O distanciamento social nos deixa em luto

O luto é uma das experiências mais dolorosas e intensas que qualquer ser humano pode vivenciar e testemunhar. […] Ficar em casa e em distanciamento social neste momento é a melhor maneira de cuidar de nós, daqueles que amamos e mesmo de quem se quer conhecemos ou nos relacionamos.

Por: Licio de Araújo Vale

  A pandemia de Covid-19 e o distanciamento social ao qual estamos impostos já que ficar em casa é a melhor maneira de prevenir o Covid-19, tem provocado inúmeros transtornos na vida emocional das pessoas. Aumentaram significativamente as discussões conjugais, o estrese, o ócio, ansiedade, depressão na população em geral e, também a ideação suicida (o desejo de matar a dor intensa e a falta de sentido da vida, extinguindo a própria vida).

De uma hora para outra, nossas vidas foram transformadas, perdemos muitas coisas, alguns inclusive entes queridos. Não temos previsão de quando a vida voltará ao “normal’, não há cura, uma grave crise econômica aparece no horizonte futuro, o desemprego cresce, são muitas inseguranças e muitas perdas. É praticamente unanimidade que a dor da perda é sempre grande, mas em tempos de Covid-19 aumenta muito e pode ser potencializada.

Uma das emoções que o distanciamento social pode provocar é o luto.

 O que é o luto?

 O luto é uma reação emocional a uma perda significativa. É um processo natural e um modo de recuperação emocional face à perda. Esta reação ocorre em diversos tipos de perdas, incluindo:

• A morte de alguém significativo; • O fim de um relacionamento significativo; • Um ente querido que está com  uma doença crônica ou terminal…

Quero chamar a atenção para esses próximos fatores que tem muito a ver com o distanciamento social

 • Uma mudança negativa no que diz respeito à saúde ou funcionamento físico e psíquico.

 • A perda de fatores importantes na vida como, o direito de ir e vir, um emprego ou curso,  não ver possibilidade de futuro.

 O que se sente?

Quando estamos vivendo um processo de luto, normalmente nos sentimos:

 • Como se estivéssemos a ponto a ficar “louco”;

• Com dificuldades de nos concentrar, aumento do esquecimento;  

• Raiva e/ou postergação das coisas a serem feitas

• Alterações de humor;

• Como se estivéssemos “anestesiados”; meio “tontos”,

• Ambivalente;

• Incompreendido e frustrado;

• Ansioso, nervoso e com medo;

• Falta de energia;

• Como se quiséssemos “fugir para bem longe”;

• Culpa e remorso por coisas que não dissemos ou não fizemos.

Estes sentimentos protegem-nos temporariamente da realidade da perda. Servem de “absorventes do choque psicológico” até que estejamos prontos a suportar o que não queremos acreditar.

 As diferentes fases de um processo de Luto:

• Negação da perda; •  Choque da perda; •  Tristeza profunda; •  Aceitação da perda.

 Estas fases não são experienciadas de igual modo por todas as pessoas e também variam dependendo do tipo de perda. A duração de cada uma delas é variável, no entanto a pessoa pode ficar “preso” a uma delas.  Se você perceber que isto te aconteceu ou está acontecendo com alguém conhecido é hora de buscar ajuda. Hoje há vários psicólogos fazendo atendimento online.

Dando palestras online e fazendo lives sobre a pandemia do Covid-19, as pessoas sempre me pedem dicas de como lidar com o isolamento social, de repente me dei conta que as dicas que eu estava dando para as pessoas manterem um mínimo de equilíbrio emocional eram as mesmas que dou para os enlutados por suicídio (também trabalho em pósvenção ao suicídio).

 Como lidar com o Luto?

• Falar com família e amigos; • Procurar ajuda psicoterapêutica; • Fazer exercício; • Participar em grupos de apoio, religiosos ou não; • Ler livros; • Manter a esperança; • Participar em atividades sociais; (usando as redes socias) • Ter uma alimentação cuidada; • Descansar e relaxar; • Ouvir música.

Esta lista poderá te ajudar a ter uma ideia mais clara de como “gerir” o que você está sentindo. No entanto, cada um de nós tem o seu estilo próprio e único de lidar com a dor e por isso você poderá a partir elaborar a sua própria lista, mais adaptada as suas necessidades. Falar com amigos que estejam também em distanciamento social e talvez também vivendo um luto, pode te ajudar a encontrar novos caminhos para você lidar com as suas perdas e, portanto, com o seu luto.

