QUEIMADAS NA AMAZÔNIA DESTROEM VIDAS E SONHOS

DESMATAMENTO E QUEIMADAS – O Brasil possui seis biomas que possuem características bem diferenciadas: Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampas. As florestas da Amazônia e Mata Atlântica não evoluíram com o fogo, ao contrário do Pantanal e Cerrado.

Por: Ima Célia Guimarães Vieira

O bioma Amazônia ocupa cerca de 40% do território brasileiro. Nele estão localizados os estados do Pará, Amazonas, Amapá, Acre, Rondônia e Roraima e algumas partes do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Também inclui terras das Guianas, Suriname, Venezuela, Equador, Peru e Bolívia. A floresta amazônica abriga a maior biodiversidade do mundo e nela podem ser encontradas milhares de espécies animais, vegetais e microorganismos. Este bioma possui a maior reserva de água doce de superfície disponível no mundo.

A Amazônia foi pouco desmatada até 1970. A população indígena soube manter a floresta quase intacta, mesmo usando a queimada como um método de manejo e preparo do solo na agricultura tradicional praticada na região há milhares de anos. No entanto, o incentivo à intensa ocupação da região para projetos desenvolvimentistas promoveu o incremento nas taxas de desmatamento e de mudanças no uso da terra para formar pastagens e isso  alterou drasticamente o regime de fogo na Amazônia. Até 1970 apenas 1% da região estava desmatado. Hoje são cerca de 20%!

A ação humana altera o equilíbrio da floresta e sua resistência à seca e ao fogo, porque, uma vez derrubadas as árvores, o material do solo, como folhas e galhos, pode ser facilmente desidratado e incendiado. A maioria das árvores das florestas amazônicas não possui adaptações para resistir e se recuperar após o fogo, de forma que esses eventos costumam ser catastróficos.

Todos os anos a sociedade brasileira assiste as notícias sobre as queimadas se espalhando em todos os biomas e se assusta com a tragédia. Especialmente em 2020, a Amazônia e o Pantanal foram os biomas que mais arderam em chamas. O fogo pode ser colocado propositalmente para queimar a vegetação para uso agrícola, mas sabemos que muito dessa queima é criminosa.

Quando escapa ao controle, pode provocar incêndios desastrosos que avançam sobre extensas áreas, particularmente em anos muito secos. Na Amazônia, durante os anos quentes e secos de 2005, 2007 e 2010 mais de 85 mil km2 de florestas foram incendiados. De janeiro a setembro de 2020, o número de focos de incêndio registrados na Amazônia é o maior desde 2010, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), com 76.030 focos.

TODOS PERDEM COM AS QUEIMADAS – as pessoas adoecem, os animais morrem e as florestas e biodiversidade são perdidas com toda sua riqueza, causando prejuízos à renda dos agricultores e ao meio ambiente. Há também perda de serviços ambientais, problemas de saúde na população, desequilíbrio climático e perda de patrimônio público, quando as queimadas estão associadas à grilagem de terras públicas.

A destruição da floresta pode causar novas epidemias – 31% dos cerca de 12 mil surtos epidêmicos ocorridos entre 1980 a 2013 no mundo estão ligados a ambientes que foram degradados. Apesar dos esforços para controlar a malária na região amazônica terem reduzido de 6 milhões de casos por ano, na década de 1940, para apenas 50 mil na década de 1960, o aumento do desmatamento da Amazônia elevou para mais de 600 mil casos de malária no século XXI. 

São conhecidas 250 espécies de arbovírus na Amazônia e muitas espécies de arenavírus causam febre hemorrágica no Homem. Quando o ser humano desmata a floresta, mata seus animais ou os leva para dentro das cidades dá aos vírus novas oportunidades. Eles são organismos em constante transformação e ganham alterações que os tornam capazes de encontrar novos hospedeiros. Esse hospedeiro pode ser uma galinha, uma vaca, um porco, por exemplo. E pode ser, como na atual epidemia do coronavírus, o Homem.

TUDO ESTÁ INTERLIGADO – a floresta amazônica é capaz de gerar sua própria umidade. Mas a floresta desmatada e degradada produz menos umidade, pega fogo mais facilmente, perde a função de transportadora e retentora de umidade. Isso gera um efeito cascata que se alastra por toda a floresta.

A floresta amazônica é considerada como uma das principais áreas de sequestro de carbono do planeta e desempenha um papel muito importante no controle da progressão do aquecimento global. Contudo, com a constante elevação no número de queimadas e incêndios florestais, assim como a intensificação da derrubada de árvores para aumentar áreas de cultivo agrícola ou de criação de gado, a quantidade de áreas desmatadas não para de subir. Atualmente, o país é o oitavo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 50% das emissões brasileiras provindas das atividades de desmatamento e agropecuária.

Esse cenário é ampliado pelas mudanças climáticas e pelo uso indiscriminado do fogo. A combinação desses fatores está levando a floresta amazônica a um ponto de inflexão a partir do qual a floresta passa para um tipo de vegetação aberta, em um processo denominado de “savanização”. Cientistas apontam que esse ponto pode chegar em 20-30 anos.

Conservar as florestas é a melhor forma de evitar mudanças climáticas e uma forma de manter os vírus potencialmente perigosos longe de nós, sob controle. Já destruir as matas é abrir caminho para novos vírus e causar grandes desequilíbrios para a Mãe Terra.

OS SONHOS DE FRANCISCO – A Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Francisco, “Querida Amazônia”, convoca e convida todos a sonharem com uma Amazônia onde os direitos dos povos amazônicos sejam garantidos, a riqueza cultural não seja destruída, a beleza natural não seja ameaçada e a Igreja não seja indiferente às injustiças e à exploração sem limites.

Dentre os vários temas novos que o Papa Francisco tem aportado na Igreja, certamente a questão ecológica é o de maior visibilidade mundial. Francisco vê a Amazônia como um espaço de revelação do criador à criatura e exorta a mudanças de hábitos e costumes e a um projeto de desenvolvimento sustentável para a região.

Sem dúvida, a Igreja católica tem provocado muita reflexão e pode levar a mudanças importantes no mundo. Essa é uma forma de a Igreja colaborar com a sociedade civil, respondendo às necessidades de preservação ambiental e de justiça social. O sonho de Francisco é um projeto de esperança para a sociedade amazônica e mundial e para a própria Igreja.

Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi e assessora da REPAM.

plugins premium WordPress