“EM MEIO A PANDEMIA: VIRTUDES, LIMITES E OPORTUNIDADES DA EVANGELIZAÇÃO NOS MEIOS DIGITAIS”

Por: Pe. Reuberson Ferreira

Nestes tempos, que são diferentes pelas circunstâncias que vivemos, a evangelização precipitou-se definitivamente para os meios digitais. Mergulhamos no mundo virtual de um modo incomum e num ritmo frenético, na tentativa de exercer a missão primeira da Igreja.

Paulo VI dizia que “o anúncio do evangelho é a verdadeira identidade da Igreja, pois ela existe para evangelizar” (EN 14). O Papa Francisco, recobrou essa ideia na Evangelium Gaudium e acrescentou que nesse processo, ela deve sempre ser aquela que busca “primeirear” (EG, 24). Desse modo, suas atividades pastorais ou suas celebrações sacramentais são uma consequência natural da sua identidade primeira, a de anunciar o Evangelho. Do seu compromisso, nos novos tempos, de ser pioneira no serviço do Reino.

Nestes tempos, que são diferentes pelas circunstâncias que vivemos, a evangelização precipitou-se definitivamente para os meios digitais. Mergulhamos no mundo virtual de um modo incomum e num ritmo frenético, na tentativa de exercer a missão primeira da Igreja. Assim, a seara digital ou o continente virtual tornou-se ambiente próprio para primeirear no anúncio do evangelho e o no testemunho cristão.

A bem da verdade, a Igreja já há bastante tempo armou sua tenda no mundo digital e se fez carne na realidade virtual. Muitas iniciativas já ocorriam. A diferença destes novos tempos é que ela aconteceu de maneira açodada e revelou, a um só passo, virtudes, limites e oportunidades.

VIRTUDES

Os efeitos nefastos da pandemia vividos pela humanidade desde os primeiros dias deste ano têm seu tamanho e força contrapostos por aquilo que, nesse mesmo período, fomos redescobrindo ou reinventando. Como diria, Santo Agostinho, Deus, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em sua criação se não fosse bastante poderoso e bom para resultar do mal, o bem (cf. Enchiridion, 11,3 – PL 40, 236).

Assim, aquilo que pareceria um mal – privação de Missa com fiéis, reuniões comunitárias, formações – acabou resultando num bem, em virtudes. Aspectos da evangelização migraram definitivamente para os meios digitais. De maneira aguilhoada adentramos nessa imensa rede e navegamos com alegria buscando anunciar o Evangelho a toda criatura.

Multiplicaram-se inciativas que visavam o anúncio do Evangelho. As conhecidas “lives” foram superlativadas. Era possível acompanhá-las e eleger as diversas possibilidades a serem vistas de acordo com temas e modelos. De Missas a bate-papos; de formações orgânicas e profundas a reflexões cômicas e pueris, divisava-se em todas as coisas, a possibilidade de ser presença evangelizadora na vida das pessoas.

Essa atitude, revelou a capacidade da Igreja, em situações extremas, de ser presença na vida da humanidade. Nesse momento, mesmo que mediado por mídias sociais, é palpável como uma parcela das pessoas se sentiam amparadas. Entendiam que sua Igreja, sua paróquia, sua comunidade, o lugar onde eles reuniam-se para sua vida religiosa, estava presente. Não os abandonou. Era uma presença de fé-afetiva. Falava ao coração, bem mais que a razão. Lógico que não era uma atividade que atingia a todos, visto que não é a população inteira que tem acesso a internet. Não obstante era uma tentativa de entrar na “vida diária dos outros, encurta as distâncias […] tocando a carne sofredora de Cristo no povo.” (GE, 24. 270)

LIMITES

 O adentrar na vida do outro pelas mídias sociais – ao menos daqueles que a ela tem acesso – parece que, em muitos aspectos, ainda é uma ação incipiente. Marcada por limites, próprio da natureza humana. Bem como fruto de uma comunidade ainda não totalmente preparada para o manuseio das novas tecnologias e deficitária de uma compressão clara acerca de evangelização e do que significa ser Igreja.

A pandemia revelou traços claros de uma Igreja e de cristão carentes de técnicas para operar o universo digital. Quer seja na linguagem, quer seja no aparato técnico ou no modelo daquilo que era oferecido, os limites apareceram. No anseio de apresentar algo ou na limitação de recursos estruturais, muitas postagens foram e são destituídas de qualidade e consequentemente, pouco atraentes e com pouco envolvimento. Algumas vezes, não deliberadamente, apresentam uma imagem turva daquilo que é a Igreja e do que deve ser a evangelização. Incorrendo no risco, como alertava o Papa no tempo das mass-média, de que “a mensagem que anunciamos […] aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários (EG, 34).

