10 de dezembro, Comemoração da Assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Para reverenciar o 72º aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na III Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações, ONU, no dia 10 de dezembro de 1948 é imprescindível que se remonte as razões que levaram as Nações reconhecer a necessidade de instrumental comprometido com a manutenção da paz e do respeito aos direitos humanos e verificar se possíveis regressões ameaçam os compromissos firmados pelas Nações.

Por: Sueli Aparecida Bellato

Nada é mais ameaçador aos direitos humanos do que a quebra do estado democrático, a violação dos direitos individuais e coletivos, e a guerra, como ruptura da paz, dominação, destruição de relações e a permanente desigualdade social.

Assim neste artigo apresento a conjunção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta das Nações e da Encíclica Fratelli Tutti – Sobre a Fraternidade e a Amizade Social.

Às vésperas do dia dedicado a São Francisco de Assis, o Papa Francisco, presenteou a humanidade com a terceira Encíclica do seu papado1. Inspirado nas mensagens de São Francisco aos seus irmãos, o Papa Francisco batizou a Encíclica como Fratelli Tutti, um verdadeiro tesouro que muitas gerações farão uso. Atribuo à Encíclica, sem permissão para tal, uma real atualização da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da ampliação de interpretação da Nações reconhecer Carta das Nações Unidas.

Um assessor e amigo do Papa Francisco2 qualifica a Encíclica como uma janela em que o Papa latino americano convida os leitores a enxergarem o que passa no lado de fora, mas não só, também do lado de dentro, no nosso coração. É um convite ao dialogo permanente com todos, inclusive com quem consideramos diferentes, na busca de encontrar e enriquecermo-nos com o conhecimento, com a diversidade, com complementariedade cultural, racional, afetivo. É interessante que o Papa, nascido na Argentina, cita o cantor e compositor brasileiro, Vinicius de Moraes, quando descreve “que a Vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro”3

Preocupado com os graves desencontros, conflitos e desigualdades, o Papa Francisco aborda problema cruciais e dá um forte acento ao problema da guerra, sem mencionar o desenrolar da primeira e segunda guerra mundial.

Pode-se afirmar, sem risco de erro, que todos os grandes temas que preocupam a humanidade são tratados com muita sabedoria pelo Papa e a questão da fraternidade é o núcleo pelo qual circundam os temas tratados.

1 Primeira Encíclica Fidei Lumem (Luz da Fé, 29 de junho de 2013) Laudato Si (Louvado seja, meu Senhor, 24 de maio de 2015

2 Cardeal Dom Tolentino

3 [204] Vinicius de Moraes, «Samba da Bênção», no disco Um encontro no «Au bon Gourmet» (Rio de Janeiro 02/VIII/1962).

Os problemas e as causas das migrações, dos refugiados, da pobreza extrema, do tráfico, do consumismo, dos preconceitos, todos temas afirmados na Declaração Universal de Direitos Humanos, o Papa trata na Encíclica e vai além. Ele convida a humanidade a resgatar a importância da função da Memória, do Perdão e das Religiões.

E o Papa que em outras ocasiões denunciou a cultura do descarte, demonstra a urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais. Os políticos são chamados a «cuidar da fragilidade, da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade, no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à “cultura do descarte” (…); significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade».[185] Embora acarrete certamente imenso trabalho, «que tudo se faça para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana»![186] O político é operoso, é um construtor com grandes objetivos, com olhar amplo, realista e pragmático, inclusive para além do seu próprio país. As maiores preocupações dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não encontrar uma solução eficaz para «o fenómeno da exclusão social e económica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada”.

A abordagem da guerra, própria da Carta das Nações Unidas, é tratada na Encíclica como real ameaça à paz e o Papa adverte que que parecia que a humanidade tinha aprendido com os flagelos das guerras, mas há sinais evidentes de regressão De fato em meio às grandes tragédias da humanidade as duas guerras do século XX podem ser consideradas as maiores tragédias e a certeza que além dos graves resultados, dos traumas advindos por muitas gerações, a certeza que delas não se obteve sociedade melhores, um mundo melhor e mais justo.

Vejamos, a Primeira Guerra Mundial, 1914 a 1918, foi resultado das transformações que aconteciam na Europa, as quais fizeram diferentes nações entrar em choque. Disputas imperialistas; nacionalismos, alianças militares e corrida armamentista são causas atribuídas ao estopim da Guerra que deixou a população reduzida de aproximadamente, 10 milhões de mortos e uma Europa totalmente transformada.

Já a Segunda Guerra Mundial, 1939 a 1945, resultou na morte de 60 milhões, mas há quem informe mais que 70 milhões de mortos. O conflito teve como estopim a invasão da Polônia pelos alemães em 1º de setembro de 1939. A guerra iniciou-se na Europa, mas espalhou-se pela África, Ásia e Oceania e contou com o envolvimento de nações de todos os continentes, inclusive o Brasil.

