São Francisco de Assis e a eco-missão integral!

Vivemos um momento crítico da nossa história, nos damos conta que o nosso estilo de vida competitivo, racionalista e excludente, tem causado inúmeros danos. Corremos o risco de ir ao encontro do destino dos dinossauros. Porém, crise é oportunidade de crescimento.

Por: Edvaldo Carneiro da Costa     

Como nos assegura a Carta da Terra, “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro”.[1] É aqui, que se insere a figura, vida e missão de São Francisco de Assis, porém, sem romantismos superficiais.  Ele é mais que um santo popular, é um arquétipo interior e modelo para a vida e missão da  Igreja hoje!

Não foi por acaso que o Papa Francisco escolheu esse nome, agindo assim, define as linhas mestras de seu pontificado e o rumo que deseja dar para a Igreja. Uma Igreja em saída deve saber para onde vai, como vai e o que vai fazer!  O Papa Francisco reúne o vigor jesuíta e a ternura franciscana, por isso, junto com outros teólogos, o considero uma “Primavera Eclesial”, um verdadeiro frescor e sopro do Spiritus Creator, assim como o foi São Francisco de Assis para a sua época. A Igreja agora deve ser vista como um hospital de campanha, que acolhe, cura e cuida. Seu agir e presidir deve ser na caridade. Seu estilo de vida deve ser sóbrio, despojado, aberta ao diálogo fraterno, no espírito do Concílio Vaticano II.            

Francisco é mais que o nome de um santo popular

Falar de São de São Francisco de Assis é fazer referência a algo de muito original na Igreja, fruto do Spiritus Creator. Em meio à noite escura de uma época difícil, eis que surge uma centelha (Francisco) da grande luz que é Cristo Jesus! Na história da Igreja e da humanidade, sempre surgiu figuras semininais, isto é, sementes de vida e esperança para o povo, o “Pobre de Assis”, é sem dúvida uma dessas figuras que ao longo do tempo foi se tornando um arquétipo universal. Hoje, ele é um referencial seguro, exemplo de discípulo missionário, mas, também é exemplo de cuidado com a criação e convivência social e diálogo, por isso mesmo, é extremamente atual![2]

Como já é do conhecimento de todas e todos, a nossa sociedade está mergulhada na “noite escura” da crise, buscamos um caminho, uma saída, uma fresta. Damos-nos conta que os bens materiais e o progresso tecnológico são importantes para o nosso desenvolvimento, mas não respondem a todas as demandas, em nós existe uma sede por valores não materiais. Somos seres de carências e necessidades, buscamos por algo que faça sentido em nossa vida, somos seres de transcendência.

São Francisco, com suas buscas, estilo de vida, espiritualidade e amor universal, tem algo a nos dizer. Ele acena para o destino do homem e do cosmo, ou seja, o mergulho na totalidade do Ser. Deus, a Santíssima Trindade, é o objeto último de nossas buscas mais profundas. Quando nos perdemos no caminho, precisamos de alguém que aponte a direção. No atual momento social, eclesial e planetário em que vivemos, Francisco é o farol que aponta o rumo e a direção a seguir na busca do novo paradigma civilizatório.

A experiência de Deus na vida de São Francisco[3]

Deus tem as suas formas de entrar na vida de alguém. Isso, Ele o faz por diversos caminhos, quando nos damos conta, Ele já está atraindo, envolvendo, convocando, provocando e enviando em missão. Toda experiência de Deus traz em si rupturas com o modo de ser e de viver, mas também compromisso missionário libertador na comunidade, com Francisco não foi diferente. Quando olhamos para a vida do “irmão de Assis”, nos damos conta que as coisas não foram fáceis e suaves como aparecem em alguns filmes da vida do santo. É preciso olhar para o processo vocacional pelo qual passou o nosso “Irmão Menor”.

