A Mulher na Pastoral

Inicio esta reflexão comentando o significado da palavra pastoral, que conforme a CNBB, significa “a ação da Igreja Católica no mundo ou o conjunto de atividades pelas quais a Igreja realiza a sua missão de continuar a ação de Jesus Cristo, junto a diferentes grupos e realidades”.

Por: Ellen Centini

O Diretório Geral da Catequese de 1997 no seu número 49, ao dispor sobre o processo da evangelização, enumera três etapas do processo, sendo a ação pastoral uma delas, definindo- a como:

“(…) ação pastoral para os fiéis cristãos já maduros, no seio da comunidade cristã. Esses momentos, no entanto, não são etapas concluídas: reiteram-se, se necessário, uma vez que darão o alimento evangélico mais adequado ao crescimento espiritual de cada pessoa ou da própria comunidade”. [1]

Destas observações, podemos concluir que para a existência de uma pastoral precisamos de pessoas e de serviço, ou seja, ação.

A ação pastoral se dá pelo serviço dos cristãos leigos e leigas, do clero, dos consagrados e consagradas e de toda pessoa batizada que se coloca em missão. Sua concretização ocorre por meio da participação na comunidade, pelo diálogo e pela representação nos diversos setores: no serviço aos necessitados e vulneráveis, na participação nos movimentos sociais, nas formações, no estudo bíblico e dos documentos da Igreja e outros, na catequese, na liturgia, na defesa do pobre, na denúncia das injustiças, além de muitas outras formas de participação.

As pastorais são uma realidade nas nossas paróquias e, se para formar e atuar em uma pastoral, a presença humana é um requisito básico, podemos dizer que a mulher está presente nesta ação. A Igreja, desde os primórdios, sempre teve como presença marcante a mulher. No Novo Testamento, vemos as mulheres em todas as ocasiões seguindo a Jesus.

Na ressurreição, temos: “Passando o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para ungir Jesus. Entrando no sepulcro, viram, sentado do lado direito, um jovem vestido de roupas brancas, e assustaram-se. Ele lhes falou: Não tenhais medo. Buscais Jesus de Nazaré que foi crucificado. Ele ressuscitou, já não está aqui. Eis o lugar onde o depositaram” (Mc 16, 1.5-6).

Também as mulheres foram presença no anúncio da ressurreição. Em Pentecostes, Maria e as mulheres estavam presentes: “Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André…Todos eles perseveravam na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele”. (At 1,13-14) e “(…) chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar (…)”. (At. 2,1).

Essas passagens mostram a presença da mulher na Igreja que, hoje, continua. A mulher é maioria na Igreja e nas pastorais, mas apesar de sermos a maioria na presença e no trabalho pastoral, somos minoria quando observamos quem ocupa as coordenações, o que deveria causar estranheza e gerar questionamento. Isso, pensando apenas no universo das paróquias e da diocese, porque se ampliarmos esse universo, a situação é ainda mais grave.

Por exemplo, em um sínodo sobre a família tínhamos a presença de aproximadamente 20 mulheres e mais de 250 homens, centenas de teólogas, cujo potencial tem sido subestimado para levar seu conhecimento e contribuição em âmbito universitário e, igualmente, em nível paroquial e pastoral.

A presença da mulher na Igreja é quantitativa, porque não se leva em consideração a competência feminina. A mulher é vista como complementar ao homem e não como igual, basta olharmos para o mito da criação. Apesar das narrativas da mulher como protagonista na Igreja, tudo ainda é muito superficial e retórico, em geral, na prática, somos tarefeiras.

Na reportagem feita por Marco Marzano, publicada pelo jornal II Fatto Quottidiano em 30/08/2015, traduzida por Ramiro Mincato, sob o título “Igreja puramente masculina: a grande fuga de mulheres”, está dito:“(…) as mulheres estão somente na base da pirâmide, onde 90 por cento da população de catequistas é feminina (…) basta olhar as listas dos responsáveis pela liturgia e pela catequese nas dioceses, para encontrar apenas nomes masculinos. Quase sempre sacerdotes, mas de qualquer forma, homens”.

A posição dos sacerdotes é outro ponto que precisa ser discutido, porque, mesmo os mais avançados, que ouvem e discutem com a comunidade os assuntos de interesse da paróquia e das pastorais, acabam sempre dando a palavra final e decidindo conforme suas ideias.

