“TRINDADE E ECOLOGIA INTEGRAL: ‘TUDO ESTÁ CONECTADO’ ”

Por: Lúcia Eliza Ferreira da Silva

Com o tema “ Tudo está conectado”,  (…), o Papa Francisco pronunciando-se, renovou o apelo frente à crise ecológica, ao grito da terra e ao grito dos pobres; os quais não podem esperar mais. Declarando a emergência da arte do cuidado à criação – casa comum, presente do nosso bom Deus criador [2] e o cuidar dos mais frágeis [3].

No último de mês maio, iniciou as comemorações decorrentes ao quinto ano da encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa comum. De 24 de maio de 2020 a 24 de maio de 2021, se configura como ano celebrativo e promotor de movimento contínuo para conversão ecológica [1]. Uma das primeiras atividades, a “Semana Laudato Si’” (16/05 a 24/05), encabeçou o calendário festivo. Com o tema “ Tudo está conectado”, esses dias foram de desenvolvimento formativo por modo on-line. Recentemente, referindo-se as comemorações, o Papa Francisco pronunciando-se, renovou o apelo frente à crise ecológica, ao grito da terra e ao grito dos pobres; os quais não podem esperar mais. Declarando a emergência da arte do cuidado à criação – casa comum, presente do nosso bom Deus criador [2] e o cuidar dos mais frágeis [3].

Ensino condutor de cunho moral e espiritual, objetivando suscitar novas formas de conduta e consciências mais fraternas, pacíficas e sustentáveis; a carta encíclica Laudato Si’, de modo assertivo e inspirador convida-nos à uma espiritualidade e hábitos inspirados no mistério trinitário. A partir do modelo de relação das Pessoas Divinas, o mundo criado e as criaturas imprimindo o dinamismo de Deus nelas já contidas, são chamadas pelas tramas relacionais que as envolvem, a decifrar-se e amadurecer uma espiritualidade da solidariedade global (LS240). Neste diálogo entre a fé cristã e ecologia, busca-se uma articulação entre a fé na Trindade e a realidade ecológica. Ao passo que, averiguando o fato de Deus – Uno e Trino, no âmbito do horizonte das questões naturais, pretende-se recuperar o entendimento trinitário em suas relações e de contrapartida, às ameaças a terra e aqueles aos quais emergem consequências diretas – os mais vulneráveis, promovendo um novo arquétipo relacional.

 O Deus cristão se distingue por sua realidade de unidade, comunhão e complexidade (complexus – abraçar, enlaçar, entrelaçar, estreitar). Na compreensão do mistério de Deus, observa-se o dinamismo trinitário em que se dá no movimento e encontro das Pessoas. No pensamento de Orígenes, quando o mesmo afirma que Deus não é solidão; Pai, o Filho e o Espírito Santo estão de tal forma unidos que se interpenetram e interagem mutuamente e se abraçam completamente numa entrega recíproca. Nesta perspectiva, cada Pessoa contém as outras duas, uma penetra as demais, uma Pessoa mora na outra reciprocamente, existindo uma eternidade de amor e de vida, sendo um em direção ao outro. Neste movimento, convida-se as criaturas humanas e o universo a participarem desta dinâmica. A Trindade apresenta-se como modelo ético para a humanidade, constituindo uma sociedade integrada, no diz respeito a ecologia integral (onde as questões ambientais unidas as econômicas, sociais, culturais, etc;  as faces da vida humana que conectadas resultam em um bem comum (LS137-162)).

Morar um no outro, ter sua sede, um entrelaçamento e relacionamento vivo e ativo, constitui e se configura como resultado do amor e da vida que reside e é a essência da Trindade. Assim, demonstra tal relação existente entre Deus e suas criaturas, no que se contempla nas Pessoas Divinas a origem de todas as coisas e referência última de todas elas, onde a Trindade possui um futuro na medida que a criação avança e à Ela é integrada (BOFF, p. 172). A vida trinitária engloba e envolve os seres humanos, atuando, fermentando transformações no mundo, constitui-se assim teias de relações em que se progride na constituição do Reino. Ou seja, a Trindade é o indicar e protótipo para a vida social, significando uma modelo de fraternidade, comunhão e organização comunitária, como retrata Euler Westphal: “[…] a medida em que há união entre os seres humanos, a Trindade é figurada na história”[5].

