VIDA EM PRIMEIRO LUGAR: O GRITO, A ECONOMIA E A PARTICIPAÇÃO

Se queremos mudar o mundo qual língua devemos falar? Qual movimento devemos nos somar? Quem carrega o desencadear de um novo período pós-capitalismo neoliberal? Em algum momento na vida nos fazemos essa questão. Ser parte da mudança, compor a enorme colcha de retalhos da resistência que atravessa décadas e ver raiar o novo mundo.

Por: Eduardo Brasileiro

O escritor Eduardo Galeano sentenciou em Memórias do Fogo: “Este é um mundo violento e mentiroso, mas não podemos perder a esperança e o entusiasmo para transformá-lo (…) a grandeza humana está nas pequenas coisas, que fazemos rotineiramente, no dia-a-dia que os anônimos fazem sem saber que o fazem”.

Na esperança equilibrista a voz dos anônimos faz parte de um processo de reencontro do movimento social brasileiro com o Brasil real. É momento de recompor a participação, a escuta, o diálogo.  A economia globalizada em seu estágio atual nos desterritorializou do corpo e da comunidade. As ideias de competição, acumulação e consumismo construiu a narrativa do “faça você mesmo”, conhecido como a ideologia da competência na dominação psíquica das pessoas e na individualização das comunidades. A chave neoliberal do empreendedorismo sentencia que a riqueza vem do seu esforço individual, do mérito, de sua intervenção e não do trabalho coletivo da sociedade.

Uma outra corrente par e passo a onda da economiza globalizada foi enunciação da intolerância contra os mais pobres. O conservadorismo brasileiro sempre existiu, mas o que há de novo neste tempo é a existência da ofensiva conservadora. Grupos nas periferias se assumindo conservadores sempre nos incomoda e assusta pensar que toda a violência vivida por este povo nesta estrutura econômico-estatal o faz construir inimigos internos como os/as pretos/as, as juventudes, os indígenas, os/as ativistas. Vivemos um tempo de acolhida das contradições. Os movimentos sociais como um todo passam por uma profunda revisão, revendo quem são as pessoas invizibilizadas e qual a importância de uma ação conjunta entre movimentos. Uma pedagogia popular retoma que é pelo diálogo, pensamento e entrelaçamento que se constrói comunidades educadoras, no sentido de comunidades que forjem um grito de resistência diante da ofensiva conservadora.

A tática da necropolítica (MBEMBE, 2018) no mergulho que se faz em sua ação de escolher quem morre e quem deixa viver caminha para uma ação de desidratação das políticas como uma forma de manter as aparências democráticas sem participação social, sem orçamento, sem políticas públicas que nos remetem ao bem comum. A partir dessa captura neoliberal somente intervenção social pela organização comunitária para discutir um novo projeto societário.

O grito das/os excluídas/os é um grande movimento social que há anos vem denunciando que esta economia mata, e neste ano, na 26ª edição clama “Basta de miséria, preconceito e repressão”. Esse lema nos diz o anuncio: reconectar a economia para a vida real e não para as finanças, fomentar a democracia a partir das periferias nas pegadas da ecologia integral, e por isso, nos conectarmos ao chamado do Papa Francisco para Realmar a Economia. É, sobretudo ouvir os batuques que não para de anunciar. Ouvir nas periferias a retomada de quilombos culturais com uma estética de resistência e um mergulho na ancestralidade dos nossos povos que gritam há séculos libertação, acompanhar a reflexão que a nova classe trabalhadora dos aplicativos/plataformas anunciam, somar nos debates de políticas públicas que centram o orçamento na melhoria de vida das pessoas.

Neste tempo do mundo as ferramentas de pensamento e ação são uma síntese do que tentaram apagar da nossa memória. A pedagogia do oprimido, o pertencimento territorial, a autogestão coletiva de projetos que geram renda, alimentação e participação política. É aí que tentaram e tentam matar o povo continuamente. As últimas reformas feitas pelo governo, o fim do trabalho mediado por garantias de segurança, a criminalização dos movimentos sociais, são a última fronteira que rompia a função da civilização capitalista.

Hoje, a barbárie que desumaniza cada vez mais a nós, só tem uma oposição capaz de dizer fim ao seu império: a capacidade de fazermos a economia no local, solidária, ecológica, circular e que implique práticas territoriais inovadoras, de preconizarmos a comunidade como espaço de produção e reprodução da vida em práticas de geração de vida, e de reconhecermos a relacionalidade das lutas com a efetivação da vida em primeiro lugar

Eduardo Brasileiro, educador na Zona Leste de São Paulo onde atua com o coletivo de paróquias chamado Igreja Povo de Deus em Movimento, é formado em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e assessor Socioeducativo do Instituto Cultiva. Selecionado para o evento Economia de Francisco em 2021 em Assis/Itália, é membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC).

plugins premium WordPress