Viu, sentiu compaixao e cuidou dos Migrantes e Refugiados

Por: Márcia Castro

Nesta reflexão sobre migrantes e refugiados vamos percorrer os passos da Campanha da Fraternidade (CF) que nos leva ao método Ver-Julgar-Agir. Neste ano de 2020 o tema da CF é Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso e parte do lema do samaritano que “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34).

Por: Márcia Castro

O samaritano, diferente do sacerdote e do levita, foi interpelado por aquele homem à margem da estrada e cuidou dele.

Ver – Viu

Estamos diante de uma crise migratória mundial e brasileira. Há vários motivos para que uma migração ocorra, mas uma das principais razões é econômica, quando a pessoa parte para outro país com a esperança de ter uma condição de vida melhor.

Já passamos por várias crises migratórias. O final do século XV e o século XVI foram a época das “grandes descobertas” (com aspas porque essas terram já eram habitadas pelos povos originários) pelos países europeus, instaurando o eurocentrismo e o colonialismo. As Américas, África e partes da Ásia foram inundadas por correntes migratórias, que buscavam conquistar essas regiões. Seguiu-se a migração forçada: o tráfico de escravos. O comércio de populações escravizadas, maior ‘empreendimento comercial’ à época os trazia principalmente da África, para trabalhar nas Américas. Com a abolição da escravatura na maior parte das Américas no século XIX, tendo o Brasil sido, como sabemos, o último a abolir a escravidão, iniciou-se outro tipo de migração, também relacionada ao trabalho, desta vez voluntária. Grande parte destes trabalhadores era originária de regiões menos favorecidas que passavam por graves crises políticas e econômicas, da Europa e da Ásia. A migração de italianos e japoneses, seguidos por alemães e outros povos para o Brasil foi comum nesta época, especialmente para o Sul e Sudeste do país.

A Revolução Industrial, as novas tecnologias e as máquinas fizeram com que muitas pessoas, principalmente nos Estados mais desenvolvidos, ficassem desempregadas. Deste modo, ocorreram novamente migrações em massa, para o “novo mundo”, com destaque para os Estados Unidos, e para os países europeus.

Após a Segunda Guerra Mundial intensificaram-se as migrações e o número de refugiados cresceu enormemente, graças às perseguições que inúmeros grupos sofreram. Nesta época, alguns países, como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina, tomaram medidas para incentivar o fluxo imigratório para seus países, absorvendo força de trabalho e aproveitando o “boom” econômico pós-guerra. Vale registrar os fluxos de populações latino-americanas para Estados Unidos e, no caso dos países europeus, o início de uma segunda diáspora africana. Com estas novas ondas migratórias, os países passaram, a se aproveitar sistematicamente dessa nova força de trabalho como, ao mesmo tempo, passaram a se preocupar em regular a entrada dos imigrantes.

Os refugiados, por sua vez, são pessoas que se encontram fora do seu país por perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais e que não podem voltar para casa. Migrantes e refugiados são frutos do capitalismo que acumula para poucos e exclui muitos Além disso, o capitalismo, com suas práticas colonialistas, mantêm países na pobreza, para melhor explorar suas riquezas e estimula conflitos e disputas entre povos e grupos sociais.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) foi criado após a Segunda Guerra Mundial para ser a agência especializada das Nações Unidas (ONU) para os refugiados, tendo por objetivo coordenar a ação internacional para proteger e auxiliar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas. Aqui no Brasil, a Caritas é parceira da ACNUR na acolhida aos refugiados.

Somos, na imensa maioria, no Brasil, descendentes de populações vindas de outras realidades, como as populações escravizadas, que, sob a violência do colonialismo, construíram as riquezas do País e enraizaram sua cultura, constituindo hoje a maioria da população, respeitando e venerando sua ancestralidade. Também somos filhos de migrantes (italianos, portugueses, alemães, japoneses, latino-americanos…) e falamos com muito orgulho dos nossos antepassados que vieram para o Brasil e ajudaram a construir este país.  

Entretanto devido a  uma cultura de ódio, que invisibiliza e descarta o diferente, vivemos o sério problema da xenofobia. A xenofobia é o nome utilizado em referência ao sentimento de hostilidade e ódio manifestado contra pessoas por elas serem estrangeiras (ou por serem enxergadas como estrangeiras). A palavra xenofobia surgiu da junção de duas palavras do idioma grego: xénos (estrangeiro, estranho) e phóbos (medo). Significa, portanto, “medo do diferente” ou “medo do estrangeiro”. Substituímos o orgulho pelos migrantes de ontem pelo desprezo aos de hoje (haitianos, bolivianos, venezuelanos, angolanos, nigerianos, sírios, asiáticos…).

