VOCAÇÃO LAICAL E AS VIRTUDES DE SANTO ANTÔNIO

Por: Emilio Petri de Souza

A vocação laical nos últimos tempos tem encontrado espaço e destaque nos debates de uma Igreja que busca se configurar “em saída”, como pede o Papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho, ressaltando a importância secular, própria e peculiar dos leigos, já afirmadas pelo Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen Gentium .

Uma “Igreja em saída” é uma Igreja verdadeiramente missionária, capaz de sair de si mesma para chegar a todos, indistintamente, a fim de testemunhar no mundo o amor salvífico do Senhor (DANTAS, 2020, P. 31). Tal testemunho, prefigura-se no mandato de Jesus, que definiu seus discípulos e a missão que a eles conferiu, como “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-14).

Os Cristãos leigos e leigas pela iniciação cristã, como discípulos de Jesus, receberam a missão de ser “sal da terra e luz do mundo” na Igreja e na sociedade (CNBB, 2016, Doc. 105). O sal e a luz são símbolos antiquíssimos que remontam a conservação e iluminação do que deve permanecer, continuar e durar, possuem significado singular para o ser cristão leigo e leiga. Sal e luz não existem para si mesmos, mas para dar sabor e iluminar, assim, a igreja e nenhum cristão vivem para si mesmos, mas sim, para sair de si e dar sabor e iluminar as mais diversas e complexas realidades do mundo, a partir do amor salvífico do Senhor (CNBB, 2016, Doc. 105, Nº. 13).

A Igreja está dentro do mundo como recorda o Concílio Vaticano II, e necessita mais do que nunca de homens e mulheres, leigos e leigas, dispostos a serem “sal” e “luz” para a humanidade, verdadeiros sujeitos na Igreja e na sociedade. Diante dos desafios deste mundo globalizado, é urgente a necessidade de deixar-se inspirar e entusiasmar pelo Espírito Santo se configurando a Cristo e seu Evangelho, ser sujeito no mundo, capaz de agir de forma consciente, responsável, autônoma e livre (CNBB, 2016, Doc. 105, Nº. 66).

No curso da história, muitos homens e mulheres deixaram-se inspirar e entusiasmar pelo Espírito Santo, fecundando o mundo com a força do Evangelho – os santos. Estes inspiram no hoje, a vida dos batizados, leigos e leigas comprometidos com a missão no mundo (FONSECA, 2018, p. 25). Santo Antônio foi um destes homens que deixou-se inspirar e entusiasmar pelo Espírito Santo, inspirando e entusiasmando também, homens e mulheres de seu tempo e da atualidade, com sua profunda vida espiritual centrada no Cristo, se tornando um dos santos mais populares da Igreja Católica Latina, sendo venerado vivamente na Europa e na América, sua devoção abraça todo o território brasileiro, desde as pequenas comunidades rurais aos grandes centros urbanos.

Entre os anos de 1190 e 1195, nasceu o primeiro mestre de teologia franciscano em Lisboa, Portugal (MACHADO, 2007, p. 1), filho do nobre Martino de ‘Buglioni e Donna Maria Taveira, fora batizado como Fernando Martins de Bulhões e Taveira. Despertando-se para a vida religiosa, o jovem Fernando em Portugal entrou para a Ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, estudando na escola episcopal da Sé de Lisboa, no Mosteiro de São Vicente de Fora e no maior de todos os mosteiros da região em seu período: O de Santa Cruz de Coimbra. Tornou-se cônego regrante de Santo Agostinho e sacerdote (MACHADO, 2007, p. 1).

Estando na então capital portuguesa, Coimbra, o jovem Fernando teve acesso a uma das mais importantes bibliotecas da Europa, onde se aprofundou no estudo das obras dos doutores da Igreja, cuja erudição fundamentaria suas pregações nos anos futuros (SILVA, 2012, p. 2). Em contato com os missionários franciscanos a caminho da África, e movido por uma nova concepção de santidade desenvolvida no contexto em que viveu, centrada na pobreza e na renúncia, o então Fernando pede em 1220 transferência para a Ordem Franciscana, passando a se chamar Antônio (SILVA, 2012, p. 2-3).

Sendo de linhagem nobre, sua adesão a ordem franciscana manifesta sua opção pela pobreza, renúncia e desejo de estar em meio ao povo, já que abandona a vida monástica e se inseri numa realidade missionária, próxima ao povo, principalmente dos mais necessitados. Como franciscano, passou boa parte de sua vida na Itália, “onde crescia sua fama de orador e taumaturgo” (SILVA, 2012, p. 4).  Em 1231 próximo a Pádua veio a falecer acometido de uma doença. Um ano após sua morte, em 30 de maio de 1232 foi reconhecido santo pelo Papa Gregório IX, sendo proclamando em 1946 “doutor da igreja universal”, com o título de Doctor Evangelicus (RODRIGUES, 2018). Tendo vivido a maior parte de sua vida entre Portugal e Itália, padre Antônio Viera em um de seus sermões à de chamá-lo “português italiano e a um italiano português” (VIEIRA, 1997, p. 279). Assim, mesmo sendo clérico, Santo Antônio é hoje um entusiasta a vocação laical, já que em vida, se colocou no mundo para ser “sal” e “luz”.

