Diletos irmãos e irmãs na caminhada de sonhos, lutas, resistência, fé e esperança!

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos” (Lucas 4, 18)

Por: Irmã Laura Lopes

Pertenço à Congregação das Irmãs de São Vicente de Paulo, Servas dos Pobres, de Gysegem.

O surgimento do nosso Instituto é distinto dos outros, pois de modo geral quem funda uma congregação é um bispo, padre ou religiosa. Já a nossa, nasceu de um grande sonho de uma mulher – Elisabeth de Robiano-  leiga, cristã, baronesa e casada.

 É uma história fascinante a partilhar!

Nossa querida fundadora, Elisabeth de Robiano, teve uma profunda vida de oração; um imenso amor aos sofredores; um coração sensível à cruel realidade dos pobres; eficaz e audaciosa atuação na vida da Igreja e na sociedade; em meio à riqueza, uma vida simples e despojada para mais e melhor servir aos necessitados e contou com a dedicação amorosa de seu esposo e de suas filhas em seu ministério. A origem dessa sublime obra começou na Bélgica, em 1818, e se expandiu em alguns países da África e da América Latina. Está há 124 anos em terras brasileiras.

A nossa espiritualidade e carisma pertencem à herança vicentina de quatro séculos. Elisabeth de Robiano, encantada e inspirada nos exemplos de São Vicente de Paulo, o escolheu como modelo de vida de amor a Deus e de entrega ao próximo.

São Vicente de Paulo, nosso querido patrono, é conhecido mundialmente como o Pai da Caridade. Após uma conversão radical, deu um verdadeiro sentido à sua vida e ao sacerdócio, seu agir foi transformador e libertador, percebeu quais eram as pessoas prediletas de Deus, tendo-as como a razão da sua vocação.   Descobriu que ao se dirigir aos pobres, encontraria o próprio Deus sofredor.   Como ele mesmo declarou: “ Dez vezes irão aos pobres, dez vezes encontrarão a Deus”.

A experiência de São Vicente no encontro com Deus, na aflição e no gemido dos pobres, levou-o ao amor protetor das crianças abandonadas e órfãs;  aos enfermos e idosos solitários, amparando-os com a ternura de Deus; aos carcerários privados de suas liberdades, teve compaixão; aos fracos e infiéis, demonstrou a misericórdia de Deus; aos representantes das nações,  provou  que a justiça é um direito; aos ricos, ensinou que a partilha é um gesto gratuito e necessário; ao trabalho em conjunto, instruiu que a caridade tem de ser organizada para ser eficaz e que o amor afetivo tem de ser convertido no amor efetivo;   ao convívio diário com os pobres,  revelou que, na fé e na alegria, eles são  os “nossos mestres e senhores” e que o trabalho incansável, na Igreja, deve ser empenhado com zelo apostólico…  

Adentrar nessa prática de São Vicente, seguindo seus passos, é comungar de uma espiritualidade encarnada em que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” é testar um carisma fecundo em que o próprio Cristo traduziu “ eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar”.

É nessa prática vinculada às pessoas consagradas ou leigas que receberam e acataram a vocação vicentina  – cheias de “virtus”, ou seja, repletas de potência para atuar em um mundo conturbado, desigual, desesperançoso e enfermo, como também, imbuídas das virtudes da simplicidade e da humildade e pertencentes a uma instituição   – é que  formamos a Família Vicentina, presente no mundo.   

Foi esse estilo de vida que nossa fundadora preferiu para a congregação e testemunhou até o último suspiro. E, hoje, somos nós, religiosas consagradas, Servas dos Pobres, que damos continuidade aos exemplos da nossa mãe espiritual, Elisabeth de Robiano, e do nosso patrono, São Vicente de Paulo. Destarte, atuamos na educação, nos colégios particulares e nas escolas sociais; centros promocionais; centro de convivência para a população de rua (situado na Cracolândia, em São Paulo);  mantemos um lar para idosos; participamos das missões populares e de outras atividades promovidas pela Família Vicentina e temos comunidades inseridas nos meios populares.

