Páscoa pela ótica de Francisco na Alegria do Evangelho

Ao receber o convite para escrever sobre a Páscoa senti a motivação de fazê-lo a partir das reflexões do Papa Francisco.

Por: Marcia Castro

Desta forma, revisitei a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Padre Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (Publicada no encerramento do Ano da Fé em 2013). Na Exortação, o Papa cita a palavra Páscoa duas vezes e as palavras Ressuscitar/Ressurreição por 25 vezes e outras palavras nos remetem à perspectiva da vida nova que destaco em negrito.

Tive a grata alegria em perceber que a Páscoa, a vida nova, permeia toda a Exortação. Do primeiro ao último parágrafo, até a oração final. Percebi que a fala de esperança do Papa Francisco, parte da sua visão transversal da presença do Ressuscitado em todos os aspectos da evangelização. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria (EG, 1).

O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem.

Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado (EG, 2).

Convido todo o cristão a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo, se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria.

Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder (EG, 3). O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria. Ao verem-No ressuscitado, «encheram-se de alegria» (Jo 20, 20). Porque não havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria (EG, 5)?

Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias (EG, 6). Na realidade, o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado.

Ele torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, «renovam as suas forças. Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a ação evangelizadora autêntica é sempre «nova» (EG, 11).

Não deveremos entender a novidade desta missão como um desenraizamento, como um esquecimento da história viva que nos acolhe e impele para diante. Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sobre o horizonte da memória agradecida. O crente é, fundamentalmente, «uma pessoa que faz memória» (EG, 13).

A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 19-20). Nestes versículos, aparece o momento em que o Ressuscitado envia os seus a pregar o Evangelho em todos os tempos e lugares, para que a fé n’Ele se estenda a todos os cantos da terra (EG, 19).

O Papa nos chama a uma Igreja renovada! Cada Igreja particular, Igreja encarnada num espaço concreto, e sua alegria de comunicar Jesus Cristo exprime-se tanto na sua preocupação por anunciá-Lo noutros lugares mais necessitados, como numa constante saída para as periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais. Procura estar sempre onde fazem mais falta a luz e a vida do Ressuscitado (EG, 30).

Todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a mesma fé, mas algumas delas são mais importantes por exprimir mais diretamente o coração do Evangelho. Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado (EG, 36).

Ele nos exorta à uma vida nova como agentes pastorais! Todos estamos sob o influxo da cultura globalizada atual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé em Jesus crucificado e ressuscitado, compartilhar as próprias questões mais profundas e as preocupações quotidianas, discernir em profundidade e com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objetivo de orientar para o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais» (EG, 77).

O mundanismo manifesta-se em muitas atitudes com a pretensão de «dominar o espaço da Igreja» onde o principal beneficiário não é o povo de Deus, mas a Igreja como organização. Isso não traz o selo de Cristo encarnado, crucificado e ressuscitado, encerra-se em grupos de elite, não sai realmente à procura dos que andam perdidos nem das imensas multidões sedentas de Cristo (EG, 95).

Nos exorta ao anúncio do Evangelho! Depois de considerar alguns desafios da realidade atual, quero agora recordar o dever que incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização». 

Recolhendo as preocupações dos Bispos asiáticos, João Paulo II afirmou que, se a Igreja «deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta». Isto é válido para todos (EG, 110). Destaco que o Papa escreveu sobre Jesus 134 vezes na Exortação, Jesus Cristo 45 vezes e Cristo 106 vezes; assim como a palavra Filho aparece 38 vezes. Uma Exortação Cristocêntrica.

A catequese tem papel fundamental no primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. O querigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai (EG, 164). Anunciar Cristo significa mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações.

Não se trata de fomentar um relativismo estético, que pode obscurecer o vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado. É preciso ter a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmissão da Palavra.

Francisco nos interpela pela Dimensão Social da Evangelização! A participação na Eucaristia é especialmente importante ao domingo. Este dia é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo.

O domingo é o dia da Ressurreição, o «primeiro dia» da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada. A espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. O repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a reconhecer os direitos dos outros. O dia de descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres (EG, 237).

Jesus Cristo vive verdadeiramente. Caso contrário, «se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação» (1 Cor 15, 14). Diz-nos o Evangelho que, quando os primeiros discípulos saíram a pregar, «o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra» (Mc 16, 20). E o mesmo acontece hoje. Somos convidados a descobri-lo, a vivê-lo. Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda da nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos confia (EG, 275). A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo.

Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. No meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo de novo que, mais cedo ou mais tarde, produz fruto. Cada dia renasce a beleza, que ressuscita transformada através dos dramas da história. Os valores tendem a reaparecer sob novas formas, e na realidade o ser humano renasceu muitas vezes de situações que pareciam irreversíveis. Esta é a força da ressurreição, e cada evangelizador é um instrumento deste dinamismo (EG, 276).

Pode acontecer que o coração se canse de lutar, porque se busca a si mesmo num carreirismo sedento de reconhecimentos, aplausos, prémios, promoções; então a pessoa não baixa os braços, mas já não tem garra, carece de ressurreição (EG, 277). A fé significa também acreditar n’Ele, acreditar que nos ama verdadeiramente, que está vivo, que tira bem do mal com o seu poder e a sua criatividade infinita. Significa acreditar que Ele caminha vitorioso na história «e, com Ele, estarão os chamados, os escolhidos, os fiéis» (Ap 17, 14).

Acreditamos no Evangelho que diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se desenvolvendo de várias maneiras: como a pequena semente que pode chegar a transformar-se numa grande árvore (cf. Mt 13, 31-32), como o punhado de fermento que leveda uma grande massa (cf. Mt 13, 33), e como a boa semente que cresce no meio do joio (cf. Mt 13, 24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente: ei-la que aparece, vem outra vez, luta para florescer de novo.

A ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva (EG, 278)!

Há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentir importantes.

Pedimos-Lhe que nos ajude, com a sua oração materna, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos, e torne possível o nascimento dum mundo novo. É o Ressuscitado que nos diz, com uma força que nos enche de imensa confiança e firmíssima esperança: «Eu renovo todas as coisas» (Ap 21, 5) (EG, 288).

O Papa encerra a exortação com uma lindíssima oração à Virgem e Mãe Maria, que acolheu o Verbo da vida, levou a alegria a João o Baptista e estremecendo de alegria, cantou as maravilhas do Senhor. Permaneceu firme diante da Cruz com uma fé inabalável, e recebeu a jubilosa consolação da ressurreição, reuniu os discípulos à espera do Espírito para que nascesse a Igreja evangelizadora.

Pede a ela que nos alcançai agora um novo ardor de ressuscitados para levar a todos o Evangelho da vida que vence a morte para que a alegria do Evangelho chegue até aos confins da terra e nenhuma periferia fique privada da sua luz.

O Pontificado de Francisco desencadeou muitos processos de ressurreição como a priorização de Teto, Terra e Trabalho que é o lema da 6ª Semana Social Brasileira. O chamado à  Economia de Francisco e Clara que nos diz que precisamos “re-almar” a economia! Deixar de servir ao mercado e colocar a pessoa humana no centro.

O mesmo chamado na educação com o Pacto Educativo Global que desafia a colocar a pessoa no centro, abraçando com cuidado, a Casa Comum. Francisco testemunha seu compromisso com o Ecumenismo, com uma Igreja sinodal e samaritana (Jornada Mundial dos Pobres, Migrantes e Refugiados, Mulheres, acolhida aos homossexuais… entre tantos gestos e palavras). Sigamos na Alegria do Evangelho!

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