A família na ótica do carisma da unidade

Nesta tarde, gostaria de convidar todos vocês a sonharem comigo um mundo diferente, um mundo onde gostaríamos de viver. Ouvimos as histórias e o empenho de muitas pessoas, que também refletem as histórias das famílias de muitos de nós. São testemunhos que nos fizeram crescer. E agradeço a todos.

Por: MARIA VOCE (EMMAUS)

Muitos de nós aqui presentes entramos em contato, em diferentes momentos e modos, com o carisma da unidade, com o carisma que Deus depositou no coração de Chiara Lubich (fundadora do Movimento dos Focolares) e que ela transmitiu generosamente. Este carisma nos forjou e continua forjando cada um de nós. Orienta a vida e as escolhas fundamentais diante dos desafios diários. Também hoje constatamos este fato.

Pois bem, este carisma gera em nós o desejo de observar o mundo e a história de uma perspectiva diferente, com a qual compreendemos o vínculo de cada um de nós com toda a humanidade, em uma pertença não só pessoal e que envolve tudo de nós: afetos, relações, fragilidades, emoções, sofrimentos, esforços, sonhos.

Em 6 de setembro de 1949 Chiara escreveu:

“Sinto que vivo em mim todas as criaturas do mundo, toda a Comunhão dos santos. Realmente: porque o meu eu é a humanidade com todos os homens que existiram, existem e existirão. Sinto e vivo esta realidade porque experimento na minha alma tanto a alegria do Céu quanto a angústia da humanidade que é toda um grande Jesus Abandonado. E quero viver totalmente este Jesus Abandonado. Eu o vivo, acrescentando a gota do meu sofrimento do momento (…) ao seu”.

Hoje estamos considerando a família, as nossas famílias, esse núcleo originário ao qual todos nós pertencemos.

Estamos evidenciando aquela vida de amor que a cada dia a renova e a ergue; vida que a faz ressuscitar das pequenas ou grandes mortes, que faz brilhar em seu íntimo e entre os seus membros a presença de Deus, de Jesus, que se faz presente atraído por esse amor.

É ele que hoje nos impulsiona a ir além e a dizer, atualizando o que lemos há pouco de Chiara:

O meu eu (a minha família) é a humanidade. Sinto e vivo esta realidade porque experimento (experimentamos) na minha alma (na nossa alma) tanto a alegria do Céu quanto a angústia da humanidade que é toda um grande Jesus Abandonado.

Quando Chiara fundou na Obra de Maria[1] o Movimento Famílias Novas, em 19 de julho de 1967, afirmou: “… É necessário que (…) a experiência da vida familiar de vocês possa ser levada aos outros”.

E, olhando para a assembleia de famílias presentes ali, naquele momento e – de certa forma, profeticamente – para o vasto Movimento que surgiria, ela continuou: “(…) como Obra assumimos agora essa tarefa: (ser) outro Jesus, Jesus que olha para o mundo, que olha para a multidão e tem pena. Porque de toda esta porção de mundo (…) coloquei nos ombros de vocês a mais desagregada, a mais semelhante a Ele abandonado”.

Creio que podemos dizer que hoje se renova esse convite à família, a cada família.

Deus nos chama a ser pais e mães da humanidade, a dar a nossa contribuição para apoiar e encorajar a fraternidade universal.

Mas que tipo de família um mundo imbuído de fraternidade pode gerar? Somente aquela que sabe assumir como próprio, por amor, tudo aquilo que vive a comunidade que está ao seu redor, a ponto de poder dizer verdadeiramente: “O meu eu é a humanidade.”

Apenas famílias, ainda que frágeis e imperfeitas como somos em nossa condição humana, mas renovadas assim a partir de dentro, podem oferecer ao mundo aquela luz e aquele amor que o sana, de tal maneira que a sociedade encontre nelas o modelo no qual se espelhar.

Encontramos a confirmação disso no Papa Francisco em sua Carta Amoris Laetitia: “…é precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo. A partir desta primeira experiência de fraternidade, alimentada pelos afetos e pela educação familiar, o estilo da fraternidade se irradia como uma promessa sobre a sociedade inteira”.