Como na realidade de outras congregações, somos poucas e a missão é vasta. Porém, na entrega e na dedicação, na realidade e desafio de cada uma, na seara do Reino de Deus, sustentadas pelo silêncio da contemplação de uma espiritualidade especifica, nos comprometemos na ação do mesmo carisma.

Esse é o nosso jeito de ser, de atuar e de encontrar os aflitos, os famintos, os sedentos de justiça, os que choram, os que são mencionados no Sermão da Montanha, relatado pelo Messias de Nazaré há mais de 2000 anos, e hoje descobertos no solo existencial da humanidade, sobretudo nos dias atuais numa circunstância pandêmica.

Exemplifico a nossa missão com e para o povo, realçando uma convivência concreta e inesquecível que ocorreu por dois anos, onde percebi a manifestação das bem-aventuranças, pois elas concretizam e atualizam a promessa de Deus (fé, esperança, partilha e felicidade) para os pobres, os que têm o coração simples e esperam pela justiça e pela paz. Relato uma experiência que marcou muito a minha vida. Aconteceu no sertão pernambucano, Manari, constatado pelos dois últimos censos ser o lugar de menor índice de desenvolvimento do Brasil.

Inserida nessa realidade com os irmãos nordestinos, com um povo de coração bondoso e acolhedor, que enfrenta não só a problemática da seca, mas também as questões econômicas, políticas e sociais, constatei pessoas sem muito para sobreviver, no pouco ensinam a lição do partilhar (pois, descobriram que a simplicidade é o modo de ser de Jesus de Nazaré); testemunham em meio aos desafios da vida  a fé renovada, a verdadeira felicidade e a esperança ativa. Assim, a partilha, a fé, a esperança e a alegria são atributos humanos típicos dos humildes de coração, confirmados nas bem-aventuranças.

Introduzidas nesse contexto, num trabalho de inserção, não nos prendemos apenas à programação paroquial, já que temos por carisma a promoção da vida. Assim, procuramos exercer um trabalho efetivo e holístico, participamos dos conselhos municipais, das sessões da câmara dos vereadores, das audiências públicas, damos aulas de reforço, organizamos a entrega das doações recebidas de outros lugares, pois pelo agir social também é possível anunciar a Palavra da Vida e a Pessoa de Jesus Cristo.

Agora, partilho, em suma, um dos nossos projetos sociais, localizado na capital paulistana, na periferia de Santo Amaro, região do Grajaú, um dos lugares mais populosos e pobres de São Paulo, no qual estou desde o início de março deste ano. Tudo começou por meio de pedidos dos funcionários do Hospital Amparo Maternal, que trabalhavam com as irmãs, no ano 1991, quando do comentário da necessidade do lugar, e pediram a presença das irmãs nesse local, relatando que as pessoas estavam “como ovelhas sem pastor”, precisando delas para lhes falar de Deus. Também não havia a existência da igreja católica, uma vez que esse local surgiu de  uma ocupação (com os impactos da pandemia, este ano, na região, começou a ter maior ocupação). Ainda sem comunidade religiosa, duas irmãs vinham em todos os finais de semana, dormiam em um barracão nos bancos, realizavam  visitas às famílias, orientaram a formação de lideranças e dos cultos. Com o tempo, os padres Carlistas começaram a presidir a celebração eucarística uma vez por mês.

 Após um período, houve  a abertura da comunidade das irmãs vicentinas. E as que aí foram morar, deram continuidade à missão. Os trabalhos foram aumentando, de acordo com a percepção da carência em todos os sentidos, como, por exemplo, a dos direitos básicos,  conseguindo, na luta junto com o povo,  trazer luz, água, transporte… Atualmente, colaboramos nas pastorais da igreja local e temos um centro comunitário para crianças e adolescentes com risco de vulnerabilidade social. Essa comunidade é composta por duas irmãs.

Oremos e trabalhemos, cada um a seu modo, na construção de um mundo melhor!  

Irmã Laura Lopes

plugins premium WordPress