Um dos caminhos para perceber melhor a maneira de lidar com situações de grande sofrimento e perda, pode ser recordando como lidamos com outras épocas dolorosas no nosso passado. Tentar refletir sobre o que sentimos e como conseguimos superar outras situações de perda e de luto. No entanto é importante ter em atenção que, por exemplo, falar com amigos ou escrever sobretudo no WhatsApp o que estamos sentindo, e compartilhar essas emoções com pessoas queridas, podem ser estratégias muito úteis.  Nunca se esqueça que demora muito tempo a “cicatrizar” a dor e sem dúvida que haverá uns dias melhores que outros.

 Como posso ajudar ou apoiar outa pessoa neste tempo de distanciamento social e que pode também estar em processo de luto¿

• Ser um bom ouvinte;

• Estando presente; distanciamento social não significa distanciamento emocional

• Perguntar sobre as perdas da pessoa

• Ligar para pessoa, usar as redes sociais para se manter conectados com ela;

• Deixando a pessoa se sentir triste; ter empatia e acolher a tristeza do outro

• Não minimizar a sua perda;

• Fazendo perguntas sobre o que ela está sentindo;

• Partilhar os teus sentimentos; ;

• Ter consciência e nunca julgar a dor do outro.

• Estar disponível sempre que puder;

A importância da Comunidade

A perda de um ente querido pode trazer alguma dúvida existencial. Ter fé e participar da comunidade pode ajudar muito a passar pelo período de luto sem tanto sofrimento. Além de acreditar que a morte é apenas uma passagem para o encontro com Deus, existem também os rituais que garantem algum conforto.

Os velórios, por exemplo, ajudam a lembrar do Cristo ressuscitado e são o momento de despedir daquela pessoa que amamos. O acolhimento da comunidade vai além de velar o corpo, mas em estar próximo aos que sofrem pela perda. Os cânticos, orações ou terços entoados, as visitas servem como uma maneira de aquietar o coração.

Para as missas de corpo presente, com comunhão, o luto pode extravasar através da certeza de que quem faleceu foi de encontro a Deus. Já a missa de 7º dia serve muito mais para a família se reencontrar e celebrar a vida do falecido. Ainda que a tristeza continue grande, são os momentos de maior aprendizado. Esses rituais são importantíssimos no processo de luto.

Conforto na presença de Deus

A maneira como se percebe Deus faz muita diferença na maneira como se encara a morte. Ao ter certeza de Sua presença bondosa e justa, a ansiedade pelo fim da vida é amenizada.

Assim como a comunidade nos ajuda a passar pelo luto, a fé no amor de Deus nos conforta nesse momento tão difícil.

Quando estamos vivendo um luto, é natural que as pessoas se sintam frequentemente sozinhas e isoladas, e o distanciamento social potencializa isso porque, quando o choque da perda desvanece, há uma tendência para as pessoas se sentirem mais tristes e isolarem-se. Também é natural que alguns amigos bem-intencionados possam tentar evitar discutir o assunto devido ao seu próprio desconforto relativamente ao luto, ou devido a terem medo de fazer com que as pessoas se sintam pior. Podem não saber o que fazer nem o que dizer.

Neste sentido é importante perceber que as pessoas em luto, muitas vezes flutuam entre querer estar sozinhas e querer a companhia dos outros. Tendo consciência desta ambivalência, você pode tentar sentir se a pessoa quer sentir-te mais “perto” ou mais “distante”, tentar, no entanto, mostrar que você está sempre disponível para o que precisarem. Assim você mostra o seu interesse e a sua sensibilidade, o que pode ser muito tranquilizante para quem está vivendo um luto.

 O luto é uma das experiências mais dolorosas e intensas que qualquer ser humano pode vivenciar e testemunhar. Sem falar no luto das pessoas que perderam entes queridos por Covid-19, e estão privadas dos rituais de despedidas, o que potencializa muito sua dor. No entanto, quanto mais conscientes estivermos da intensidade e individualidade com que cada um vive este processo, mais facilmente o conseguiremos experienciar, tendo sempre em conta que a dor é inevitável.

Ficar em casa e em distanciamento social neste momento é a melhor maneira de cuidar de nós, daqueles que amamos e mesmo de quem se quer conhecemos ou nos relacionamos.

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