Como fica a identidade e a origem dos irmãos afrodescendentes que lhes cabe saber que são originários da África, porém desprovidos da identidade de sua terra natal, uma vez que para cá vieram escravizados? Como integrar estes novos irmãos que se concentram em nossas grandes cidades? Outro preconceito que precisamos assumir para superar, o racismo.

Julgar – Sentiu compaixão

O Papa Francisco, assim como o samaritano, foi interpelado pela crise migratória. No início de seu pontificado foi a Lampedusa, na Itália rezar pelas inúmeras pessoas migrantes que perderam a vida no Mar Mediterrâneo e nos questiona: “Somos capazes de vencer a globalização da indiferença? Quem é o responsável pelo sangue destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos nós respondemos assim: não sou eu, não tenho nada a ver com isso; serão outros, eu não certamente. Mas Deus pergunta a cada um de nós: «Onde está o sangue do teu irmão que clama até Mim?» Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Samaritano”. (Discurso do Papa Francisco
em Lampedusa, 2013)

Em todo o seu pontificado denuncia a situação dos excluídos e convoca para a revolução do cuidado. Também quando nos diz que “Os êxodos dramáticos dos refugiados” são “uma experiência que o próprio Jesus Cristo experimentou, com seus pais, no início da sua vida terrena, quando eles tiveram que fugir para o Egito para escapar da fúria assassina de Herodes.”

Agir – Cuidou dele

A Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) promovida mundialmente pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas, teve em 2020 o tema Gentileza gera Gentileza“, inspirado na passagem de Atos 28:2 – relato em que Paulo (um dos prisioneiros em um navio) é gentilmente acolhido após um naufrágio em uma pequena ilha. Como náufragos, diferenças de poder (centurião e soldados) e posição social (prisioneiros) se esvaem e são igualmente acolhidos pelos nativos.

Queridos irmãos e irmãs, a resposta ao desafio colocado pelas migrações contemporâneas pode-se resumir em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Mas estes verbos não valem apenas para os migrantes e os refugiados; exprimem a missão da Igreja a favor de todos os habitantes das periferias existenciais, excluídos dos resultados da riqueza produzida por todos, que devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Ao colocarmos em prática estes verbos, contribuímos para construir a cidade de Deus e do homem, promovemos o desenvolvimento humano integral de todas as pessoas e ajudamos também a comunidade mundial a ficar mais próxima de alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável que se propôs e que, caso contrário, dificilmente serão atingíveis (Mensagem do Papa Francisco
para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 2019).

É preciso que sejamos uma Igreja em Saída do preconceito, da xenofobia para uma Igreja que acolhe (conhece o nome, a história e os sonhos). Uma Igreja em Saída da Indiferença para proteger os excluídos e mais vulneráveis por meio de políticas públicas. Uma Igreja em Saída da individualidade para promover oportunidades de olharmos o outro com compaixão e compromisso social. Uma Igreja em Saída da sacristia para buscar integrar a pluralidade do Povo de Deus numa ação pastoral em busca de uma sociedade justa e democrática.

Temos no Brasil Pastorais Sociais e diversos organismos que atuam para acolher, proteger, promover e integrar Migrantes e Refugiados. Precisam de muitas mãos para a messe.

O Papa Francisco nos convida a dois importantes processos que certamente trarão luzes para acolher, proteger, promover e integrar. Um destes trata de uma nova Economia que coloca a vida no centro e no mercado que é a Economia de Francisco e no qual a articulação brasileira propõe a inserção feminina por meio da Economia de Francisco e Clara. Precisamos “re-almar” a economia! Assis, símbolo e mensagem de um humanismo da fraternidade, Ícone de uma cultura de paz (São João Paulo II), pode inspirar uma nova economia. Francisco se despojou de todo o mundanismo para escolher Deus como estrela guia de sua vida, tornando-se pobre com os pobres e irmão universal. Destino de todo o planeta, a nossa casa comum, “a nossa Mãe Terra”, como Francisco a chama em seu Cântico do Irmão Sol (…)

O outro importante processo é a convocação para o Pacto Educativo Global que nos desafia a colocar a pessoa no centro, abraçando com cuidado, a Casa Comum. A Igreja em saída é uma comunidade que se envolve (“primerear”), capaz de intervir em todos os processos da vida pessoal e social. No Brasil, os Bispos convocam a 6ª Semana Social Brasileira com o tema “Mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho” que irá ser desenvolvida nos próximos três anos e teremos oportunidade de acolher, proteger, promover e integrar.

Márcia Castro, leiga, da Escola de fé e política Waldemar Rossi da Arquidiocese de São Paulo

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