A “Igreja em saída” e o cristãos leigos e leigas

Uma Igreja em saída, que suje os pés e mãos para socorrer os caídos; Igreja hospital de campanha capaz de socorrer os feridos que estão à margem da estrada da vida (Evangelli Gaudium 20-24,49);

Por: Dom Giovane Pereira de Melo

Uma Igreja com ênfase na misericórdia e não em exclusões e condenações…; uma Igreja que constrói pontes, que dialoga buscando superar as rupturas, que contribui para a paz entre as nações; uma Igreja Povo de Deus, presente no mundo, centralizada na Palavra de Deus; uma Igreja com forte protagonismo do laicato e sinodal, marcada por um estilo de viver a comunhão e a participação, pelo respeito à dignidade e igualdade de todos os batizados, pelo complemento de carismas e ministérios (cf. documento final do sínodo para a Amazônia n. 91), onde a evangelização é vista como responsabilidade de todos e exige a participação das forças vivas da Igreja… ; uma Igreja protagonista do cuidado da Casa Comum, da proteção e defesa dos direitos dos povos originários e dos direitos da natureza, uma Igreja que opte pela vida…, essa é a Igreja ”em saída” sonhada pelo Papa Francisco.

Essas grandes intuições do Vaticano II são os fundamentos da Igreja no pontificado do Papa Francisco e que encontramos sintetizados na Evangelii Gaudium, Laudato Si com o seu ápice no Sínodo para a Amazônia. Esse projeto de Igreja, com a simplicidade do Papa Francisco e a sua necessidade de estar próximo das pessoas vem conquistando a simpatia e a adesão entusiasmada de muita gente, dentro e fora da Igreja Católica, mas há também sinais de fortes resistências tanto no interior da Igreja, como de setores da sociedade.

O Papa Francisco é a figura importante desse projeto da Igreja “em saída”, mas irá precisar de muitas mãos: de bispos, padres, religiosas, religiosos e da fundamental participação ativa dos cristãos leigos e leigas que vivem sua vocação batismal, o seu sacerdócio comum do Povo de Deus na Igreja e na sociedade. 

São os cristãos leigos e leigas que estão à frente das comunidades eclesiais, dos inúmeros catequistas, de lideranças comunitárias que fazem presente o dinamismo da Boa Nova do Reino através das Comunidades Eclesiais de Base, dom que Deus concedeu à sua Igreja. As CEBs “tem sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros” (Documento de Aparecida n.178).

São cristãos leigos organizados em associações laicais, movimentos eclesiais, comunidades novas que expressam uma nova era agregativa dos fiéis leigos (cf. Christifidelis Laici, n. 29); essas expressões laicais são lugares de fé em que jovens e os adultos experimental um modelo de vida na fé como oportunidade para a vida de hoje (discurso do Papa Bento XVI aos bispos alemães 18/11/2006). São agregações laicais que necessitam do discernimento espiritual próprio dos Pastores que precisam respeitar os novos carismas e sua originalidade, acolher a riqueza espiritual e apostólica e o empenhar para integrá-las, de acordo com seu carisma específico em profunda unidade de fé e ação com a Igreja local (Aparecida 313).

A Igreja em estado permanente de missão, “em saída” exige conversão. Uma conversão que precisa ser feita em diálogo com as pessoas: povos indígenas, camponeses, afrodescendentes, migrantes, jovens, e moradores das cidades. Uma conversão pastoral capaz de transformar em comunidades vivas, fraternas, que trabalhe em rede a serviço da evangelização (Documento final do Sínodo para a Amazônia n. 20,21). A Igreja “em saída” só pode residir nos grupos que abraçam as raízes eclesiológicas do Concilio Vaticano II.

Assumir o projeto de Igreja “em saída” requer fundamentação teórica e ações práticas. Será preciso recuperar e atualizar a teologia e a eclesiologia do Concílio Vaticano II e construir a Igreja a partir de novas práticas como a experiência a Igreja nas casas, ou Igreja domestica que estamos experimentando nesse tempo de pandemia.

Uma Igreja “em saída” coloca a pessoa humana no centro das suas atenções e estabelece diálogo com as forças comprometidas com o humano, convidando-os para encontros e com eles buscar saídas para uma globalização que vem gerando exclusão e indiferença frente aos sofrimentos e angústias às massas populares. Assim, realiza em Roma em outubro de 2014, o primeiro encontro do papa com os movimentos sociais onde ficaram célebres as três palavras evocadas, para definir os instrumentos necessários para garantir a vida e dignidade das pessoas: Terra, Trabalho e Teto e que as pastorais sociais no Brasil escolheram como tema da 6ª Semana Social Brasileira.

No segundo encontro dos movimentos sociais com o papa Francisco, de 7 a 9 de julho de 2015, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia podemos destacar três frutos desse encontro: colocar a economia a serviço dos povos, construir a paz, a justiça e defender a Mãe Terra. O Papa Francisco acrescentou ainda a necessidade de uma mudança nas estruturas para que a vida seja digna, e que os movimentos populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo, como em uma poesia; nesse encontro o Papa chamou os movimentos sociais de “poetas sociais”. 

No dia 5 de novembro de 2016, no Vaticano em Roma, o Papa aprofundou o intercâmbio entre os movimentos sociais e as Igrejas nacionais. Denunciou o “terrorismo” de um sistema econômico a serviço do lucro e acumulação de uns poucos e a ditadura econômica global que levanta muros entre classes sociais e países. Insistiu na construção de pontes e do amor e na busca de caminhos para enfrentar o drama dos migrantes, refugiados e deslocados. O papa recolocou o exercício da política como imprescindível, qualificando-a, na linha de Paulo VI como uma das formas mais elevadas da caridade, do amor!

A Igreja “em saída” sonhada pelo Papa Francisco se preocupa com a ecologia integral, a defesa da Casa Comum e inclui aspectos educativos que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos. “Não haverá uma ecologia Sã e sustentável, capaz de transformar, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno” (Exortação Apostólica Querida Amazônia n. 58).

Para concretizar a Igreja “em saída” é de suma importância uma adequada formação do laicato. “A formação de sujeitos eclesiais, que implica em amadurecimento contínuo da consciência, da liberdade e da capacidade de exercer o discipulado e a missão no mundo, deve ser um compromisso e uma paixão das comunidades eclesiais”. (CNBB 105, n.229).

Para que os cristãos leigos e leigas sejam protagonistas da Igreja “em saída” é preciso destacar a necessidade de que estejam organizados como grupo distinto dos cristãos bispos, dos cristãos presbíteros, dos cristãos diáconos e dos cristãos religiosos em vista dos serviços que lhes competem no seio da Igreja e no mundo. Sem uma organização firme, particularmente nos conselhos de leigos, dificilmente os cristãos leigos terão como enfrentar os desafios da sua missão no mundo moderno.

O Conselho Nacional do Laicato no Brasil – CNLB é a organização nacional dos cristãos leigos e leigas e se fundamenta na eclesiologia da Comunhão e Missão, convivência na diversidade de expressões e vivencia eclesial dos cristãos leigos.  

Concluo citando a Evangelli Gaudium que diz: “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (Evangelli Gaudium n. 20.

Giovane Pereira de Melo – Bispo da Diocese de Tocantinopolis Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato – CNBB

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