Outro dado limitante que esta pandemia revelou foi que, na busca de ser presença na vida das pessoas, excesso foram cometidos. O zelo rigorista para que as pessoas comungassem, levou a muitas ações como “Drivetrhu”; “Delivery” ou “Eucharistic March” a bordo de carros abertos ou de helicópteros. Não obstante a reta intenção que tais ações podiam ter, esse fato escancarava uma formação deficiente. Atestavam que alguns dos que presidem a eucaristia gozam de uma teologia pouco apurada sobre o Sacramento da Eucaristia (Unidade do sacramento) e negam, de igual modo, que o mesmo Cristo se manifeste de forma clara e real de outro modo, como, por exemplo, na Sagrada Escritura. Associa-se a este tipo de conduta, o colocar em evidência a figura do sacerdote. Incitando, de certo modo, o nefasto veneno do clericalismo. Que a um só passo, prescinde de outras formas mistagógicas de evangelização e coloca o laicato como mero receptor do Evangelho, nunca como sujeito da evangelização.

Assoma-se a isso, a evidente clareza de que para muitas pessoas, a noção de Igreja doméstica não é algo claro. Não formamos nosso povo para ser Igreja. Muitas vezes os formamos para estarem na Igreja. Não obstante louváveis atitudes de oração familiar propagada em muitas dioceses, a noção de Igreja doméstica é limitada, mal-entendida. O exercício do sacerdócio régio no seio das famílias é anulado. A campanha “Devolvam nossa Missa” protagonizada por certos círculos católicos, quando muitas pessoas morriam, atesta a incompreensão da Igreja doméstica e negam que a vida eclesial possa ser vivida, ainda que apenas neste tempo, nas casas.

OPORTUNIDADES

Em meio as alegrias e limites, cresce silenciosamente a esperança e a oportunidade de gestar algo novo e diferente no universo da evangelização. Seria como dizia o Papa Francisco, na Praça São Pedro, em sua oração pelo fim da pandemia, “encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade” (Francisco) e anúncio do Evangelho.

Essa migração para o universo digital é, portanto, oportunidade de reafirmar o compromisso de evangelização sadia, técnica e competente no meio virtual. A imperícia de muitos no universo digital é uma ocasião para criar-se ambientes de formação específico que dilatem essa íntima relação entre evangelização e meios de comunicação. A digitalização da evangelização aponta, igualmente, para força que as comunidades têm de penetrar pelos meios virtuais, na vida de pessoas que há bastante tempo estavam alijados do convívio eclesial, religioso ou de fé.

Essa acelerada migração para os meios de comunicação social, também se configura como um valoroso movimento para reforçar a teologia do sacerdócio régio ente o laicato e o clero. Somos, pela graça do batismo, sacerdotes, profetas e reis. Essa verdade indelével deveria transformar-se numa máxima dos processos catequéticos e formativos. Estimulando que toda liturgia celebrada na comunidade seja vivida antes no templo, na morada do Espírito Santo, na interioridade de cada homem e cada mulher. Evitando a dicotomia entre culto celebrado na Igreja e a vida cotidiana. Mais ainda, favorecendo para que a vida ordinária de homens e mulheres sejam expressão da sua adesão de fé a Jesus Cristo, sumo sacerdote.

Por fim, este tempo pandêmico, é momento para acurar a formação sacerdotal. Ensinar ao clero que não somos detentores de todas as respostas, tampouco que somos o centro de toda evangelização. Devemos, por isso, preparar o laicato para, convictamente, sentir-se responsável pelo anúncio. Instruí-los e deixar-nos instruir pela noção que Igreja-doméstica e Igreja-institucional não são adversárias. O medo de que as pessoas deixem de ir à Igreja e celebrem em suas casas, não pode ser o mote do nosso trabalho. Antes o contrário. A Igreja doméstica deve convergir, como um corolário para a Igreja-paroquial, lugar da vida comunitária mais dilatada. Lugar do convívio entre irmãos.

Assim, concluímos desejando que onde haja dificuldades, abunde a capacidade de acolhermos as oportunidades. Onde haja limites multiplique-se a disposição assimilá-los corrigi-los e, desse modo, colocá-los a serviço da construção do Reino.

Pe. Reuberson Ferreira, mSC é mestre e doutorando em Teologia pela PUC/SP. Pároco e Reitor do Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração-SP

plugins premium WordPress