Infelizmente, este ainda é o rosto majoritário da Igreja na qual impera o clericalismo, em oposição a uma Igreja sinodal, a qual, nas palavras do Papa Francisco, em seu discurso no 17 de outubro de 2015, na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, é:

“Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo, está já tudo contido na palavra ‘Sínodo’. Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática”. [2]

Destas palavras, podemos observar que esse é um caminho longo a se percorrer na Igreja, e ainda mais longo para nós mulheres que já somos relegadas a segundo plano ou no máximo ao plano das tarefas e dos serviços subordinados, na maioria das vezes, ao comando dos homens.

Neste sentido, o próprio Papa, que nos traz tanta luz em temas tão importantes, ao tratar da mulher na Igreja e no mundo, o faz de forma questionadora dos padrões e cobra maior abertura e mais espaço para nós, apresenta uma visão em que transbordamos de ternura, harmonizamos o mundo e fazemos dele uma coisa bonita.

Nessa visão, com palavras carinhosas e gentis, o nosso querido Papa diz que somos beleza e poesia, somos criadas por Deus para que todos tivessem uma mãe, somos sensíveis, em especial pelas coisas de Deus; compreensivas, construímos uma sociedade mais humana.

O Papa Francisco nos enche de adjetivos e enxerga em nós, esperança de um mundo melhor, mas ainda assim enfrenta o problema de forma cautelosa, possivelmente, em vista da sociedade machista em que estamos inseridos, a tradição patriarcal, a postura do Vaticano e das Igrejas locais, que em geral, não vislumbra nossa potencialidade nos setores intelectuais, produtivos, econômicos e outros, que numa linguagem vulgar, se diria que são ambientes em que nossa sociedade machista e patriarcal ainda vê como território masculino, porque não admite nem aceita a competência feminina. Mesmo o Papa afirmando, nas palavras de Ivone Gebara:

 “(…) a necessidade de repensar a presença da mulher na Igreja, sua vocação e coisas nesse estilo. É claro que a tradição patriarcal onipresente e a máquina burocrática do Vaticano, assim como das Igrejas locais, não facilitam mudanças institucionais para as mulheres”. [3]

Daí se depreende que, apesar das mulheres estarem presentes na Igreja e na pastoral, e de sermos a maioria entre os fiéis, nosso papel ainda é de servidão e de submissão e, em muitos casos, somos consideradas cristãs de segunda categoria, o que talvez possamos vislumbrar nas palavras do Papa:

“Também na Igreja é importante se perguntar: qual é a presença da mulher? Sofro – digo a verdade – quando vejo na Igreja ou em determinadas organizações eclesiais que o papel de serviço – que todos nós temos e devemos ter – da mulher diminui para uma função de “servidumbre”. Não sei se se diz assim em italiano. Compreendeis-me?” [4].

Desta forma, podemos afirmar que a presença da mulher no serviço pastoral é evidente, mas ainda temos muito por fazer para que nossa ação pastoral, na Igreja e no mundo, seja tratada com respeito, dignidade e valor, que não apenas merecemos, mas que conquistamos com nossos esforços, dons e inteligência com que Deus nos agraciou.

Notas

 [1] Sou catequista. Disponível em <www.soucatequista.com.br> Acesso em 31.out.2020

[2] FRANCISCO, Discurso do Santo Padre Francisco na Comemoração do Cinquentenário da Instituição do Sínodo dos Bispos, 17.out.2015. Disponível em http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151017_50-anniversario-sinodo.html>. Acesso em 01.nov.2020

[3] FACHIN, Patrícia. A presença da mulher na Igreja: retórica sem mudanças significativas. Revista do Instituto Humanitas-Unisinos, 09.set.2014. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/535071-repensar-a-presenca-da-mulher-na-igreja-uma-retorica-sem-mudancas-significativas-entrevista-especial-com-ivone-gebara->. Acesso em 01.nov.2020.

[4] FRANCISCO, Discurso do Papa Francisco aos participantes do Seminário sobre a Carta Apostólica Mulieris Dignitatem do Papa João Paulo II. Disponível em <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/october/documents/papa-francesco_20131012_seminario-xxv-mulieris-dignitatem.html> . Acesso em 01.nov.2020.

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