Corrupção: a pior das chagas sociais

Todos os dias acompanhamos pela TV ou pela internet notícias que envolvem atos de corrupção, protagonizados por agentes públicos ou por setores da iniciativa privada. Mas será que a corrupção só existe nesses espaços? Sabemos de fato o que é a corrupção e as suas consequências na vida do povo? Pois bem, é disso que vamos conversar.

Por: Carla Cristiani de Oliveira Guimarães

Todos os anos o dia 09 de dezembro é marcado como o Dia Internacional de Combate a Corrupção, uma chamada da Organização das Nações Unidas (ONU) para que de maneira integrada os países possam definir estratégias eficazes de combate a corrupção, que causa tantos malefícios a população.

O termo Corrupção surgiu a partir do latim corruptus, que significa o “ato de quebrar aos pedaços”, ou seja, decompor e deteriorar algo.  Na prática, a corrupção é o efeito ou ato de corromper alguém ou algo, com finalidade de obter vantagens em relação aos outros por meios considerados ilegais ou ilícitos. Nessa relação social que é exercida por pessoas físicas ou jurídicas, temos as figuras centrais dos corruptos e corruptores que buscam na ilegalidade o benefício privado.  

É no campo da política que a corrupção acaba sendo mais evidenciada, envolvendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas esferas municipal, estadual e federal. Porém, a corrupção também ganha espaços na vida privada, nas relações sociais e humanas, apelidadas de “jeitinho brasileiro”, uma tentativa de resolver os problemas ou as situações difíceis através de práticas incorretas e que descumprem regras e legislações.

Essas atitudes se materializam em sonegação de impostos; andar pelo acostamento num engarrafamento; não devolver o troco errado da padaria; pedir aquele “favor” ao amigo da prefeitura para “agilizar” os seus processos; assinar o ponto de trabalho pelo colega; utilizar o dinheiro da comunidade para outras finalidades… e por aí vai. Esses pequenos comportamentos trazem resultados, que podem ser positivos quando resultam em vantagens, ou negativos quando geram algum tipo de punição, na qual interferem na continuidade ou não de práticas corruptas. O Papa Francisco em 09/12/2019, afirmou que “a corrupção é um câncer e que ela degrada a dignidade das pessoas”.

A corrupção na esfera pública prejudica toda a sociedade, que tem muito dos seus direitos sociais e econômicos violados, em detrimento dos desvios dos recursos gerados pela corrupção. Mas antes de abordarmos a corrupção na esfera pública, é necessário compreendermos que é no processo de organização do sistema capitalista, que surgem as raízes que sustentam a corrupção, alicerçadas nas relações estabelecidas entre Mercado e Estado. Leonardo Koury Martins, afirma que “a corrupção é resultado do interesse privado sob a riqueza construída socialmente e acumulada no Estado. A corrupção é produto da sociedade capitalista (…) O lucro é a materialização da corrupção enquanto engrenagem, toma do que é produzido pela coletividade e procura trazer o usufruto de uma minoria”.

Longe de ser apenas um exemplo de má gestão pública, questão cultural ou incompetência de gestores, a corrupção é um projeto do Capital que visa o lucro. Para constatar isso, lembremos dos vários gestores públicos que em plena pandemia do Covid-19 desviaram recursos da área da saúde para compras superfaturadas de respiradores e equipamentos médicos por meio de licitações fraudulentas.  Em virtude disso, é que percebemos o quão desafiador é combatê-la, bem como, qualificar as instâncias de fiscalização.

Ao longo dos anos, acompanhamos os impactos negativos da corrupção em áreas importantes da vida da sociedade, destacamos aqui algumas delas:

– Social: é justamente na base da pirâmide social, formada pela camada mais vulnerável e pobre da sociedade, que são sentidos diretamente os impactos da corrupção. Os recursos públicos que deveriam ser investidos em políticas de educação, saúde, trabalho, segurança pública, assistência social entre outros, são desviados para interesses e ganhos privados. Com isso, temos programas inoperantes e insuficientes para a garantia dos direitos sociais básicos, com a má qualidade do serviço público: falta de medicamentos e equipamentos no SUS, merenda escolar de baixa qualidade, inexistência de programas de trabalho e renda, ausência de investimentos nas periferias e a criminalização da população pobre. Com isso, vislumbramos um aumento de miseráveis e o crescimento da desigualdade social, e nessa contradição, o Estado que deveria garantir a proteção social acaba sendo um dos principais opressores.