A Trindade amplia a sua dimensão de comunhão para além d’Ela mesma, constituindo uma relação para além das próprias Pessoas, assim, incluindo a criação. Expandindo-se, estabelece comunhão com a sua criatura, em que originada no Ser divino é chamada a refletir a Trindade, embora seja distinta dela. Tal consciência de relação entre Deus e criação, se dá por primeiro na realidade cósmica criada e originária e, o sujeito imediato sendo o ser humano, que constitui fazendo parte deste universo. Ao acolher a natureza como criação, se tem a assimilação que tal ato traz em si desígnio e propósito, inserido pelo o próprio Criador; significando que o sentido da existência não é meramente funcional, mecânico ou uma máquina-mundo, mas sim expressão de “[…]pura gratuidade e auto irradiação divina e teatro da glória do Criador” (BOFF, 1995, p.228), em que a criação está grávida de propósito e aberta a tudo que está a sua volta, numa perspectiva ativa de interação.

Assim, remete-se a possibilidades novas, de religar e unir. A vida trinitária é inspiração e meio de correção para as relações humanas e suas manifestações, provocando transformações. É modelo e paradigma para a reflexão e hábitos do homem quanto a criação, pois se considerará como uma contribuição pertinente e de caráter resolutivo às questões ambientais, frente ao momento delicado e problemático que a vida existente na Terra está em perigo, na qual se encontra enferma e ameaçada, doente e necessitada de cuidado. Desconfigurada, se quer à luz da Trindade, buscar a harmonização e a recuperação de sua dignidade, inspirando uma nova sociedade humana e ecológica, onde a natureza seja vista e tratada com responsabilidade e habitat comum.

A verdade da enfermidade que a Terra se encontra, por via que o homem a dominou agressivamente sem trégua, tendo-a como objeto e meio de lucro e poder, resultando na crise ecológica que atravessa toda a humanidade, acena para a grande máquina de interesses econômicos por trás de práticas não amigáveis ao ciclo da natureza, em que a civilização roga e exige a saciedade de suas exigências de consumo.  Contra essa linha, a criação guiada e interpelada pelo mistério trinitário, indica a ter uma sociedade mais igualitária e fraterna. Tal situação ecológica identifica a urgência de uma conversão de mentalidade e comportamento, compreensão da criação como realidade que pertence a todos sem exceção e, o exercitar o cultivo aos outros seres.

Falar de ecologia integral é refletir uma compreensão mais abrangente dos seres humanos em sua relação com a “casa comum” e pleitear uma ação concreta que alcance, sobretudo, os mais excluídos e pobres da sociedade.  A Laudato  Si’, neste  sentido,  é  uma ampla  encíclica social, pois pretende alcançar as realidades e pessoas mais emudecidas e atingidas  pela  cultura  do  descarte  e  da  depredação  ambiental;  do  aquecimento  global  e  da privação de tecnologia; do consumismo e exploração.  O Papa faz ecoar a voz profética da Igreja e inquieta diversos setores e pessoas de bem no cuidado com a Terra e com os pobres.

Ao apresentar a vida trinitária como arquétipo, não se quer pretender soluções inalcançáveis do ser humano, mas fomentar uma autocritica quanto a ética vivida e propor um retorno ao que nos é característico: somos seres de relacionamento, no qual toda criatura tem a potencialidade de reciprocidade. Com esse testemunho de solidariedade mutua, se dá continuidade a missão de Jesus, optasse por uma vida descentralizada e proporciona uma fascinação diante da contemplação ao outro, na compreensão que estão todos ligados.

Lúcia Eliza Ferreira da Silva – Mestranda e graduada em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. – Leiga, residente no território da Diocese de Santo André/SP.

REFERÊNCIAS

[1] FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da Casa Comum. São Paulo: Paulinas, 2015.

[2]Papa Francisco convida a Igreja a celebrar a Semana Laudato Si’. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-convida-igreja-celebrar-semana-laudato-si.html>.

[3] FRANCISCO. Regina Caeli – Biblioteca do Palácio Apostólico, domingo, 24/05/2020. Disponível em: < http://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2020/documents/papa-francesco_regina-coeli_20200524.html >.

[4]BOFF, Leonardo.  A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009.

[5]WESTPAHL, Euler R. “O pensamento trinitário em Leonardo Boff: comunhão e criação”. In Estudos teológicos, Vol.48, nº 2, 2008.

[6]BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo Ed. Ática, 1995.

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