MOMENTO ATUAL: O mito da Torre de Babel (ir ou não ir pras ruas protestar)

Meu mantra tem sido o seguinte: “não podemos dar respostas velhas a perguntas novas”. Devemos nos perguntar com seriedade se, de fato, “é o povo na rua” que transforma a sociedade em nossos dias.

Por: Celso Pinto Carias

Conversar, falar, escrever, enfim tentar dialogar está muito complicado. Estou com uma vontade enorme de declarar uma quarentena no que falo e escrevo. Pensando seriamente em dar a mim mesmo um silêncio obsequioso. Um sábio amigo sempre fala: “se eu não falar infarto”. Mas acho que estou ficando cada vez mais chato. Parece que nasci para discordar.

Estamos debaixo de uma crise mundial aguda. Crise civilizatória, e parece que os nossos umbigos falam mais alto. O que fazer? É a pergunta do momento. E quando alguém se atreve a tentar responder recebe logo bordoada. Mas não dos inimigos, o que é normal. É “fogo amigo” mesmo. Acabo de ver uma resposta de Glauber Braga um tanto quanto agressiva sobre um texto de Luiz Eduardo Soares, no qual Soares levanta algumas preocupações quanto as possíveis manifestações. Aí, eu não aguentei. Não sou escritor. Escrevo por que me sinto impelido por dentro. Talvez para não enfartar. Então, lá vão aqui mais algumas considerações. Quem sabe, depois de receber algumas bordoadas, eu declare uma auto quarentena de falar sobre essas coisas. 

A PERGUNTA: O campo democrático, progressista, de esquerda (aqui tenho dificuldade conceitual sobre o que é esquerda e direita hoje), deve estimular a ida para as ruas, NO BRASIL, no meio de uma pandemia tratada com total irresponsabilidade, para protestar contra a situação atual? NÃO, em minha modesta opinião. Vou fundamentar um pouco.

Disse para alguns amigos que se eu morasse no EUA, França, Alemanha ou Portugal, talvez fosse para a rua. Porém, o que tenho diante de mim, no momento, não indica que este seja o caminho a ser trilhado nesta situação.

CERTAMENTE AS TORCIDAS QUE CLAMAM POR DEMOCRACIA, E, SOBRETUDO OS PROTESTOS ESPONTÂNEOS QUANTO À QUESTÃO RACIAL ESTÃO PARA ALÉM DE QUALQUER POSSIBILIDADE DE SEREM CONDENADOS. DIZ A FÍSICA QUE TODA AÇÃO TEM UMA REAÇÃO.

Contudo, meu mantra tem sido o seguinte: “não podemos dar respostas velhas a perguntas novas”. Devemos nos perguntar com seriedade se, de fato, “é o povo na rua” que transforma a sociedade em nossos dias. O capitalismo é um sistema extremamente perverso, e, ao mesmo tempo, extremamente plástico. Ele vem se adaptando e readaptando por mais de duzentos anos. O socialismo real não foi capaz de realizar uma contraposição a este sistema de forma eficaz. Vide a China. O capitalismo é um sistema capaz de ter um governo de “esquerda” que engorda bancos e que assume sugar da natureza riqueza para o deleite de setores específicos da sociedade. Setores que os pobres não alcançam. Mas parece, digo parece por que não sou especialista neste assunto, que ele está dando sinais claros de esgotamento social, político e econômico. O que temos para propor no lugar do capitalismo a curto, médio e longo prazo?

Construir um novo projeto deve ser o principal o objetivo em nossos dias. Porém, enquanto isso a história continua, e vivemos as contradições de um sistema em crise. Com muita dor e sacrifício daqueles e daquelas que não estão no topo da pirâmide.

No meio da crise estamos nós brasileiros com uma pandemia que está sendo tratada como uma “gripezinha”. Com um governo que administra a partir do caos e de um falso moralismo, com táticas milicianas, preocupado em garantir o bem estar para um setor que estava à margem da sociedade faz tempo. Não margem no sentido de marginalizados, mas por que era um quadro de incompetência e não tinham capacidade de estar em estruturas de decisão governamental. Por várias razões que não cabe aqui, estão onde estão. E estão dispostos a tudo e qualquer coisa. Mentir é o de menos.

Precisaremos conversar muito, nos despir de arrogância, buscar unidade no essencial, e ter grande humildade para abrir mão de projetos eleitorais que não mais são suficientes para alterar, substancialmente, o quadro que se constituiu.

Na situação imediata a dupla pandemia, virótica e governamental, deve ser tratada com grande responsabilidade, se queremos evitar um mal maior.

Por isso, ir às ruas realizarem aglomerações, por mais justificado que seja, com maior tentativa de precauções possível, é uma temeridade em um país sem nenhum plano de conjunto de combate a pandemia.

Além disso, existe uma responsabilidade ÉTICA fundamental. É verdade que a vida vem sendo ceifada de forma brutal, causando uma grande e justa indignação. Mas se criticamos o símbolo da “arminha” não podemos colocar em risco a vida de pessoas inocentes. A pandemia neste mês de junho alcançará os mais altos índices de óbitos por dia. A curva não diminuiu nada. Em outros países, inclusive na França onde aconteceram grandes manifestações, a curva está caindo faz alguns dias, fora o fato que não podemos comparar os sistemas de saúde e a condição econômica.

Por fim, tudo indica que ir às ruas é tudo que o governo deseja, tanto que o Capetão pediu para que seus seguidores não realizem manifestações neste fim de semana. E a mídia, que vem criticando fortemente a figura que está no Palácio do Planalto, sobretudo a Globo, não se furtará em afirmar que nas ruas estão “baderneiros” que não merecem credito. E o povão, que não lê as entrelinhas, mas é a grande vítima, olhará para um horizonte onde um “paladino da justiça” está sendo apresentado como grande herói. Tenhamos atenção aos clamores populares, mesmo que eles não sejam “conscientizados” da forma como desejamos. NUNCA PARA O POVO, SEMPRE COM O POVO, as grandes vítimas do sistema.

Aguardando as bordoadas. Celso Pinto Carias (“mendigo de Deus” / Teólogo)

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