VATICANO II, um Concílio da esperança

O Concilio Vaticano II (1962-1965) é um porto de partida para a Igreja do século XXI. É um evento pastoral-eclesiológico que inicia um novo tempo para a Igreja católica.

Por: Ney de Souza

João XXIII (1958-1963) não desejava um Concilio que repetisse os anteriores. O Vaticano II deveria se preocupar com o caminho necessário para a sociedade do tempo presente, abrir-se ao Evangelho. Como anunciar o Evangelho para a sociedade contemporânea e como vivê-lo na atualidade?

Paulo VI (1963-1978) orientará o Concilio nos caminhos eclesiológicos: Igreja, o que dizes de ti mesma? Como a Igreja é chamada a dialogar com o mundo de hoje? (Discurso na Assembleia Conciliar 29/9/1963).

O Concilio introduziu um novo modo de fazer e pensar a teologia. Elaborou uma teologia a partir da realidade. Assim, a Igreja será vista na história como uma presença nova e atuante de Jesus de Nazaré. Antes do Vaticano II a idéia da Nouvelle Theologie (Teologia que nasceu na França no inicio do século XX), de Daniélou, De Lubac, Congar já era uma teologia de contato com as fontes. Esta teologia estava aberta ao pensamento contemporâneo. Uma teologia que, a partir do contexto histórico, ilumina as ações do ser humano. A salvação não é colocada antes ou depois do mundo, mas dentro do mundo. Como afirmou Paulo VI, a Igreja não veio para condenar o mundo, mas para salvá-lo, recordando o evangelho de João. Aqui se apresenta a teologia do Reino de Deus já presente no mundo por meio da Igreja, que é o sinal, o germe, o principio evangélico do Reino de Deus (Lumen Gentium, 5). A Igreja é o fermento evangélico inserido no coração da sociedade e da humanidade.

Igreja Povo de Deus

Novos aspectos do ser Igreja no mundo chamam a atenção na reflexão conciliar. O Concilio apresenta uma Igreja aberta à comunidade como forma de viver a vida cristã e de estar presente na sociedade. Existir em comunidade é a exigência da vida cristã (LG 9). A pastoral não é um meio de segregação, mas de co-participação profunda da condição humana na qual estão inseridos todos os membros da Igreja. Daí uma Igreja “Povo de Deus”, vivendo a comunhão e a participação.

A Igreja não pretende dominar o mundo, mas servi-lo. Sua presença no interior da sociedade é ser sinal de solidariedade e não uma busca por privilégios e poder. Igreja que se esquece de si mesma em prol da dignidade da pessoa humana. A Gaudium et Spes revela esta Igreja que deve sempre ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus (n. 40). O Vaticano II evitou o triunfalismo e usou expressivamente o vocabulário do serviço e dialogo.

O Concilio indica um estilo novo de Igreja: dialogo, valorização e respeito pelo ser humano, cooperação com todos para o bem da verdade, liberdade, justiça. Tudo para o progresso e a paz. O Vaticano II, portanto, se abre para as dimensões das realidades temporais, da política, do social, do progresso, da cultura, da paz e contra a guerra, da economia, da promoção da pessoa e do desenvolvimento dos povos e de sua libertação integral. O próprio Paulo VI, aponta para os valores humanos no seu discurso de encerramento do Concilio.

Leigos

Neste novo estilo de Igreja os leigos deixaram de ser receptivos e passivos. Pela expressão Povo de Deus, o Concilio afirma o papel ativo de todos os batizados especialmente os leigos. Todos os cristãos são iguais, embora haja diversidade de ministérios. Os leigos não são simplesmente o braço direito da hierarquia, mas participantes ativos da vida da Igreja. Todos têm vocação missionária. Sem duvida, as mulheres ganham maior destaque na Igreja no momento sucessivo ao Concilio. É importante ressaltar este novo estilo de Igreja com uma grande participação dos leigos e leigas para uma comunidade cristã que quer influenciar o século XXI. Sem esta participação ativa, pensando a fé criticamente, fruto conciliar, a esperança ficará obscurecida. Todos são Igreja não só os padres, os bispos.

Neste novo modelo eclesiológico todos que passaram pelas águas do Batismo são chamados a se constituírem como Povo, na continuidade do Povo chamado no Antigo Testamento. Todos são participes da mesma missão que é anunciar o Reino de Deus. 

Colegialidade

Esta palavra não foi usada nos textos conciliares, mas foi usada para comentar os textos e expressa uma grande aspiração da Igreja inteira. Apesar de não ter ocorrido uma sensível modificação na relação entre os bispos e a cúria romana é possível colher do Concilio possibilidades iniciais de uma colegialidade nas decisões gerais da Igreja.

Existem varias instituições que possibilitam a concretização desta colegialidade: as conferências regionais, nacionais que anteriormente ao Concilio existiam em diversos lugares. No Brasil a Conferência Nacional dos Bispos (CNBB) foi criada em 1952. Outra instituição criada depois do Concilio, o Sínodo dos Bispos.

Lentamente este tipo de estrutura colegial vai se firmando na Igreja. Varias dioceses convocam suas Assembléias onde se vive fortemente uma base laical e colegial da Igreja particular. Multiplicam-se os conselhos em diversos níveis com participação dos fiéis.

O Concilio Vaticano II foi um marco importantíssimo na História da Igreja Católica, um divisor de águas. O evento conciliar é o símbolo maximo do diálogo no século XX. Assembléia corajosa no diálogo com a modernidade. Para não se deixar inebriar pelo evento será necessário também analisar acontecimentos no decorrer do Concilio e no pós concilio. Serão encontrados traços de aproximação e distanciamento da modernidade.

Os contextos históricos exigem maneiras diferenciadas de recepção do Vaticano II. Neste 2020 estamos vivendo uma tragédia internacional e junto um caos nacional na área da saúde devido a podres poderes públicos. Como cristãos somos convidados a nos posicionar diante dos acontecimentos na sociedade e na Igreja. As redes sociais são uma de tantas estratégias para apresentarmos nosso posicionamento político cristão em defesa da vida, do direito, da justiça, da ética. Você está fazendo a sua parte.

A outra questão é na parte interna da Igreja, suas estruturas. Após anos deste evento que foi o Vaticano II e da sua recepção na América Latina nos vemos diante da pandemia envolvidos em situações desafiadoras. Como viver o cristianismo neste contexto histórico? Será mesmo necessária a apresentação de tantas “lives”, missas, rezas de terços por parte de padres? Chega a ser uma “overdose”. O laicato não sabe rezar? Quem conhece um pouco da história do catolicismo no Brasil sabe muito bem que no período colonial, durante o império e até a atualidade nestes tempos republicanos foi o laicato que carregou este catolicismo com seus benditos, romarias, terços, procissões, ladainhas. O laicato atual não tem mais protagonismo? Se for assim o Vaticano II e sua eclesiologia ainda não aterrissou em terras do pau Brasil.

Ney de Souza, Padre da Arquidiocese de São Paulo e professor de Historia da Igreja na PUC SP.

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