O cristão leigo em tempos de crise: Viver, experimentar, interiorizar e renovar esperança

Por: Mariane de Almeida Silva

A vida é feita da junção de experiências que recolhemos ao longo de nossa jornada.  Quanto mais envelhecemos, mais somamos histórias que, sendo boas ou ruins, nos fazem crescer, nos transformam em quem realmente somos e nos fazem querer ir além. 

Poderíamos dizer que a vida sempre é um dom, gratuidade e extensão do amor de Deus. É sempre uma Boa Notícia porque nos apresenta a infinitude de Deus que faz questão de criar o ser humano e busca manter com Ele uma relação. Isso é tão forte que O Criador Se revela (Se faz conhecer) a nós, Se comunica conosco e aguarda uma resposta nossa neste misterioso relacionar-se.

Há algumas décadas, o cinema nos apresentou um premiado filme, cujo nome  era “A vida é bela”. Com um enredo triste, mas cativante, o filme relatava a dor e aflição dos judeus em alguns campos de concentração na época do Holocausto. Apesar daquela situação trágica, cruel e desumana, os autores da película encontraram um nome que  remetia à esperança. O enredo do filme mostrava um pai que, a todo instante, apesar das dificuldades e do medo, apesar de toda a tensão que aquele ambiente causava, quis transmitir ao filho  paz e tranquilidade, quis transmitir-lhe o quanto, apesar de todas as coisas ruins, a vida era valiosa e que, por isso, valia a pena lutar por ela em todos os instantes. 

Nestes últimos meses, temos experimentado algo que jamais imaginaríamos experimentar. A  pandemia por COVID 19 entrou no mundo e colocou o ser humano em choque. Prendeu as pessoas dentro de suas casas e, como nos mostrou o Papa Francisco em sua  Carta Encíclica Laudato Si,  mundo está de tal forma interligado que bastaram poucos meses  para que um vírus  ultrapassasse  as barreiras universais e atingisse todo o globo terrestre.

A experiência com a pandemia por COVID 19 é uma realidade que pouco compreendemos mas que nos faz sofrer seja pelo  isolamento social a que somos obrigados a nos submeter, seja porque nossas rotinas foram postas de lado e precisamos aprender a conviver com uma nova forma de atuação  ou seja pelo fato dela ter nos afetado de maneira mais radical, comprometendo diretamente nossa saúde ou de   algum membro de nossa família,. 

Assim como no filme supracitado esta experiência nos foi imposta sem que antes tivéssemos nos preparado para ela. Entretanto, ainda é possível e, fundamental,  manter e buscar olhar para a beleza da vida valorizando sua sacralidade. Como aquele pai que, no filme, fez de tudo para manter viva a esperança do filho, precisamos mantermo-nos firmes diante dessa realidade que nos cerca levando esperança àqueles que estão prestes a perdê-la.

Tempo de interiorizar e ressignificar a fé

Este tempo nos convida a nos interiorizarmos mais, olharmos para dentro de nós mesmos -nos conhecermos-  nos reconhecermos. É momento de frearmos um pouco aquela rotina exaustiva que enfrentamos no nosso habitual, e nos reconectarmos com o simples, com a quietude, com o estar em casa e fazer dela um verdadeiro lar. É momento de olharmos para nossas famílias, cuidar dos nossos filhos, pais, mães, maridos, esposas. É hora de cuidarmos de nós mesmos.

Todo cuidado seja dedicado ao outro, na mesma medida que a nós mesmos  a fim de que mantenhamos o bem-estar seja físico e emocional. Por isso, neste momento, é fundamental que cultivemos  uma vida profunda de oração e, substancialmente, uma vida muito próxima de Deus. Somente estando conectados na intimidade com Ele, podemos encontrar nosso equilíbrio e assim, transmitir paz àquelas pessoas que tanto precisam.

Ao falar sobre a oração, o Papa Francisco enfatiza que ela “nasce no segredo de nós mesmos (e é) um impulso, uma invocação que vai além de nós próprios” (Papa Francisco, Audiência geral 13/05/2020). Dessa forma, podemos perceber que a oração revela quem somos, em profundidade. Na oração nos colocamos por inteiro diante de Deus e nos conectamos a Ele tal como somos, sem medos, sem receios, apenas, reconhecendo que somos pequenos, frágeis e necessitados de Sua Graça. Quando nos colocamos a orar, sabemos que, Ele nos conhece em nosso mais íntimo, e temos a certeza de que quer estar conosco, curando as feridas de nosso coração e propondo os caminhos a percorrermos.

