Dia Internacional da Igualdade Feminina – Dia de dar voz às ‘Marias’ ”

Hoje, 26 de agosto, Dia Internacional da Igualdade Feminina, celebramos o compromisso pela luta contra a desigualdade entre os gêneros. Tal data, embora ainda não disponha dos mesmos holofotes do Dia Internacional da Mulher (8 de março), porém não deixa sua importância. Este dia, oriundo nos EUA, é representativo do marco histórico das lutas das mulheres pelos direitos civis, sufrágio feminino, pela representatividade política e igualdade.

Por: Lúcia Eliza Ferreira da Silva

Com a adoção, em 26 de agosto de 1920, da emenda constitucional americana que permitia às mulheres o direito ao voto, abriu-se caminho para uma sociedade mais igualitária. No entanto, somente em 1973, firmou-se a data comemorativa [1].  

Ao reconhecer a emergência da paridade entre mulheres e homens, para alguns, erroneamente é tentativa de troca do exercício de subjugação, até pelo modelo de sociedade e de relações a que estamos imersos, identificados pelo contínuo e efervescente choque e disputa de poderes[2]. No entanto, essa comemoração requer igualdade de direitos entre homens e mulheres, sensibilizando e gerando convicção acerca da dignidade e respeito à que todo ser humano é detentor e sujeito de realização[3].   

            Com o passar do tempo, vê-se novas conquistas femininas no âmbito do mercado de trabalho com reivindicações políticas e questionamentos ganharam espaço sobre a posição da mulher também na instituição familiar, pois configurada sob a hegemonia da autoridade identificada na pessoa no pai, o seio familiar gera certa vulnerabilidade da mulher.  Igualmente, o despertar da consciência sobre o corpo feminino e o exercício de autoridade sobre si mesma e vontades, proporcionaram o protagonismo da nova subjetividade do feminino juntamente aos novos ventos idealizadores da mulher, pautados na liberdade e na autonomia.

Grandes mulheres protagonizaram e protagonizam essa luta pela igualdade de gênero, ativistas feministas contra a estrutura opressiva à mulher abriram caminhos reflexivos para possíveis e desejadas mudanças contextuais. Simone de Beauvoir (1908-1986) e Betty Friedan (1921-2006), enfatizaram sobre a natureza da mulher, autonomia e destino. Destaque as ativistas do movimento negro que em busca de libertação das mulheres negras, denunciaram opressão de classes, racismo e sexismo. As americanas, Angela Davis e Bell Hooks. No Brasil, destacam-se Sueli Carneiro e Lélia Gonzalez (1935-1994), e tantas outras…

 Em particular, é importante frisar a existência da luta feminina da ‘Maria’ ou das ‘Marias’. Mulheres que por suas práticas e narrativas, lutam por igualdade em meio a dramas familiares, profissionais, violências e invisibilidade.  ‘Maria-Maria’, tão bem retratada na ótica sensível dos compositores Milton Nascimento e Fernando Brant[4]. Música que entoa há 40 anos, não perdendo o frescor do grito e sendo fiel a força da mulher em busca de vencer inúmeras barreiras. Obstruções que desequilibram a obtenção de oportunidades.

A vida das Marias-brasileiras é retratada pelas estatísticas e indicadores sociais. O rosto de seu cotidiano expresso pelas pesquisas, corroboram na sustentação de que estas ainda permanecem como corpo vulnerável. Na Síntese de Indicadores Sociais – Uma análise das condições de Vida da População Brasileira (IBGE 2019), consta a desigualdade estrutural no mercado de trabalho, onde a disparidade é evidente. Exemplos por áreas de atividade: serviços domésticos (5,8 milhões de mulheres e 458 mil homens); enquanto na indústria (quase 8 milhões de homens e 4 milhões mulheres), na construção (6,5 milhões de homens e somente 235 mil mulheres). Nos rendimentos, se observam diferenças, os homens ganham em média, 27,1% a mais que as mulheres; onde brancos ganham em média, 73,9% mais que pretos ou pardos[5].