Os alemães renderam-se oficialmente no dia 8 de maio de 1945 e do lado asiático, a guerra teve fim oficialmente no dia 2 de setembro de 1945, quando os japoneses assinaram sua rendição incondicional aos americanos. Inenarrável a rendição japonesa, resultado direto do lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima, em 6 de agosto, e Nagasaki, em 9 de agosto. Após a rendição do Japão, os Aliados mobilizaram forças para a realização dos acordos políticos que dariam fim à Segunda Guerra Mundial.

A rendição e indenizações, trocas de presos, devoluções dos mortos não garante o estado de paz. A paz não se garante pela assinatura de Acordos e não é suficiente para reconhecer o estado de paz apenas pela ausência de guerra. A paz requer disposição, compromisso, vigilância e instrumentos jurídicos capazes de negociar os conflitos. Daí que representantes dos povos, ao fim da primeira guerra mundial, com o objetivo de manutenção da paz, criaram a Liga das Nações, pelo Tratado de Versalles, em 28 de julho de 1919. No entanto acusada de não ter logrado êxito para impedir a eclosão da segunda guerra mundial, a Liga foi dissolvida em 1942.

Com o compromisso de manter a paz e a segurança internacionais, durante os trabalhos da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas buscou-se adotar medidas efetivas para evitar ameaças à paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste. Assim durante a Assembleia foi firmada a Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945, por mais de cinquenta países, na cidade estadunidense de São Francisco.

Dentre os 193 países, 51 são os seus fundadores, ou seja, aquelas nações que assinaram a Carta das Nações Unidas em 1945, e que inclui o Brasil. O último país a aderir à ONU foi o Sudão do Sul, em 2011, ano em que esse país tornou-se independente.

No documento Fratelli Tutti o Papa Francisco trata do papel das organizações internacionais e da necessidade de uma reforma na Organização das Nações Unidas e da arquitetura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações:

“Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental».[153] É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto”.

No artigo 257 o Papa afirma “Se se quiser um desenvolvimento humano integral autêntico para todos, é preciso continuar incansavelmente no esforço de evitar a guerra entre as nações e os povos.

A contrução da paz exige vigilância diuturna e obsessivas práticas democráticas. Não se chegou a aprovação da Declaração Universal magicamente . Foi construida, tendo na memória dos povos e nações o cheiro de pólvora, o barulho dos canhões e uma tremenda dor na alma dos que sofreram as perdas, das infâmias do nazismo com suas camaras de gás e campos de concentração, do apartheid, das invasões, das prisões e das torturas no ar e uma forte dor gravada na vida dos que perderam algumas das 10 milhões de vitimas na Primeira Guerra, ou das mais de 60 milhões de vitimas da Segunda Guerra.

Para que não ocorra à Organização das Nações Unidas o que ocorreu com a Liga das Nações,dissolvida em 18 de abril de 1946 acusada de incapacidade de impedir os horrores da Primeira Guerra Mundial, é preciso que a Organização das Nações Unidas sofra

profundas modificações. Em verdade o fracasso da Liga deve-se a uma sucessão de desestabilizações causadas especialmente por quem não reconhecia a autoridade da Liga.

Sem admitir justificativa qualquer justificativa a favor de guerra como pretexto para se evitar males maiores, o Papa Francisco lembra do poder destruidor das armas nucleares que atinge a tantos inocentes. “Assim, já não podemos pensar na guerra como solução, porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Perante esta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar duma possível «guerra justa». Nunca mais a guerra![242]”.

Não obstante o Papa Francisco considera as reiteradas violações de direitos humanos que ocorrem em volta do mundo, as guerras, as perseguições raciais ou de religião, que convém a interesses econômicos, como terceira guerra mundial aos pedaços. A esta figura o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma:

“Todos o homem tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal “

O que dizer das quase 200000 (duzentos mil) mortes de vítimas da contaminação da covid que poderiam terem sido evitadas se o Estado membro das Nações Unidas tivesse lhes garantido assistência sanitária?

Honrar homens e mulheres que lutaram para que não nascemos com divida declarada é nosso dever de memória. Lutar para que todos e todas sejam de fato livres e iguais em dignidade e direitos é nosso compromisso. Lutar para que seja devolvido o que foi retirado dos mais pobres é nossa obrigação. Lutar para que os desiguais sejam tratados com justiça é nossa obrigação.

Aspiro que não cultivemos letras mortas e estejamos vigilantes com o cumprimento das Declarações, Tratados e Pactos a favor da pauta de Direitos Humanos.

Que este artigo suscite o desejo de leitura e reflexão da mais nova Carta de Direitos Humanos, a Fratelli Tutti.

Sueli Aparecida Bellato – Religiosa da Congregação de Nossa Senhora – CSA Coordenadora da CRB Regional Brasilia; Advogada associada à ABJD; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; Observatório Politico da Comissão Brasileira Justiça e Paz

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