O que é SER HUMANO para o Papa Francisco

Por: Lúcia Pedrosa-Pádua

Na Exortação Evangelii Gaudium a preocupação com o ser humano concreto ocupa um lugar central. O ser humano é visto como intersubjetividade, mas isto implica a busca da superação de fortes ideologias, como a do consumo e a da indiferença. No isolamento não é possível experimentar a alegria do Evangelho.[1]

A primazia do ser humano é colocada como o critério que deveria dinamizar toda a vida: pessoal, comunitária, e também social, política e econômica. A Exortação questiona os gestores da economia e da política em nível planetário e os convida a inserir a transcendência que salva, em seus critérios de ação. Trata-se de um critério profético que defende os pobres e excluídos.

Esta centralidade do ser humano leva à precedência:

– da vida, não do pragmatismo e do eficientismo;

– da pessoa-sujeito, não das grandes massas;

– da dignidade de cada pessoa, antes da função e da honra da função;

– do olhar para o futuro, não para o passado em atitude de restauração;

– do olhar para as periferias, não para os centros satisfeitos do poder;

– da misericórdia, não do pecado.

A Igreja é “uma mãe de coração aberto” e uma “casa aberta do Pai” (EG 46-47).  

Para a conversão da Igreja, a primeira transformação-reforma é de atitude evangélica, não de estruturas, também não de moral. Para Francisco, “o anúncio do amor salvífico precede a obrigação moral e religiosa”.[2]

O ser humano não pode ser definido a priori, pois o humano concreto é um ser que se narra em suas relações e opções. Nesta narrativa de cada ser humano:

– o desenvolvimento é processual, por isso devem ser priorizadas dinâmicas de vida;

– o ser humano se vê como um ser limitado e dependente da graça de Deus, por isso toda soberba, acusações e julgamentos devem ser revistos, pois mais vale ater-se ao núcleo do Evangelho e arriscar-se na evangelização que fechar-se em estruturas e normas que geram a ilusão da proteção;

– o ser humano é liberdade e criatividade, e ambas devem ser cultivadas e alimentadas à luz do Evangelho que envia a não temê-las;

– o ser humano caminha com outros, e assim a diferença não deve ser fator de paralisia, mas de diálogo;

– o ser humano é chamado a explorar as riquezas do espaço interior num dinamismo integrador entre o interior e as atividades e compromissos, sob o risco de desagregação interna e perda do sentido das atividades. 

Claro, faltaria trabalharmos temas importantes como a misericórdia, a ternura e, especialmente a alegria. Ficam, no entanto, para a reflexão pessoal do leitor e leitora.

Concluímos dizendo que Papa Francisco convida os cristãos a assumirem uma humanidade verdadeira, não ideal ou abstrata. Esta humanidade se refaz na relação com o Cristo, Evangelho de Deus (Mc 1,1), Verbo feito carne (Jo 1,14).

E esta humanidade renovada é o ponto de partida para a renovação eclesial à qual o Papa tão veementemente exorta. Desejar esta humanização para todos é já o início do anúncio do Evangelho sobre bases mais sólidas.

Que cristãos leigos e leigas sintam-se fortalecidos em seu caminho de humanização no encontro com Jesus Cristo. Ninguém pode substituir este processo que é, ao mesmo tempo, a aventura do Evangelho e a formação de verdadeiros sujeitos eclesiais.


[1] Cf. PEDROSA-PÁDUA, Lúcia. O ser humano, centro da Evangelli Gaudium. In: Amado, J.P.; Agostini, L. Evangelii Gaudium em questão. Aspectos bíblicos, teológicos e pastorais. Rio/São Paulo: PUC-Rio/Paulinas, 2014, p. 135-145

[2] SPADARO, A. Entrevista exclusiva do Papa Francisco ao Pe. Antonio Spadaro SJ. São Paulo: Paulus/Loyola, 2013, p. 22.

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