Ainda para o Papa Francisco “o homem é um mendigo de Deus” (Papa Francisco, audiência Geral 06/05/2020). Esta interpretação ajuda a nos colocarmos diante dEle como quem necessita, de fato, de todo o bem que pode vir de Seu amor. Colocarmo-nos como mendigos, quando nos retiramos para orar, é querermos tirar nossas sandálias porque temos a certeza de que o lugar que adentramos é santo (Cf Ex 3,5). Tirar as sandálias, por sua vez, é reconhecermos que não temos pressa, nos colocamos todo por inteiro e pelo tempo necessário para falarmos e ouvirmos o que Ele tem a nos dizer.

Este tempo de pandemia nos propõe ressignificarmos a própria maneira de viver a fé. Há muito tempo temos vivido uma fé sacramental e por vezes, até mesmo, assumimos serviços pastorais em excesso. Ter uma vida sacramental ativa é fundamental e nos aproxima muito do Mistério, além de recebermos as graças oferecidas particularmente por cada sacramento. De igual maneira, nossa vida e ações pastorais ajudam a fortalecer nossa fé e a caminharmos tentando mostrar a importância do viver em comunidade e partilhar a vida com ela. Entretanto, o momento atual nos propõe um retorno às origens, um viver a fé de maneira mais pessoal, fazendo de nossas casas, verdadeiras Igrejas-domésticas.

O tempo atual nos propõe ensinar aos filhos os valores cristãos e a importância do rezar juntos em família. Propõe, de maneira fundamental, a promoção de um profundo e verdadeiro encontro (e reencontro) pessoal com Jesus Cristo que permanece conosco, ainda que nos momentos de dificuldade. Este encontro pessoal com a pessoa de Jesus Cristo é capaz de transformar radicalmente nossas vidas, e, nos abrindo a esta transformação, sentimo-nos capazes de encontrarmos a paz que tanto almejamos em nossas vidas. Esta paz vem de Deus, é o próprio Deus e nos impulsiona a transmitirmos o amor de Deus por onde passamos. Essa transmissão só é possível a partir do profundo e verdadeiro encontro pessoal com Cristo que é, também, razão de toda e qualquer esperança.

Tempo de renovar as esperanças

Por vezes, ainda que portadores de uma fé autêntica e viva, somos impelidos a nos desanimarmos diante os desafios que a vida nos propõe. Isso não é motivo de vergonha, tristeza nem tampouco é um erro. Faz parte de nossa humanidade. Por vezes, nos enfraquecermos com as experiências difíceis, entretanto, o cristão pode e deve ser portador de esperança porque acredita que o próprio Cristo é sua esperança.

O Evangelho de São Lucas (Lc. 24, 13-35)  ilumina nossa busca quando narra os passos dos  discípulos de Emaús e apresenta a renovação de suas esperanças ao compreenderem que Jesus põe-se a caminhar com eles, a partilhar a vida com eles e, principalmente, partilhar o pão com eles. O caminho que precisamos percorrer para reencontrar esta esperança, é, necessariamente o do encontro com Jesus Cristo que nos leva ao Pai. Um caminho que nos faz perceber o quanto podemos ir além com Ele, nEle e por Ele.

A palavra esperança, para os dicionários, representa a fé em conseguir o que se almeja. Também no âmbito religioso, ela remonta a uma das três virtudes teologais (fé, esperança e caridade) onde se apresenta exatamente no desejo de salvação proposto por Cristo. O cristão espera fazer a experiência de Deus de maneira definitiva na Glória dos céus. Dessa forma, portar esperança é esperar no Senhor e ter coragem (Cf. Salmo 27,14) e ao mesmo tempo sermos capazes de ajudar nossos irmãos e irmãs a terem a mesma convicção.

Ter esperança nos faz caminharmos com tranquilidade, experimentarmos os desafios com paz no coração e tranquilidade na alma, com a paz e tranquilidade que somente Deus pode nos proporcionar. Por isso, não podemos dissociar nossa  esperança do próprio Jesus Cristo que, sim, caminha conosco, como caminhou com os discípulos de Emaús. Nosso papel enquanto cristãos é pedir, incessantemente, -“Fica conosco, Senhor!!!  E crer que Ele fica conosco  nos momentos de angústia dor e sofrimento; que Ele permanece  conosco, nos direciona e renova nossas forças e esperanças .

Caminhemos sempre na firme esperança de que dias melhores virão porque Ele está conosco até o final dos tempos!!!

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