Mandatos Coletivos: uma possível alternativa na democracia representativa

A atuação dos cristãos no mundo, enquanto cidadãos, se dá através das mediações da própria sociedade autônoma, nos denominados “corpos intermediários”, como as associações de moradores e de classe; os conselhos de direitos; os partidos políticos e as parcerias com iniciativas de organizações não governamentais e outras da sociedade civil.

Por: Solange Marques Domingos

 É dever da Igreja formar a consciência cidadã, contribuir para a organização da sociedade civil autônoma, capacitar os cristãos para um serviço efetivo no espaço público, assim como acompanhar de perto, os cristãos engajados, propiciando-lhes o apoio da instituição no exercício da cidadania, segundo os princípios cristãos. (cf. CNBB, Doc 105, nn. 264-266)

A partir dos documentos da igreja referente a participação dos leigos e leigas na prática do bem comum, fica evidente a necessidade do envolvimento no campo político, seja participando diretamente nas eleições ou através de articulações e formações políticas para a cidadania.

O sistema de democracia representativa possui atualmente diversas lacunas entre representantes e representados, principalmente no conflito de interesses entre essas partes. Faz-necessário criar e recriar dinâmicas de comunicação na circularidade entre o Estado e a Sociedade. A proposta desse artigo é esclarecer sobre o mandato coletivo e verificar a possibilidade da sua implantação como alternativa para o fortalecimento da voz de grupos minoritários.

 Quando fala-se em mandatos representativos é necessário a abordagem de alguns modelos que estão sendo utilizados, tanto o convencional como os alternativos, aqui mencionados o Mandato Participativo e o Mandato Coletivo.

No mandato convencional o representante se coloca como qualificado, eleito para adaptar e ampliar as necessidade de seus eleitores. Portanto, age a partir de um leitura própria e de interesse individual, partidário e econômico. Muitas vezes com ações de cunho assistencialistas para continuar obtendo apoio dos eleitores. Destaca-se aqui, que a participação da população se resume no voto. Isso tem demosntrado o quanto esta forma de mandato encontra-se desgastada.

No Mandato Participativo, trata-se de um espaço onde as diversas forças populares, políticas, de movimentos sociais, sindicais, religiosos e de classes consideradas excluídas podem apresentar suas reivindicações, tendo voz para participar, deliberar e expor suas realidades, convicções e propostas. Entretanto é fundamental que se proporcione a organização popular. A força de um mandato que tem o apoio de suas bases é infinitamente maior.

No mandato coletivo, para além da aproximação entre representantes e civis e a abertura de canais de diálogo, esse modelo busca mecanismos de inclusão da sociedade nos processos de decisão e o aumento do seu poder de influência dentro dos espaços políticos. Essa modalidade propõe a adesão e colaboração da sociedade civil com o poder público através de sua intervenção direta nas tomadas de decisões de um representante político durante seu mandato. Nessa modalidade, o ator político se compromete a dividir seu gabinete com uma rede de pessoas, compartilhando sua gestão e abrindo mão do seu poder concentrado para votar nas pautas de acordo com as deliberações desse grupo.

Experiências dos Mandatos Coletivos

  A primeira experiência do Brasil em mandato coletivo eleito foi nas eleições de 2016, onde um grupo de cinco pessoas “foi eleito” para uma vaga de vereador na cidade de Alto Paraíso de Goiás, cidade com pouco mais de 7.000 habitantes. Oficialmente, apenas um deles, o advogado João Yuji (Podemos, antigo PTN), estava inscrito como candidato na Justiça Eleitoral.

Nas eleições 2018 duas cadeiras da assembleia legislativa foram ocupadas por grupos eleitos pelo mandato coletivo, um deles denominado Bancada Ativista em São Paulo e o outro denominado Juntas em Pernambuco. Além da coletividade, a diversidade é ponto essencial e comum entre os dois mandatos. Ambos, os integrantes, vêm de diferentes contextos, especialidades e até mesmo de diferentes filiações partidárias.

Em Pernambuco, o grupo é formado por cinco mulheres e conseguiu 39.175 votos, pelo partido PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Tem a ambulante Jô Cavalcanti como a deputada estadual oficial. A escolha de Jô se deu para colocar uma mulher negra sentada na Assembleia Legislativa, além dela ter mais base popular e representatividade.

Em São Paulo, o “Bancada Ativista” conquistou uma vaga de deputado estadual, concorrendo também pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). O grupo tem nove integrantes, entre homens e mulheres. Levou 149.844 votos e foi a décima candidatura mais votada. A representante oficial é a jornalista e ativista Mônica Seixas, de 32 anos e natural de Itaquaquecetuba. Nas urnas, ela aparecia como Mônica da Bancada Ativista.

Em entrevista com o grupo “Bancada Ativista” in loco em novembro de 2019, foram esclarecidas várias questões sobre o funcionamento desse mandato. A distribuição das tarefas é feita de acordo com a linha de lutas que cada codeputado traz consigo.

 Quanto a participação e escuta dos cidadãos nas tomadas de decisão, o codeputado Jesus dos Santos menciona que a conexão com os movimentos sociais é bem intrínseca. Cada integrante tem acesso direto com os movimentos que os elegeram. São feitas reuniões constantemente para ouvir a demanda.

A bancada ativista recorre constantemente aos representados para essa participação e conta com a força de pressão a fim de que tenha maior adesão de votos favoráveis a pauta proposta pelos movimentos sociais.

 Uma vez que, somente a Deputada Oficial tem direito a voz na plenária, quando os codeputados querem se pronunciar gravam um vídeo e a deputada oficial utiliza seu espaço de fala para apresentar esse material.

O codeputado Jesus dos Santos deixa uma orientação para algum grupo que queira concorrer às eleições como mandato coletivo: “…faça com quem você conhece! Faça com quem você já tem uma caminhada”.

O mandato coletivo é informal. A lei brasileira prevê apenas um nome e foto na urna, além de apenas uma pessoa sentando em uma cadeira e, no cargo representativo, votando na tribuna. Entretanto, não há nada explícito no texto que impeça a modalidade do mandato coletivo. Assim, a interpretação abre brecha para tais iniciativas.

Conclusão

Pode-se notar que o modelo de mandato coletivo é uma estratégia importante para ampliar a participação tanto no que se refere à representatividade, quanto para o alcance maior às demandas da população. Desta forma, aponta como uma alternativa a ser pensada pelos cristãos leigos e leigas na política.

Seria interessante se houvesse uma conciliação entre o mandato participativo, onde há todo um envolvimento da comunidade (sociedade civil e suas várias representações) com o mandato coletivo, que seria um culminar dessas participações resultando num coletivo já formado anteriormente pelas lutas em conjunto. 

Cabe então, aos leigos e leigas, serem protagonistas no campo da política, fazendo com que a democracia seja respeitada e assumindo, com ética, as responsabilidades da representação de seus eleitores, buscando assim, a exemplo de Jesus, através de seu batismo, a luta pelo bem comum.

Solange Marques Domingos Formação: Graduação: Turismo e Hotelaria – Centro universitário de Maringá- 2009
Especialização:
1) MBA qualidade e Produtividade 2012
2) Fé e Politica turma 07/08 pelo CEFEP – cursando
3) Gestão de Projetos – Centro Universitário de Maringá – cursando

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