Resumidamente podemos dizer que São Francisco viveu “para os pobres, depois com os pobres e por fim como pobre isso é mais que simples empenho, é mística de identificação” (L.Boff)[4]. A ex-per-iência de Deus na vida de São Francisco foi um processo que implicou rupturas. Passou por crises, porém, fez das crises uma oportunidade de crescimento. Diante do crucifixo, sente o chamado, uma Voz que fala no seu “eu profundo”, ao longo de toda a sua vida, Francisco vai respondendo a esse chamado missionário!

Francisco, homem do diálogo e da comunhão fraternal[5]

Todo ser humano vive e se relaciona em quatro dimensões fundamentais, a saber: consigo mesmo, com o outro, com a vida e com o Todo Outro, Deus. O primeiro diálogo que São Francisco teve foi com a sua própria interioridade, com o seu “eu profundo”, procurou desenvolver o seu centro e ali, estabelecer um diálogo sincero, não era mais possível continuar vivendo da mesma forma, na ilusão. Em seguida, vem o diálogo e a comunhão com as pessoas, emerge então, o sentido de fraternidade. O outro não é um concorrente, muito menos adversário, é um irmão! Francisco se descobre então, como irmão menor e fraterno. Ama até os ingratos e maus, com isso, torna-se o “cavaleiro das Bem-aventuranças”. O terceiro passo foi caminhar na direção da criação. Ele tratou os animais, pássaros, e os elementos da natureza como irmãos e irmãs. Tudo é sagrado, porque traz em si uma dignidade implícita, uma mensagem. As criaturas louvam ao seu modo o Criador, e Francisco entra nesse louvor! Essa relação com todos os seres se dá num nível de liberdade. O quarto nível de diálogo e comunhão foi com Deus. Aqui, podemos dizer que em Jesus Cristo, São Francisco experimentou o que significa ser filho no Filho Eterno.  Deus não era para ele um conceito teológico, mas uma experiência afetiva. Sua identificação com Cristo foi de tal ordem que os biógrafos do tempo, o chamam de “o quase Cristo”! O Jesus humano, sua encarnação, estilo de vida simples e despojado e amor universal, ocupavam em Francisco uma centralidade fundamental.[6]      

Algumas características missionárias

Em Francisco de Assis, encontramos a missão como um movimento de saída, isso é algo que, hoje, o Francisco de Roma pede a toda Igreja. É preciso soltar os lastros e realmente avançar para águas mais profundas. Esse movimento, porém, não pode ser entendido como o alargamento das fronteiras eclesiásticas, mas, como atitude de abertura, acolhida ao diferente e comunhão fraterna. Missão é ir ao povo com a atitude de irmão menor e juntos experimentar o amor da  Santíssima Trindade que já se encontra no meio do povo, aliás, “Nela vivemos, nos movemos e existimos…”(At 17,28).

São Francisco entende a missão na perspectiva da comunhão fraterna, ou seja, ir ao encontro das pessoas, em especial os excluídos para junto com eles conviver, e se for para a glória de Deus, anunciar o Evangelho. Nisso, o “Pobre de Assis” estabeleceu um novo critério para a sua época e que é válido para os nossos dias turbulentos e carregados de fundamentalismos religiosos. A eficácia da missão pressupõe antes de tudo um “estar com, para falar de…”. A experiência com Jesus Cristo o Libertador é o pressuposto e fator motivador para a saída missionária.   Acolher o diferente e não querer ter a última palavra sempre, mas caminhar juntos, eis um elemento marcante no “jeito de ser missionário” do movimento franciscano nascente! São Francisco é o missionário da liberdade e criatividade. 

A espiritualidade missionária de Francisco

Por espiritualidade entendemos “aquilo que produz uma mudança interior”.[7] É viver a vida segundo o Espírito! Esse estilo de vida em São Francisco de Assis é permeado pela identificação com Jesus nos pobres, em especial os leprosos da época. Também, amor à santa pobreza, humildade e despojamento, amor à Santíssima Virgem Maria e fidelidade à Igreja. Comunhão com as energias cósmicas, elementos da natureza, com as plantas, pássaros, flores e animais. Tudo está em Deus e Deus está em tudo, guardadas as diferenças entre Criador e criatura, a isso a teologia chama de panenteismo, diferente do panteísmo, onde tudo é Deus.[8] É uma espiritualidade do afeto e do equilíbrio entre a ecologia interior e a exterior. Tudo está inter-retro-conectado e o Spiritus Creator é a Presença que tudo empapa e dinamiza.  Podemos falar que em São Francisco de Assis encontramos todos esses elementos que compõe e não contrapõe a ordem natural. Por fim, podemos falar também da característica profética. Com seu estilo de vida simples, despojada e sua espiritualidade encarnada na realidade dos excluídos, São Francisco questiona o sistema econômico emergente e o estilo de vida eclesial do seu tempo. Com sua vida, anuncia, denuncia e leva esperança!

