reconhecimento: a Rede CATAUNIDOS e o protagonismo sociopolítico de Catadores de Recicláveis na RMBH. 2014. 395f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.


[1] Fonte: Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Corpora%C3%A7%C3%A3o_Mondragon> Acesso em 2 jul. 2020.

plugins premium WordPress