– Ambiental: a corrupção e os interesses privados andam de mão dadas, e especialmente nesse campo eles se materializam em forma de licenças ambientais, laudos técnicos fraudulentos e legislações que facilitam práticas econômicas como a grilagem de terra, mineração e desmatamento. Os impactos gerados respingam nas comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas que são expulsos de suas terras e muitas vezes perseguidos e mortos.

Em áreas de barragens e hidrelétricas comunidades inteiras são impactadas pelos seus efeitos e desastres, além da poluição nas águas causadas pelos grandes projetos econômicos. O atual governo federal mantém uma postura negacionista frente a problemática socioambiental, em especial na região amazônica, a ineficácia do Estado contribui para o seu fortalecimento com a flexibilização das legislações ambientais e a criminalização dos órgãos de fiscalização e organizações não governamentais.

– Econômico: a corrupção envolve práticas como subornos e propinas, nas quais envolvem quantidades elevadas de recursos financeiros, destacamos aqui as licitações públicas que são fontes inesgotáveis de corrupção. Segundo a ONU são gastos por ano em média de 1 trilhão de dólares em subornos e propinas e em média 2,6 trilhões de dólares em desvios para a corrupção. O Estado corrupto não se desenvolve e não cresce economicamente, pois os recursos que deveriam ser investidos em políticas econômicas e sociais são desviados para a garantia e os interesses do Mercado, sobretudo aos bancos, empreiteiras e as grandes corporações nacionais e internacionais.

A ONU salienta que a corrupção limita a capacidade dos governos em servir a população, pois fragiliza o Estado de Direitos, as instituições públicas e a confiança nas lideranças. Num país onde a corrupção reina, a democracia é fortemente ameaçada. Com isso, as instâncias de democracia participativa ficam abaladas e suas estruturas não garantem um alto nível de participação do povo nos espaços dos conselhos de políticas públicas, fóruns, audiências públicas e as mais diversas formas de incidência política da sociedade civil.

Da mesma forma, a democracia representativa cai no descrédito de boa parte da população, com o aumento de práticas ilícitas protagonizadas por agentes políticos, e como consequência temos os processos eleitorais fragilizados que reafirmam velhas práticas como a compra de votos, votos de cabresto na qual não garantem alternância de poder e a soberania popular.

Na mensagem dos Bispos da CNBB reunidos na 57ª Assembleia Geral em maio de 2019, os bispos afirmam que: “O Brasil que queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros com os valores que têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor. Queremos uma sociedade cujo desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a liberdade e a igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos jovens, valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os migrantes, promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões, incluído o respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e integral”.

Combater a corrupção não é tarefa fácil. É preciso que a população compreenda de que forma a corrupção acontece, as correlações de forças existentes e o sistema complexo que a sustenta: polarizações, ódios, fake news e fundamentalismo extremo. Em virtude da fragilidade jurídica e de políticas eficazes de combate a corrupção, não podemos nos contentar que a punição seja o único caminho, pois ela já se mostrou ineficaz, é preciso denunciar práticas de corrupção, fortalecer as instituições democráticas de controle social, bem como prezar pelos valores éticos que garantam o bem comum.

Somos chamadas e chamados a combater práticas corruptas em nosso meio, seja na vida privada, pública ou mesmo dentro de nossa Igreja, pois a corrupção é a “pior de todas as chagas sociais”, nos alerta Papa Francisco. Nos deixemos conduzir pela mensagem profética do Evangelho, nos tornando vigilantes no combate a corrupção e a toda a injustiça que brotam dela.

Carla Cristiani de Oliveira Guimarães Assistente SocialArticuladora Regional da Pastoral Social – CNBB Sul 4

plugins premium WordPress