Conclusão

Precisamos despertar o Francisco que habita em nós! É uma característica antropológica a busca por comunhão, vida e liberdade. Em nós existem energias das quais não nos damos conta e precisamos conhecer e integrar. Somos seres de transcendência. Nos perguntamos: “Qual o sentido da vida, qual o nosso papel e missão na ordem da criação, o que nos aguarda além da irmã morte?”Somos uma exterioridade, interioridade e profundidade. Nas crises, pessoais e ou planetárias, buscamos por um farol que ilumine o caminho e permita que possamos chegar ao porto seguro. São Francisco de Assis é um arquétipo interior. Dentro de cada um de nós habita o “Irmãozinho de Assis”, ele está adormecido e precisamos despertá-lo. Essa atitude de base, nos ajuda a redescobrir o nosso caminho pessoal, social e eclesial. Irmãos e irmãs, vivemos tempos dramáticos e obscuros, precisamos caminhar na direção da eco-fraternidade universal, eis o novo paradigma! A missão transformadora tem uma dimensão pessoal e coletiva. O caminho aberto por São Francisco garante que ao final do percurso cairemos nos braços do Deus que é Pai e nos ama com amor de Mãe, garante também que esse mundo em que estamos vivendo hoje não precisa ser um “vale de lágrimas”, mas pode ser transformado num “Monte das Bem aventuranças”. Laudato Si’![9] Paz e Bem!  

CURRÍCULO SIMPLIFICADO – Edvaldo Carneiro da Costa é franciscano de coração, mestre em teologia sistemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. É bacharel em teologia pela Faculdade de Filosofia e Teologia Dehoniana. Possui formação em Astronomia e Astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. É formado em parapsicologia pelo Curso de Difusão em Parapsicologia do Centro Latino-Americano de Parapsicologia – CLAP. Possui formação técnica em Administração de Empresas pela Escola Técnica Maria Augusta Ribeiro Daher de Jacareí-SP. Atualmente é professor de Teologia Sistemática na Faculdade Católica de São José dos Campos – SP; Leciona nos cursos de graduação em teologia, pós-graduação em Bíblia, nos cursos de extensão, e orienta Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC.


[1] CARTA DA TERRA. Preâmbulo. 2000.

[2] BOFF, Leonardo. São Francisco de Assis: Ternura e Vigor. 5.ed. Petrópolis: Vozes,1991.

[3] TEIXEIRA, Celso Márcio (Org. e Trad.). Escritos de São Francisco. Petrópolis, RJ: Vozes; Brasília, DF: CFFB,2013.

[4] BOFF, Leonardo. Filme: Fé/Pé na caminhada. Verbo Filmes, 1984.

[5] MAZZUCO, Vitório. Francisco de Assis e o modelo de amor cortês-cavaleiresco: elementos cavaleirescos na personalidade e espiritualidade de Francisco de Assis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

[6] LELOUP, Jean-Yves; BOFF, Leonardo. Terapeutas do deserto: de Fílon de Alexandria e Francisco de Assisa Graf Dürckheim. 13.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

[7] BOFF, Leonardo. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro, RJ: Sextante, 2001.

[8] BEOZZO, José Oscar (Org.). Curso de Verão Ano XX: Ecologia: cuidar da vida e da integridade da criação. São Paulo,SP: Paulus,2006.

[9] JOÃO WILSON. O Francisco que está em você. 15.ed. São Paulo, SP: Paulus, 1978.

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