Olhando para sua virtuosa vida, não tendo a pretensão de esgotá-la em sua profunda riqueza espiritual fecundada no Evangelho, mas sim, interpelar a vida e missão do leigo na igreja hoje, pode-se destacar três pontos da vida de Santo Antônio, aqui entendidos como virtudes que contribuem para promoção da vocação laical, são elas: Homem da Palavra, homem da Oração e homem da Caridade.

Deixando-se fecundar pela Palavra de Deus, Santo Antônio anunciou a Boa Nova do Reino com a vida. Sendo verdadeira “arca do Testamento” e “trombeta do Evangelho”, como é anunciado pelos devotos em sua ladainha, dedicou sua vida a escuta da Palavra, confessando e valorizando a centralidade da Palavra de Deus na vida do crente. Tornando-se um dos maiores pregadores da Igreja com seus famosos e ditosos sermões, prefigurou-se no seu tempo como “martelo dos hereges”.

Como homem da oração, Santo Antônio é aclamado como “íntimo amigo do Menino Deus”, “Servo da Mãe Imaculada”, “homem da santa oração”. A oração marca sua profunda vida espiritual e sustenta sua intimidade com Deus por meio da vivência da Palavra, fundamento primeiro de sua oração centrada na Eucaristia, fonte e cume da fé. Em Santo Antônio, mais do que nunca a Eucaristia é comunhão, identidade e pertença a vida da Igreja.

Como homem da caridade, Santo Antônio mais do que acolher os pobres benignamente, combateu por meio do anúncio do Evangelho a raiz da pobreza e da miséria. Vendo no pobre o sacramento de Cristo, ele se compadecia pelo drama vivido por estes homens e mulheres de seu tempo, oprimidos e marginalizados pelos ricos e poderosos a lhes tirar a dignidade (TEIXEIRA, 2013). Intitulado como “amigo da pobreza” e “rosa da caridade”, seu ouvido atento a Palavra e sua frutuosa vida de oração fizeram de sua vida uma ação concreta centrada na defesa e promoção humana dos pobres.

O legado de Santo Antônio põe leigos e leigas diante do mandato de Jesus, ser “sal da terra e luz do mundo” no hoje de nossa existência. Sua vida inspira e entusiasma homens e mulheres a viver sua vocação batismal, sendo em meio a este mundo de desafios, mas também de possibilidades, leigos ouvintes da Palavra, que se deixam moldar pelo Evangelho; leigos orantes, que façam eucaristia em Igreja celebrando a vida em plenitude; e leigos caridosos capazes de ouvir o clamor dos pobres e marginalizados combatendo as forças que oprimem e geram a morte.  A missão do leigo está no mundo. Estando no mundo, a exemplo de Santo Antônio, peçamos a Deus a graça de iluminar e dar sabor as realidades vividas. Santo Antônio, rogai por nós, intercedei a Deus por nós.

Referências Bibliográficas

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade – Doc. 105. Brasília: CNBB, 2016.

DANTAS, Erivaldo. Por uma “Igreja em saída”. In: Revista Vida Pastoral. Ano 61. Nº 331. Paulus. São Paulo, janeiro-fevereiro de 2020, p. 30-37.

FONSECA. Dom Devair Araújo da. Sal da Terra e luz do mundo: Compromisso dos leigos na Igreja e no mundo. In: Sal da terra e luz do mundo. Pe. Eliomar Ribeiro, SJ (Org.). Edições Loyola. São Paulo, 2018, p. 11-28.

MACHADO, Jefferson Eduardo dos Santos. Antônio de Lisboa/Pádua o martelo da Igreja Romana: A busca da hegemonia e da reforma de costumes da Igreja Romana através da pregação dos Frades Menores no Século XIII. UFRJ. Rio de Janeiro, 2007.

RODRIGUES, Arnaldo. Santo Antônio de Pádua, o doutor evangélico. Vatican News. Cidade do Vaticano, 13 de junho de 2018. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-06/santo-antonio.html. Acesso em: 04 de Jun. 2020.

SILVA, Cesar Augusto Tovar. Santo Antônio de Lisboa: a construção da santidade e suas fontes hagiográficas. Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH-RIO. Rio de Janeiro, 2012.

Carioca. Rio de Janeiro, 18 de Julho de 2013. Disponível em: https://conventosantoantonio.org.br/santo-antonio-e-os-pobres.html.Acesso em:05 de Jun.

VIEIRA, Antônio (SJ). Santo Antônio, luz do mundo: nove sermões. Petrópolis: Vozes, 1997.

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