Já na Estatística de Gênero – IBGE 2018, indica que a mulher dedica mais horas de cuidados às pessoas e/ou afazeres domésticos do que o homem. Neste quesito, elas desempenham 18,1 horas, enquanto eles, 10,5 horas semanais. Em alguns casos, essa carga horária é somada ao trabalho remunerado, fazendo com que a jornada seja dupla.

Outro dado controverso, as mulheres na população a partir dos 25 anos com o ensino superior são 16,9% (elas), enquanto eles, 13,5%. No entanto, nesses números encontramos mais desigualdade. Mulheres brancas com ensino superior, chegam a 23,5%, enquanto mulheres pretas ou pardas, somente 10,4%. Entre os homens também há disparidade: homens brancos, 20,7%; homens pretos e pardos, 7,0%[6].

Infelizmente, na questão de violência a mulher também ocupa o grande percentual de vítimas. No Atlas da Violência – 2019, é identificado o aumento de violência letal à grupos específicos, incluindo não somente as mulheres, mais também os negros e população LGBTI. Os dados apresentados, são: em 2017, notificou-se 13 homicídios de mulheres por dia (resultando em 4.936 mulheres), cerca de 30,7% de crescimento entre 2007-2017[7]. Ressalta-se a invisibilidade da violência sexual no Brasil, em que, 81,8% das vítimas são do sexo feminino (com somatória de agressão às vulneráveis – menores de 14 anos), ano de 2017-2018. Sendo que, por motivações como medo de retaliação, julgamento e outros, existe a baixa notificação à polícia[8].

Por fim, a mulher como sujeito religioso, em diversas esferas sofre sob o sombrio aparato fundamentalista, conservador e patriarcal, onde sua imagem e representatividade ainda permanecem obscurecidas.  O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium,103-104, legitima os direitos da mulher e sua igual dignidade perante o homem. Frisa que mesmo com sua colaboração ímpar nas comunidades e reflexão teológica, sua contribuição ainda precisa se reconhecer melhor na esfera das decisões nos diferentes âmbitos da Igreja[9].

Dado o exposto, o dia de celebração é também a data de reconhecer a continuidade emergente dos processos de fortalecimento da mulher na sociedade e nas áreas as quais ela deseja ocupar. É conscientizar que a figura do feminino precisa ser liberta de muitos estereótipos e, identificá-la como protagonista de si e também da história. É dia de sensibilização e denúncia às marcas que essa pele carrega. Flagelo de desigualdade frente aos homens. Disparidade, ainda mais assombrosa entre mulheres brancas e negras ou pardas. Contudo, é dia de sonhar conjuntamente.

Lúcia Eliza Ferreira da Silva – Mestranda e graduada em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Leiga, residente no território da Diocese de Santo André/SP.

REFERÊNCIAS

[1]Nota:Os americanos não foram os primeiros a garantir às mulheres o direito a voto. Este feito foi realizado, em 19 de setembro de 1893, na Nova Zelândia, durante o governo de Lord Glasgow. Cf. VAZQUEZ, Maria Laura Osta. Na fronteira do voto: discursos sobre cidadania e moral no debate do sufrágio das mulheres no Brasil e no Uruguai durante a primeira metade do século XX. Disponível em:

<https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/123429/326499.pdf?sequence=1&isAllowed=y>

[2] FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5ºed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

[3] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Mensagens, discursos e documentos. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. São Paulo: Paulinas,1998, n.º9.29.49.

[4] NASCIMENTO, MILTON. Maria, Maria (acústico) – composição: Fernando Brant/ Milton Nascimento. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=r1bBD4f3MTc>.

[5]Cf. Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica número 40 Síntese de Indicadores Sociais Uma análise das condições de vida da população brasileira 2019. Disponível em:

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf>.

[6]Cf. ESTATÍSTICAS DE GÊNERO 2018.Disponível em:

<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf>.

[7]Cf. Atlas da Violência 2019. Disponível em:

<https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/12/atlas-2019>.

[8]Cf.  Anuário Brasileiro de Segurança Pública -2019. Disponível em:

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