As aulas devem retornar ao presencial.

As aulas devem retornar ao presencial. Seria insano de minha parte não querer isso. Enquanto professor, não admito que haja ensino a distância para a educação básica. A escola é um lugar de relações, presença, afeto.

Por: Rodolfo Medina

Não há ensino básico à distância, pois a escola não ensina só o “beabá”, mas também a percepção de si enquanto sujeito de sua vida, na relação com os demais seres humanos que compartilham deste lugar. Sobretudo as crianças e adolescentes, que estão em fase de desenvolver estas competências. As aulas devem retornar ao presencial. Seria insano de minha parte não querer isso.

A escola também é um lugar de formação e orientação da comunidade educacional, formada por estudantes, pais e mães, familiares, professores e professoras, grupo de gestão, funcionários e funcionárias da limpeza e cuidado do patrimônio, seguranças, e, inclusive, o entorno da escola, a vizinhança. E estes deveriam ser os primeiros a serem ouvidos neste retorno às aulas presenciais, pois são estes que sabem a realidade da escola em questão, as necessidades, as dificuldades, e também as qualidades e os potenciais.

Precisamos ouvir infectologistas, epidemiologistas, pediatras, médicos de outras especialidades, enfermeiros, psicólogos, psicoterapeutas e psiquiatras. Desde que estejam em consonância com a realidade escolar em questão. Não existe regra, receita pronta para todas as escolas. O que pode haver são instruções, orientações genéricas, que devem ser adaptadas a cada realidade. E é preciso fortalecer isso. Unir as forças dos especialistas, com a vivência da comunidade educacional.

As aulas devem retornar ao presencial, pois, além de tudo a escola é um aparato de segurança social. A prevenção da violência doméstica, a acolhida às necessidades psicológicas dos e das estudantes, do luto mal vivido, da partilha das angústias; tudo isso acontece no ambiente escolar. É um lugar de conhecimento do ser humano, de envolvimento, de relações, presença e afeto. Muitos estudantes necessitam da merenda, do cuidado, do carinho, de estar em contato com este ambiente. E é por isso que precisamos retomar as aulas presenciais.

Porém é preciso fazer isso de forma séria. Não com fotos falsas para ganhar a opinião pública, nem com fingimento de preocupação com os estudantes e seus familiares. É preciso tratar com verdade a realidade escolar. Vamos retornar para a mesma escola de sempre? Infraestrutura muitas vezes precária, grades, muros, trancas. Iluminação precária, ventilação precária, vidros e janelas inutilizáveis, cadeiras e carteiras quebradas. Falta de profissionais, remuneração ruim dos profissionais que já fazem parte do quadro, falta de apoio a estes profissionais.

Em muitas escolas inclusive falta espaço de lazer, com grama, ao ar livre. Parecem cadeias, impõem medo e insegurança aos que frequentam, inclusive pela força de segurança policial. Sem parcerias com unidades básicas de saúde ou atendimento de secretaria de assistência social. Se tiver dúvidas de como acontece a escola basta olhar com os seus próprios olhos, pois a escola pública está sempre de portas abertas para a comunidade. Pode até duvidar do que estou lhe informando, mas não deixe de averiguar por conta própria então.

É nesse contexto que se quer retornar às aulas presenciais. E embora tenham mesmo que voltar, será que é desta forma? É desta forma que vamos aceitar a retomada das atividades escolares? É desse jeito que sentimos a segurança para o retorno? Colocar crianças e adolescentes e seus familiares em risco de contágio de uma doença que não está sequer controlada no país, é, no mínimo, falta de respeito com estas pessoas. Casos aumentando, uma nova cepa do vírus, mais contagiosa, e ainda incerta quanto a sua força.

Faltando leitos em diversas cidades e estados. Faltando oxigênio para o cuidado dos doentes. Um esforço tamanho dos e das profissionais de saúde para garantir sobrevida neste momento. Com sofrimento escancarado em suas faces, com tristeza e medo, e deixando suas casas e vidas particulares para auxiliar no combate à doença. Falta de controle, barco afundando e tem gente querendo que continue a música.

A escola não pode simplesmente abrir de qualquer maneira, com diretrizes e planos pensados por aqueles que há muito tempo não pisam numa sala de aula, ou quiçá já pisaram. Não há distanciamento seguro nas escolas. Não há EPIs necessários. Não há profissionais suficientes para a garantia da segurança sanitária. Não há garantia para os professores e professoras. Não há discussão com a comunidade escolar, nem pais e mães, nem profissionais envolvidos na escola. Muito pelo contrário: tem pessoas que ainda chamam os profissionais de vagabundos que não querem retornar as atividades presenciais.

A escola precisa retornar suas atividades presenciais, e deve. Porque a escola só existe no presencial. O que fizemos, enquanto professores e professoras, de forma remota, era por necessidade, e não tem cabimento achar que deve ser assim por todo o resto. Porém, é necessário que reflitamos sobre a segurança neste retorno e as mudanças que são necessárias à realidade escolar para um novo modelo educacional. Sem fingimento, sem demagogia, sem usar a educação como moeda de troca por voto e eleição.

Quero voltar, devemos voltar, temos que voltar. Mas queremos também respeito e dignidade no trabalho, reconhecimento e parceria, melhores condições para toda comunidade educacional. Afeto e presença são ideias chave. As aulas devem retornar ao presencial, mas não da maneira que estão querendo enfiar goela abaixo.

Rodolfo Medina é professor efetivo de Filosofia do Estado de São Paulo e especialista em Educação para Inserção Social – contato: rmedina@prof.educacao.sp.gov.br

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