As famílias podem realizar essas esperanças,

  •  

–  fazendo circular os bens materiais e espirituais, gratuitamente,para que se aprenda o valor da cultura da partilha, de uma economia de comunhão;

‐ acolhendo o outro assim como é, cuidando dele, vivendo a proximidade, na alegria. Assim os povos na história presente podem descobrir o valor do acolhimento e assim o muro do egoísmo começará a cair;

‐ e então os valores poderão ser transmitidos de uma geração à outra. Os avós poderão reconhecer o sentido de sua existência e transmitirão aos netos aquelas raízes sem as quais um homem se torna frágil e fica à mercê das modas.

É na família onde, pela primeira vez na vida, é possível beneficiar-se da correção necessária para o desenvolvimento humano, mas também do perdão, pois sem ele uma pessoa não pode começar um novo caminho, superando os próprios erros. Esta experiência é o suporte para o exercício da justiça na própria casa e na sociedade.

Tudo isso encoraja cada componente do núcleo familiar a tomar iniciativas para ir ao encontro das verdadeiras necessidades daqueles que vivem ao nosso redor, estando, por exemplo, perto do idoso que está só, do amigo que perdeu o trabalho, daqueles parentes que brigam… Este é um modo para debelar o “fechamento” e nutrir uma sociedade responsável e construtiva.

Valores como a comunhão, a solidariedade, o espírito de sacrifício, a reciprocidade “normais”, por assim dizer, na convivência familiar – podem ser, na maioria dos casos, uma novidade revolucionária para estruturas institucionais esclerosadas e pontos de referência para uma nova ordem social.

Já existem estruturas e instituições encarregadas de cooperar para o bem da comunidade e dos indivíduos, e lembro muito bem de um discurso em que Chiara nos disse: «é preciso humanizá-las, dar-lhes uma alma, de modo que o espírito de serviço atinja aquela intensidade, aquela espontaneidade e aquele impulso de amor pela pessoa, que se respira na família».

E aqui se encontra a insubstituível missão das famílias, «sinal e modelo de toda e qualquer convivência humana»: «manter o amor sempre aceso nas casas, reavivando desse modo os valores que foram doados por Deus à família, para levá-los a toda a parte na sociedade, generosamente e sem tréguas».

A missão é árdua, mas não podemos nos deixar roubar a esperança, diria o papa Francisco, “porque – é ele que fala –, se o mal nos aparece como uma ameaça e invasivo, existe o bem, um oceano de bem, que age no mundo” (Entrevista ao jornal La Stampa, 09.02.2017).

No arquipélago de associações que constituem este oceano de bem, também estão presentes as famílias do Movimento dos Focolares, que dão a sua contribuição gerando redes de famílias que colaboram para a coesão social, cuidando da formação permanente da família e do casal, com percursos particulares para casais em situações de crise e acompanhando com dedicação os jovens que se preparam para o casamento.  

Vocês são essas famílias e todos os dias constato isso pelas suas experiências:

– continuam cuidando do amadurecimento global dos adolescentes na fase evolutiva, acompanhando durante o crescimento deles: é uma das coisas mais lindas que fazem,

– vocês criaram uma associação como a Associação Famílias Novas que promove projetos no mundo inteiro para dar às crianças e às suas famílias dignidade e futuro: atualmente cuidam de 11.643 crianças em 49 países. Com as adoções internacionais puderam dar uma família a 1.070 crianças,

– vocês também se comprometeram em ajudar nas mais variadas situações de emergência próximas de vocês: muitas pessoas que fugiram da guerra e da pobreza ou afligidas pelas calamidades naturais. Colocaram em ação ajudas e projetos.

Continuem assim! Não desanimem quando é difícil ou quando têm a impressão de estarem sozinhos. A Providência de Deus os ajudará e deixarão aos seus filhos um legado verdadeiro, que não enferruja.

Mas tudo isso começa geralmente com a atenção afetuosa com que uma família olha para as necessidades das pessoas ao seu redor. E são muitas as experiências de famílias do Movimento de que temos tidos relatos em todo Mundo.

Todas elas, em seu começo, poderiam parecer um sonho. Mas logo elas nos dizem que já são uma realidade, por vezes muito pequena, recém-nascida, mas que tem em si a força revolucionária da vida.

Alimentemos, então, com o amor essa vida para que invada o mundo.

Comecemos imediatamente. Vamos com alegria ao encontro da humanidade, levando a ela o nosso dom.


[1] Obra de Maria é nome oficial do Movimento dos Focolares.

plugins premium WordPress