Um menino nos foi dado

Estamos em tempos difíceis. Para usar uma imagem bíblica, as sombras da morte nos ameaçam e atingem a todos. Violência, desemprego, insegurança, medo do futuro, são assuntos presentes nas nossas conversas.

Por: Dom Sérgio Eduardo Castriani

Perdemos até mesmo a tranquilidade das verdades comuns e nossas convicções mais profundas são colocadas em cheque por um relativismo avassalador e um subjetivismo desconcertante. O mundo político parece desabar com as denúncias de corrupção, e tem-se a impressão de que sobrarão poucos inocentes.

A economia não deslancha e o pais demora a voltar a crescer. O fosso entre ricos e pobres parece aumentar. Para onde fugir, onde encontrar abrigo? Não é difícil ceder a tentação de mais violência e os atos de terror nos lembram isto. A cada novo atentado o mundo se pergunta qual o limite, até onde pode chegar a criatividade de homens e mulheres que humilhados e excluídos optam pelo caminho da destruição e da morte, aterrorizando por aterrorizar.

Outros se refugiam num atitude racista colocando a culpa de tudo nos outros e se refugiando numa atitude de seita, que finamente não chega a lugar nenhum e só semeia ódio e destruição. A grande maioria vive a vida como pode. Os problemas são tantos que a vida perde o gosto e multiplicam-se os deprimidos que perderam o gosto de viver.

De repente escutamos a profecia: o povo que andava nas trevas viu uma luz. Esta palavra de Isaias é lida na noite de Natal quando as comunidades se reúnem para a solene liturgia. Que luz é esta? Para os cristãos a Luz é Jesus. Ele mesmo definiu a sua missão dizendo: eu sou a luz do mundo. A luz nos ajuda a enxergar.

A luz que brilhou no Natal nos ajuda a ver a nossa humanidade. Um menino deitado numa manjedoura tem a plenitude do ser, é humano e é divino. Assim somos nós, ao nascer, totalmente dependentes dos outros, Ninguém sobrevive sozinho, somos radicalmente sociais e sem os outros não sobrevivemos.

A primeira lição do Natal é esta. Os orgulhosos e os prepotentes estão no caminho errado. Deus assumiu esta fragilidade e dependência. O caminho da salvação e da redenção passa pela humanidade frágil e passível de ser destruída. Quem quiser encontrar o caminho deve se colocar nesta perspectiva. A opção pelos empobrecidos é o caminho de redenção da humanidade.

Oxalá as celebrações natalinas nos convertam. Somos todos muito parecidos na fragilidade. Nos momentos de dor e de sofrimento percebemos melhor a nossa verdade. Mas também no nascimento somos semelhantes. Nascemos iguais, frágeis, necessitados de carinho e proteção. Que a criança que fomos ao nascer nos ajude a ser fraternos, a superarmos qualquer atitude de falsa superioridade e nos convença que precisamos uns dos outros para sobreviver.

Se Deus escolheu o caminho da humanidade, isto quer dizer que também nós devemos ser cada vez mais humanos para nos realizarmos como pessoas. O caminho da paz tão desejada, do desenvolvimento tão almejado, passa pelo respeito aos direitos humanos fundamentais. Que o menino de Belém nos ilumine com a sua inocência e com a entrega de sua vida nas nossas mãos.

Dom Sérgio Eduardo Castriani – bispo emérito da Arquidiocese de Manaus

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