Quem disse que não haverá Natal?

Quem disse que não haverá Natal nesta pandemia? Claro que haverá. Talvez até mais próximo daquela noite em que Jesus nasceu. Noite de silêncios e mistérios. De luz e esperança.

Por: Lúcia Pedrosa-Pádua

Maria e José foram forçados a uma viagem a Belém, para cumprir lei do Imperador romano. Não havia lugar para eles na sala dos hóspedes e Jesus nasceu ali, onde ficam os animais. Envolto em faixas, foi acomodado numa manjedoura, onde se alimentavam os animais (Lc 2,7). A cena nada tem de grandiosa. Ao contrário, tudo se passa na simplicidade, na pobreza e na dificuldade. Acontecimento do grande amor de Deus: este é o lugar transformado em lar de Jesus.

Os primeiros a chegar são os pastores que passavam a noite nos campos, junto com os seus rebanhos. Gente pobre, marginalizada e esquecida. São eles os destinatários e missionários da notícia do nascimento. Diz-nos o Evangelho de Lucas que “a glória de Deus os envolveu de luz” (2,9). Da noite de suas vidas, Deus arrancou poesia e provocou uma experiência de luz.

Maria guardava estes acontecimentos em seu coração. Profundidade e sentimento de mistério a invadiam. Compreendeu que o Deus da promessa abre caminhos de luz e de vida onde não se espera. Talvez ela ainda não pudesse perceber toda a luz que brotaria daquele acontecimento, naquela noite.

Também nós temos acontecimento a serem ainda compreendidos. Mas o Natal nos traz uma certeza: este nosso mundo, em pandemia, é o lar de Deus. Ele nos diz “sim”, ao assumir nossa vida tão frágil. Aqui é o lugar de seu grande amor e misericórdia, de seu perdão, de seu dom que nos permite sempre recomeçar.

O Natal nos diz que nada pode nos tirar o sonho de esperar. Porque a promessa de Deus “acontece”, faz-se carne e pulsa naquele Menino envolto em faixas. Em Jesus se manifesta a graça, a amizade divina para toda a humanidade (Tt 2,11). Quem poderia imaginar um sinal tão pequeno, tão prosaico, tão humano. A revelar que Deus está ao nosso lado, assume toda fragilidade e solidão. Ao mesmo tempo, preenche essa situação com uma esperança e uma promessa da qual, como Maria, somos todos portadores.

Como os pastores, somos os destinatários e missionários desta notícia desconcertante, que nos vem como luz que inunda as trevas da noite. Como Maria, temos palavras guardadas no coração, gritos sufocados pela injustiça. Ausências dolorosas e acontecimentos a serem compreendidos à luz da luz de Deus. Mas somos portadores de uma promessa que se faz acontecimento em nosso hoje.

Esta noite certamente nos pede mais silêncio. Olhar e observar. Viver a experiência de não poder preparar grandes mesas, encontrar os amigos ou mesmo a família completa. A doença, a pobreza e a injustiça impedem as grandes festas.  O laço de humanidade, que nos faz a todos irmãos e irmãs, impõe repensar prioridades, procedimentos, “protocolos” de solidariedade e vida.    

As ruas podem estar mais vazias, mas nosso coração se enche de rostos amigos, outros desconhecidos que se fazem misteriosamente próximos. Experimentamos que a humanidade ficou, de repente, mais próxima e conhecida, mais familiar.

O compromisso de Deus, no Natal, funda o nosso compromisso com a realidade. Nossa esperança não é passiva, de esperar simplesmente. Mas esperança ativa, que esperança o mundo com sonhos e buscas. Esperançar o mundo nos torna resilientes, desinstalados, prontos a ir ao encontro (como os pastores, como Maria, como José), a animar a vida, a juntar-nos com outros (os “homens de boa vontade”) e agir de modo diferente.  Natal nos ajuda a optar pelo mundo que queremos: este irrompe da simplicidade do Presépio, é dinamizado pelo Reino que o Menino traz e nos oferece, é concretizado pelos que, como os pais de Jesus, acolhem de verdade essa luminosa notícia.

Sim, haverá Natal e nos restaurará a força e o amor, a esperança e a solidariedade. Impulsionará a um mundo mais solidário, à libertação e à luz, à amizade e à poesia. Celebremos, com alegria, o Natal!

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